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Dos limites do crescimento ao decrescimento da Pegada Ecológica

pegada ecológica e biocapacidade, Mundo: 1961-2013

“Acreditar que o crescimento econômico exponencial pode continuar
infinitamente num mundo finito é coisa de louco ou de economista”
Kenneth Boulding (1910-1993)

A economia é um subsistema da ecologia. Desta forma, a Pegada Ecológica gerada pela economia não pode ser maior do que a biocapacidade fornecida pela ecologia. Para manter a sustentabilidade e garantir o adequado padrão de vida da humanidade, sem degradar as condições ambientais, a Pegada Ecológica, no longo prazo, não pode ser maior do que a biocapacidade. Assim, é insustentável manter o crescimento da produção e consumo de bens e serviços acima da capacidade de carga do meio ambiente.

Essas lições foram antecipadas de maneira clara no livro “Limites do Crescimento, um relatório para o Projeto do Clube de Roma sobre o Dilema da Humanidade”, liderado pelo casal Meadows e publicado originalmente em 1972. Os autores constroem um modelo para investigar cinco grandes tendências de interesse global: o ritmo acelerado de industrialização, o rápido crescimento demográfico, a desnutrição generalizada, o esgotamento dos recursos naturais não-renováveis e a deterioração ambiental. Estas tendências se inter-relacionam de muitos modos e a obra busca compreender suas implicações num horizonte de cem anos.

A principal conclusão do livro está resumida neste parágrafo: “Se as atuais tendências de crescimento da população mundial, industrialização, poluição, produção de alimentos e diminuição de recursos naturais continuarem imutáveis, os limites de crescimento neste planeta serão alcançados algum dia dentro dos próximos cem anos. O resultado mais provável será um declínio súbito e incontrolável, tanto da população quanto da capacidade industrial” (p. 20).

Infelizmente o alerta do livro “Limites do Crescimento” não foi ouvido e a Pegada Ecológica da humanidade ultrapassou a biocapacidade do Planeta a partir do início da década de 1970, como mostra a figura acima. As reservas ecológicas (área verde) foram substituídas pelo déficit ecológico (área vermelha). E o mais grave é que o déficit aumenta a cada ano. Em 2013, a Pegada Ecológica Global estava 68% acima da Biocapacidade. Ou seja, a população mundial está utilizando cerca de 1,7 Planeta e caminha para o uso de dois Planetas até 2030.

Evidentemente, o modelo atual é insustentável e a humanidade marcha para uma situação catastrófica caso continue avolumando a Pegada Ecológica bem acima da biocapacidade. Por exemplo, a continuidade do efeito estufa pode ser o fator de “declínio súbito e incontrolável”, apontado pelo livro “Limites do Crescimento”. As constantes agressões antrópicas ao meio ambiente podem ter um efeito de retroalimentação com o derretimento do permafrost e das Tundras do círculo Ártico que liberam CO2 e o gás metano. Artigo de Uwe Branda et. al. (2016) traz uma afirmação preocupante: “O aquecimento global provocado pela liberação maciça de dióxido de carbono pode ser catastrófico. Mas a liberação do hidrato de metano pode ser apocalíptica”.

Portanto, os dados mostram que a natureza não aguenta mais a continuidade dos impactos do crescimento da população humana, do seu consumo e da sua decorrente poluição. A continuidade da perda da biodiversidade e da degradação dos ecossistemas apontam para um abismo que pode sugar o progresso e jogar a economia em um caos imprevisível, mas muito doloroso.

Para impedir o pior, é preciso evitar o crescimento econômico quantitativo que extrai volumes crescentes de recursos naturais e gera volumes ainda maiores de resíduos sólidos e poluição do solo, das águas e do ar. Não basta o desacoplamento relativo. A solução passa por uma mudança de paradigma e pelo decrescimento demoeconômico, como forma de reduzir a Pegada Ecológica. E como bem mostra o livro “Enough is Enough” (2010), não basta reduzir a pegada ecológica, também é preciso reduzir o número de pés.

