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Aquecimento Global: 79 Anos de Evidências

Guy Callendar (1897-1964). Foto: Wikipedia.

Um dos aspectos da desinformação difundida pelos negacionistas climáticos é esconder a história da Ciência do Clima, como se as evidências do aquecimento global e de seu caráter antrópico tivessem surgido agora, da cabeça de alguns “cientistas conspiradores”. Peço que leiam com atenção o texto a seguir:

“Pela combustão, o homem adicionou cerca de 150.000 milhões de toneladas de dióxido de carbono ao ar durante o último meio século. O autor estima, a partir dos melhores dados disponíveis, que cerca de três quartos disto permaneceu na atmosfera. Os coeficientes de absorção de radiação de dióxido de carbono e vapor d’água são usados para mostrar o efeito do dióxido de carbono na “radiação celeste”. A partir disso, o aumento da temperatura média, devido à produção artificial de dióxido de carbono, é estimado em 0,003ºC por ano, na atualidade. As observações de temperatura em estações meteorológicas do mundo são usadas para mostrar que as temperaturas mundiais na verdade aumentaram a uma taxa média de 0,005°C por ano durante o último meio século.”

É este o resumo de um artigo intitulado “A Produção Artificial de Dióxido de Carbono e sua Influência na Temperatura”, publicado por Guy Stewart Callendar, em 16 de fevereiro de 1938, há 79 anos, portanto.

Resumo do trabalho pioneiro de Guy Callendar, publicado em 1938.

Svante Arrhenius, 42 anos antes já havia apresentado evidências teóricas de que mudanças na concentração de dióxido de carbono na atmosfera terrestre poderiam promover alterações significativas no clima terrestre, como já discutimos certa vez em nosso blog. Mas o trabalho meticuloso de Callendar foi absolutamente pioneiro no sentido de trazer evidências empíricas nesse sentido. Engenheiro e inventor, ele se dedicou à tarefa laboriosa de, à mão, calcular médias de dados de 200 estações meteorológicas, e construir gráficos a partir deles. Além disso, ele utilizou equações da Física, como a Lei de Stefan-Boltzmann para estimar qual seria a possível contribuição do aumento da concentração de CO2 para as mudanças observadas na temperatura e projetar para o futuro quais seriam as alterações esperadas no clima da Terra, não apenas em sua temperatura média global mas também no deslocamento das zonas climáticas rumo aos pólos.

Como ficou nítido pelos comentários que acompanham o artigo, a comunidade científica da época (lembremos… quase 80 anos atrás) mostrou-se cética quanto aos resultados e conclusões de Callendar, apesar de reconhecer a correção com a qual ele tratou os dados e desenvolveu todos os cálculos em seu trabalho. Não custa enfatizar que mostrar ceticismo quanto ao aquecimento global há 8 décadas era uma coisa, pois ainda não havia um centésimo das evidências de agora. Já hoje, não há como. Os “contrários” do presente não são “céticos”, ou seja, pessoas que por duvidarem de maneira sincera e honesta, procuram dirimir tais dúvidas investigando e buscando evidências. O que se vê hoje em dia, ao contrário de há 79 anos, é negacionismo anticiência que é propositalmente incapaz de separar fontes confiáveis e não-confiáveis e se recusa a aceitar evidências.

Gráfico do artigo de Callendar sugerindo que uma parte não desprezível do aquecimento global já verificado na época poderia ser atribuído ao aumento das concentrações de dióxido de carbono (“CO2 effect”).

O mais interessante é que ele imaginava que o efeito desse aquecimento seria benéfico (o que é obviamente errado): “Em conclusão, pode-se dizer que a combustão de combustíveis fósseis, seja turfa da superfície ou óleo de 10.000 pés abaixo, é provável que seja benéfica para a humanidade de várias maneiras, além do fornecimento de calor e energia. Por exemplo, os aumentos da temperatura média acima mencionados seriam importantes na margem norte dos cultivos e o crescimento de plantas favoravelmente situadas é diretamente proporcional à pressão do dióxido de carbono (Brown e Escombe, 1905). Em qualquer caso, o retorno de eras glaciais mortais deve ser adiada indefinidamente. No que diz respeito às reservas de combustível, estas seriam suficientes para produzir pelo menos dez vezes mais dióxido de carbono do que existe atualmente no ar”. Vejam que alguns negacionistas (aqueles que não negam o óbvio, que o mundo está acontecendo, nem o quase tão óbvio, que a causa é antrópica, mas que dizem que esse aumento de CO2 e temperatura é “bom”) sequer conseguem ser originais. Eles apenas reproduzem o único grande erro de Callendar (achar que o aquecimento global seria positivo) que é perfeitamente perdoável dadas as condições da época, quando o aquecimento global era limitado a poucos décimos de grau!

Vale frisar que essa visão esperançosa de Callendar tinha a ver com o fato de que ele subestimava em muito as emissões de CO2 futuras. Também era evidente (numa lógica eurocêntrica) que lhe pareciam atraentes a possibilidade de expansão da fronteira agrícola para o norte, que ele estimava poder avançar em até 127 km em 200 anos e, sobretudo, a ideia de adiarmos de vez uma nova era glacial. Embora brilhante no seu trabalho de pesquisa e imortalizado através desse artigo, a visão de Callendar mostrou-se não apenas muito otimista, mas talvez ingênua.

Emissões de CO2 cresceram exponencialmente. Tudo o que foi emitido de 1750 a 1938 (cerca de 169 bilhões de toneladas deste gás) é, nos dias de hoje, emitido em menos de 5 anos.

O ponto é que adentramos um terreno que certamente pareceria total exagero há 8 décadas. Callendar imaginava concentrações de CO2 da ordem de 330 ppm e 360 ppm para os séculos XXI e XXII, respectivamente, quando os valores atuais já excedem amplamente os 400 ppm. Os valores atribuídos por Callendar para o que seriam tempos futuros distantes foram ultrapassados respectivamente em 1974 (330 ppm) e 1995 (360 ppm) e a média observada em Mauna Loa, em Janeiro de 2017, foi de mais de 406 ppm! Por conta das projeções modestas, Callendar imaginava mudanças de temperatura globais de meros 0,57°C em dois séculos e em nenhum momento imaginou a “grande aceleração”, que faz com que as emissões de hoje sejam 8,6 vezes maiores do que as de sua época e as emissões acumuladas de 1750 até 1938, de 169 bilhões de toneladas de CO2, equivale ao que levamos menos de 5 anos para emitir.

50 anos depois do espetacular artigo de Callendar, a ONU instituiu o IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, para que especialistas pudessem fazer um levantamento do estado-da-arte da Ciência do Clima e hoje sabemos muito mais do que estava disponível para os cientistas na primeira metade dos séculos XIX e XX. Mas não deixa de ser impressionante que as bases teóricas (Arrhenius) e empíricas (Callendar) de aspectos fundamentais do nosso conhecimento sobre o assunto tenham emergido há tanto tempo.

Fonte – Blog o que você faria se soubesse o que eu sei? de 17 de fevereiro de 2017

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