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Cresce a resistência ao fracking no Brasil

Recém chegada do México, amiga minha relatava, enquanto caminhávamos com os cachorros, o horror que viveu durante o tremor do dia 7 naquele país, ainda nem de leve parecido com o que ocorreria dias depois, comparável ao terremoto de 32 anos atrás. A sirene de alarme, que surge e invade casas e conversas como um Grande Irmão, não dá chance de nada, a não ser descer escadas ou avançar portões para ficar na rua e torcer, muito, para que nada atinja sua cabeça. No caso da amiga de minha amiga, foi preciso fazer uma “escolha de Sofia”, deixando uma gata e um cachorro, velhos e doentes, no apartamento.

Felizmente todos voltaram ilesos. Felizmente minha amiga voltou para o Brasil. Felizmente estávamos conversando sobre tudo isso em nossa rua arborizada, que sofre de outros abalos, vez por outra, quando assaltantes decidem dar o ar da graça e nos atemorizam. Fora isso, é seguro.

Viver é trágico, não temos mesmo garantia de nada. Desde o início dos tempos, o homem luta contra o medo da morte, e este vem sendo o sentimento que nos governa. Ou melhor, nem só este. Porque desde que o capitalismo gerou a doença da ganância, cá estamos a incorrer em erros que sabemos fatais em nome de um desenvolvimento e de um progresso que, em regra geral, não chega a todos, como bem se sabe. Mas impacta, sobretudo, aqueles que têm pouco ou nenhum recurso.

Volto ao assunto sobre o qual aqueles jovens que estão viajando cidades em navio – escrevi sobre eles no meu post anterior – estão debatendo com muita gente mundo afora. É preciso se dar conta de que a necessidade de mudança de hábitos e consumo, hoje, é praticamente um gesto de solidariedade com aqueles que não têm tanto peso na responsabilidade das emissões poluentes, mas serão as primeira vítimas dos eventos gerados por este excesso. Exemplo disso são as nações-ilhas do Pacífico.

É de justiça social e de desigualdade social, que estamos falando, portanto, quando conduzimos o pensamento para a questão do abuso de bens naturais. E o principal deles é o combustível fóssil. Sabe-se que a maneira gananciosa com que a humanidade foi em cima do óleo que gera energia criou problemas, e não são poucos. Para tentar amenizar um deles, a dependência dos povos árabes, os Estados Unidos se lançaram em busca de uma nova forma de retirar energia dos bens naturais. Surgiu o gás de xisto, que é extraído das entranhas da Terra através de uma técnica desconfortável chamada fracking, ou fraturamento hidráulico, que consiste na perfuração de um poço vertical de centenas de metros que, ao atingir a rocha portadora do gás, se ramifica em um ou vários poços horizontais.

É uma técnica agressiva. Não, eu não estou dizendo que gera terremotos, não há estudos científicos comprovando este fato. Estou apenas compartilhando com os leitores um profundo sentimento de indignação. Quando ouço relatos como o que eu ouvi de minha amiga sobre o pavor de lidar com terremotos, fico imaginando se os técnicos capazes de criar uma tecnologia tão invasora quanto o fracking, em algum momento pensaram na possibilidade de que tal técnica, assim como tantos outros extrativismos, pode mexer muito com o equilíbrio do ecossistema do planeta. Imaginar que não gera impactos, sinceramente, para mim é impossível.

O fracking não chegou ao Brasil ainda, mas um relatório do Departamento de Energia dos Estados Unidos (EIA/ARI) dá conta de que aqui existem 245 trilhões de metros cúbicos do gás, chamado de “não convencional”. As reservas se situam, sobretudo, nas bacias do Paraná, Solimões e Amazonas.

Com toda essa carga de preocupação que cerca a atividade, há um fato novo nessa possibilidade de que o Brasil passe a ser um território de exploração do gás de xisto, como é chamado o produto que sai da investida do fracking. É que ele está gerando, antes mesmo de uma conquista do mercado,  uma resistência da cidadania. É o que se vê, por exemplo, na publicação Fracking e a exploração de recursos não convencionais no Brasil: riscos e ameaças”, lançado pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) na terça-feira passada (26), que pode ser acessada no site da organização, gratuitamente.

O livro tem oito artigos de especialistas no tema, que listam os impactos da atividade não só ao meio ambiente como às pessoas que tenham a má sorte de estar por perto da extração. Problemas respiratórios, causados pela inalação involuntária da areia usada para fazer pressão e chegar às profundezas da rocha, são um dos males. Há casos relatados de câncer também. E foi lançado um dia antes de um novo leilão da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP, para exploração de petróleo e gás. Havia dois anos que não aconteciam leilões, e dessa vez a ANP resolveu oferecer 287 blocos em áreas localizadas em nove bacias sedimentares brasileiras, terrestres e marítimas, incluindo blocos localizados na camada do pré-sal.

“A ameaça – não mais do que ameaça, pois a exploração pelo fracking no Brasil ainda não aconteceu – despertou a resistência. O território, com tudo o que comporta, é criado como bem comum, de todos, nem privado e nem estatal. Simplesmente um comum a defender. O problema é que a lógica da extração do possível gás tem tentáculos e sustentação muito longe do território local. Mas é aí, no local, que cidadania e democracia deixam de ser grandes conceitos e passam a ser bandeiras de luta enraizadas, que agregam e levam a resistir”, escreve Cândido Grzybowski, diretor do Ibase, um dos autores da publicação.

Coalizão Não Fracking Brasil também vem se inscrevendo como importante protagonista na luta contra essa atividade.

O fracking é, em última instância, como lembra Cândido Grzybowski, a manutenção do mesmo modo de produção e vida que tem sido, recorrentemente, alvo de reflexões e críticas. Ou se leva a sério, por exemplo, o Acordo feito em Paris, em que se pretende baixar as emissões (o que inclui mudança de hábitos e de consumo de combustíveis fósseis), ou vamos nos deixar retroceder. Donald Trump já fez a escolha e retirou Estados Unidos do Acordo. Não por acaso, vêm de lá os primeiros investimentos no gás de xisto, o que tem sido interpretado por estudiosos em políticas internacionais como uma “revolução energética”. A reserva americana de gás de xisto é estimada em 2,7 trilhões de metros cúbicos, segundo dados de 2010 da Administração de Informação sobre Energia (EIA).

Vale a pena ler a publicação do Ibase e refletir a respeito.

Fonte – Amelia Gonzalez, G1 de 30 de setembro de 2017

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