O Japão é um exemplo de um país rico (com alto padrão de vida), que tem apresentado baixo crescimento econômico e que está em fase de decrescimento populacional. Embora o “país do sol nascente” apresente alto déficit ambiental, o resultado recente, mesmo que modesto, tem sido a redução das agressões à natureza. A Biocapacidade subiu de 85 milhões de hectares globais (gha) em 2003 para 89,6 milhões de gha em 2013, enquanto a Pegada Ecológica diminuiu de 696 milhões de gha em 2000 para 639 milhões de gha em 2013. Ainda existe um longo caminho para o Japão sair de uma situação de déficit para uma situação de superávit ambiental. Todavia, a notícia positiva é que o país é um dos poucos da comunidade internacional que está reduzindo sua dívida ambiental, fazendo convergir as tendências da Pegada Ecológica e da Biocapacidade.

Mudar o padrão de produção e consumo é fundamental. Porém, o decrescimento da população poderia dar uma grande contribuição para diminuir o impacto negativo sobre o meio ambiente. Porém, as projeções da ONU indicam que é quase certo que a população mundial vai passar dos atuais 7,6 bilhões de habitantes, em 2017, para cerca de 10 bilhões em 2055. Se houver queda mais acelerada das taxas de fecundidade, o declínio populacional poderá ocorrer ainda na segunda metade do século XXI.

Neste quadro, o que fazer então para evitar uma catástrofe ambiental?

Além da aceleração da queda das taxas de fecundidade (que vão possibilitar a futura estabilização demográfica) é preciso imediatamente modificar o modo de vida e reduzir o nível de agressão à natureza. Isto é, a Pegada Ecológica tem que abrandada.

Mas há grandes resistências à diminuição do consumo em qualquer sociedade, embora a redução do alto padrão de vida nos países ricos seja uma forma de mitigar os problemas ambientais e as desigualdades sociais. O decrescimento demoeconômico nos países desenvolvidos é uma bandeira que tem ganhado muitos adeptos, como mostra as publicações do grupo Research & Degrowth (R&D).

Mas há muita resistência em se falar em decrescimento demoeconômico nos países pobres e de baixo grau de desenvolvimento. Argumenta-se que as populações do Terceiro Mundo não atingiram um grau mínimo de bem-estar e que, portanto, estes países não têm “gordura” para queimar. Falar em decrescimento populacional também mexe com os interesses dos setores do fundamentalismo religioso, das forças militares, do conservadorismo moral, dos políticos populistas e do nacionalismo xenófobo. O pronatalismo sempre acompanha os sonhos da grandeza nacional, que tende a deixar o meio ambiente e a biodiversidade em segundo plano, em relação ao desenvolvimento das forças produtivas e ao egoísmo humano.

Contudo, quando se fala em decrescimento não se pode pensar simplesmente na lógica quantitativa e material. O decrescimento pode ser principalmente qualitativo, reduzindo as atividades mais poluidoras e fazendo crescer as atividades com menor impacto ambiental.

Por exemplo, o decréscimo da produção e do consumo de combustíveis fósseis, além de diminuir as emissões de gases de efeito estufa pode abrir espaço para o crescimento das energias renováveis (solar, eólica, geotérmica, ondas, etc.), contribuindo para a descarbonização da economia. As energias alternativas podem gerar emprego e democratizar o acesso à produção e consumo energético, criando a figura do prossumidor (produtor + consumidor).

Com base neste exemplo, podemos listar diversas maneiras de fazer decrescer as atividades mais poluidoras e degradadoras do meio ambiente, abrindo espaço para crescer as atividades mais amigáveis à natureza. Vejamos algumas alternativas:

Decrescer os gastos militares e reduzir a produção e uso de instrumentos de guerra e aumentar os investimentos em atividades de engrandecimento da solidariedade nacional e internacional, na promoção da paz e na ampliação do bem-estar social (com melhoria da saúde, da educação e cultura ecocêntrica).

