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Embrapa demite pesquisador que denunciou mau uso de agrotóxicos

Menos de um mês depois de ser condenada em trânsito julgado por assédio moral contra seus empregados, a Embrapa demitiu, na quarta-feira (28/02), o líder sindicalista Vicente Eduardo Soares Almeida, ex-presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agrário (SINPAF), um expoente na pesquisa do uso de agrotóxicos e seus impactos para a saúde no Brasil. A demissão, “por justa causa”, vem no bojo da perseguição aos cientistas e pesquisadores brasileiros como retaliação às denúncias que o sindicalista vem fazendo desde que assumiu a direção nacional do Sindicato de 2013, conforme deixa claro nota emitida pela própria empresa. Essas denúncias se referem ao desvio de recursos em esquema de caixa 2, improbidade administrativa na gestão da empresa, assédio moral e uso indevido de agrotóxicos causando o adoecimento de empregados. Sobretudo, Vicente é um crítico expressivo da política de pesquisa e desenvolvimento da empresa, que tenta submeter os especialistas aos interesses e exigências do agronegócio, promotores do uso indiscriminado de herbicidas e agrotóxicos no Brasil.

Pesquisador demitido da Embrapa depois de longo processo de perseguição iniciado ao término de sua gestão na presidência do Sindicato

É a segunda demissão neste ano. Em setembro de 2017, Zander Navarro, pesquisador de renome, foi demitido por criticar publicamente as politicas de P&DI (Pesquisa e Desenvolvimento e Inovação) da Embrapa. Ele recorreu, foi reintegrado em 9 de janeiro e demitido novamente. Voltou a recorrer e, por decisão do juiz da 17ª Vara do Trabalho de Brasília, no dia 19/2, Marcelo Alberto dos Reis, acaba de voltar para o órgão. Quem comanda a Embrapa é Mauricio Lopes, do PMDB, ligado ao agronegócio.
(Em anexo, os documentos mostram as acusações da empresa e a defesa de Vicente Almeida.

Defesa VICENTE EDUARDO SOARES DE ALMEIDA memo 44 2017)

Mestre em impacto ambiental, ligado à agricultura familiar e agroecologia, Vicente entrou na empresa em 2005 por concurso público, no setor de Hortalícias, em Brasília. Autor de vários trabalhos publicados em revistas científicas, no dia 14 de  setembro de 2017, participou de uma mesa-redonda sobre o uso de agrotóxicos no país e seus impactos na saúde do consumidor e no meio ambiente, a convite do Ministério Público Federal (MPF/DF). Conduzido pelas procuradoras da República Carolina Martins e Eliana Pires Rocha, o evento teve com o objetivo colher informações em decorrência das denúncias frequentes relatando um alto grau de toxicidade em substâncias que compõem os herbicidas aplicados na produção agrícola nacional. Durante a reunião, as procuradoras relataram que há apurações de denúncias judiciais e extrajudiciais em andamento para investigar a utilização dos produtos que possuem efeitos potencialmente nocivos à saúde humana e ao meio ambiente.

Cena do documentário “A vida não é experimento”, produzido em 2013, quando Vicente Almeida ainda estava à frente do Sinfap. Iracino retornou ao trabalho no término da licença

Um dos questionamentos feitos pelas procuradoras aos especialistas foi se, após a introdução de sementes transgênicas tolerantes a herbicidas, houve crescimento ou diminuição na utilização das substâncias nas lavouras brasileiras, conforme relato publicado na página oficial do Ministério Público Federal/DF. A resposta do pesquisador Vicente Almeida, representando a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), foi de que, em relação à soja, por exemplo, houve um aumento global de 311%. “O consumo de agrotóxicos no Brasil cresceu 162%, sendo 124% o aumento do consumo individual. Há um descompasso entre a população brasileira, a produtividade e o aumento do uso de agrotóxico”, enfatizou o pesquisador, que participou da reunião junto com especialistas representantes de diversos órgãos do país, como Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Advocacia Geral da União (AGU), Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) e Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), sempre segundo o site do MPF/DF.

O uso de herbicidas aumentou em mais de 300% no Brasil, sem nenhum efeito comprovado no aumento da produtividade, informou o pesquisador ao MPF. Foto ilustrativa

À frente do Sinpaf de 2010 a 2013, Vicente coordenou a elaboração de um vídeo marcante, intitulado “A vida não é um experimento”, reunindo testemunhos de diversos empregados relatando casos de maus tratos, humilhações e condições degradantes de trabalho impostas por supervisores da Embrapa Hortaliças, além de adoecimento por uso de substâncias tóxicas sem a devida proteção, conforme o documentário mostra com largas provas. Desde aí, ele e outros especialistas vêm denunciando a política permissiva e descriteriosa do uso de agrotóxicos.

Como consequência dessa luta, no dia 2 de fevereiro, a Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) confirmou  o Acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT10) e manteve a condenação da Embrapa em R$ 100 mil por permitir a prática de assédio moral em seu meio ambiente de trabalho. O caso, investigado pelo Ministério Público do Trabalho no Distrito Federal (MPT-DF), apresentou provas da prática cometida pela supervisora de Setor de Patrimônio e Material da Embrapa Hortaliças.