Decrescer a produção e o consumo de fertilizantes químicos e agrotóxicos e aumentar os investimentos na agricultura orgânica, na permacultura e na agricultura urbana, produzindo alimentos saudáveis perto dos grandes centros urbanos (para decrescer os custos de transporte e o desperdício dos alimentos).

Decrescer as áreas de pastagem e a produção e o consumo de proteína animal, promovendo a transição para uma dieta vegetariana e vegana, além de aumentar as áreas de florestas e vegetação nativa.

Decrescer a produção e o uso de carros particulares (principalmente aqueles grandes, pesados e que demandam muita energia por quilômetro rodado) e aumentar os investimentos em transporte coletivo e no compartilhamento de automóveis.

Decrescer as desigualdades, o consumo conspícuo, os bens de luxo e investir em bens e serviços que permitam a universalização do bem-estar, aumentando as atividades da economia solidária, da economia colaborativa, de forma a diminuir os impactos das atividades antrópicas.

Decrescer a demanda dos serviços ecossistêmicos, reduzir a poluição e diminuir as áreas ecúmenas, aumentando as áreas verdes (florestas e matas), limpando os rios, lagos e oceanos para viabilizar a recuperação da biodiversidade, o aumento das áreas anecúmenas e o incremento do bem-estar ecológico.

Decrescer a economia material e aumentar a economia imaterial, a produção de bens intangíveis e a sociedade do conhecimento, da solidariedade e do compartilhamento.

O fato é que a humanidade precisa mudar o estilo de vida e o padrão de produção e consumo para fazer decrescer as atividades antrópicas. O alerta feito no livro “Limites do Crescimento” continua válido. Mas não basta mais limitar o crescimento. O desafio atual é promover o decrescimento demoeconômico, reduzindo a Pegada Ecológica e aumentando a Biocapacidade.

Os dinossauros viveram na Terra durante 135 milhões de anos. O Homo sapiens tem apenas 200 mil anos. Numa perspectiva de longo prazo, pouco importa saber se o “declínio súbito e incontrolável”, apontado pelo relatório, de 1972, do Clube de Roma, acontecerá em 50, 100 ou 200 anos. O certo é que o caminho atual é insustentável e, se nada for feito para um redirecionamento, a humanidade não terá futuro.

Indubitavelmente, não dá para tergiversar, pois é impossível garantir o enriquecimento da sociedade humana às custas do empobrecimento da comunidade biótica global. A insistência na manutenção do rumo historicamente insustentável da economia e do crescimento das atividades antrópicas pode levar a civilização ao precipício, ao ecocídio e ao suicídio.

Referências

ALVES, JED. População, Meio Ambiente e Desenvolvimento (in) Sustentável, Scribd, 10/05/2017
https://pt.scribd.com/document/347929768/Populacao-Meio-Ambiente-e-Desenvolvimento-in-Sustentavel

ALVES, JED. O decálogo da sustentabilidade ecocêntrica, Ecodebate, 13/11/2013
http://www.ecodebate.com.br/2013/11/13/o-decalogo-da-sustentabilidade-ecocentrica-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

MEADOWS, D. et. al. Limites do Crescimento. Um relatório para o Projeto do Clube de Roma sobre o Dilema da Humanidade, Editora Perspectiva, 2ª ed., São Paulo, 1978
https://pt.scribd.com/doc/218016244/Limites-Do-Crescimento

O’Neill, D.W., Dietz, R., Jones, N. (Editors), Enough is Enough: Ideas for a sustainable economy in a world of finite resources. The report of the Steady State Economy Conference. Center for the Advancement of the Steady State Economy and Economic Justice for All, UK, 2010.
http://steadystate.org/wp-content/uploads/EnoughIsEnough_FullReport.pdf

Global Footprint Network: http://data.footprintnetwork.org/

Research & Degrowth (R&D): https://degrowth.org/

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

Fonte – EcoDebate de 28 de junho de 2017

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