Denúncias de assédio moral e adoecimento de trabalhadores por uso indevido de agrotóxicos resultou na condenação da empresa. Foto ilustrativa (Agência/Embrapa)

Após o Acórdão do TST, a Embrapa opôs sete recursos e embargos de declaração contra a decisão, todos negados. O processo iniciou em 2009, quando Vicente ingressou na Direção Nacional do Sinpaf e passou a respaldar denúncias de assédio moral de nove trabalhadores contra a supervisora da Embrapa Hortaliças. Em seus depoimentos, todos confirmaram o tratamento agressivo. Alguns chegaram a pedir remoção do setor, por considerar “insuportável” a convivência.  Os relatos constantes nos depoimentos demonstram “não só as práticas assediadoras, mas a inércia da Embrapa diante dos fatos, preferindo a empresa a opção de afastar os assediados a tomar uma providência”, conforme palavras da própria procuradora autora da ação, Mônica de Macedo Guedes Lemos Ferreira, reproduzidas pela página oficial do Ministério Público do Trabalho.

Ao votar pela manutenção da condenação por dano moral, o relator do processo no TST,  ministro João Oreste Dalazen, destacou que “extrapolam a razoabilidade as atitudes inadequadas e perseguições perpetradas pela supervisora da empresa aos empregados do setor”, sempre de acordo com o relato do MPT. Uma comissão de sindicância interna, criada para analisar o fato, confirmou a utilização de palavras agressivas, a ridicularização e a inferiorização de forma acintosa, com ofensas como “burro e “lerdo”.

Diretoria Nacional do SINPAF repudia mais uma demissão arbitrária da Embrapa

Em nota em sua página oficial, a Diretoria Nacional do SINPAF declarou que a demissão desmedida de qualquer trabalhador deve ser combatida veementemente. “Jamais pode ocorrer sem que haja garantia ao direito de ampla defesa do trabalhador”.  Em mensagem por e-mail, Vicente afirma  “Como se depreende no memorando da empresa, a denúncia que fundamenta a decisão parte de agentes subordinados ao presidente da Embrapa, denunciado por mim como cúmplice, por omissão, da prática de caixa dois na empresa, identificado em processo de sindicância interna e investigado pelo MPF, PF, TCU e Corregedoria Geral da União”.

“A vida não é experimento”

Documentário produzido pelo Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (SINPAF) na gestão do presidente Vicente Almeida.
Denuncia violações de direitos trabalhistas, submissão de empregados a doenças pelo mau uso de agrotóxico e assédio moral praticados por empresas públicas brasileiras, sobretudo pela Embrapa.

Nota de desagravo ao pesquisador e militante sindical da EMBRAPA Vicente Almeida

1. Vicente Almeida é Engenheiro Agrônomo e Mestre em Impactos ambientais, Pesquisador concursado da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA na área de Impactos Ambientais e exercendo suas funções na empresa desde de o ano 2005;
2. Tem se destacado em sua atuação como pesquisador, desenvolvendo e coordenando pesquisas sobre políticas públicas para Transição Agroecológica, Saúde Ambiental no campo e impacto socioambiental dos agrotóxicos na agricultura, compondo ainda diversos grupos multidisciplinares de pesquisa no país sobre o tema;
3. Destacou-se ainda na empresa por ser um combativo dirigente sindical, denunciando abusos e defendendo de maneira incisiva o direto dos trabalhadores da Embrapa e empresa de desenvolvimento, chegando a promover um documentário chamado ”A vida não é experimento”, onde denuncia as práticas de assédio moral, assédio científico, trabalho degradante e perseguição a dirigentes sindicais na Embrapa sendo, já nesse momento, ameaçado formalmente e criminalizado pela direção da Embrapa em caso de divulgação do mesmo.
4. Nos últimos dois anos, após denunciar a morte de um trabalhador na Embrapa, que levou a empresa a ser condenada em 999 mil reais e ainda, após denunciar irregularidades ambientais (derramamento irregular de agrotóxicos), financeiras e patrimoniais de seus superiores, tem sido alvo de intenso processo de assédio e perseguição;
5. Seus superiores, investigados pelas irregularidades cometidas, alguns até condenados pela justiça do trabalho por assédio moral transitado em julgado, decidiram demitir o pesquisador e importante liderança sindical, em forma de retaliação;
6. Assim, no dia 28/02 foi comunicado de sua demissão onde as acusações são feitas pelos superiores denunciados por ele envolvidos em irregularidades e práticas de assédio moral, sem o uso do adequado Processo Administrativo Disciplinar – PAD, e a garantia da ampla defesa e o direito ao contraditório;
7. Os gestores denunciados acusam Vicente Almeida de descumprimento de dispositivos do “Código de Conduta e Código de Ética da Embrapa”. Tal violação estaria impondo desgaste a imagem da empresa por denunciar as autoridades competentes, desvios e irregularidades trabalhistas, ambientais, financeiras e administrativas, muitas delas com farto material probatório como fotos, vídeos, gravações e processos judiciais já transitado em julgado, como a recente decisão do TST sobre assédio moral na empresa;
8. Na denuncia dos gestores da empresa, são consideradas ainda como “mal comportamento” do pesquisador, previsto no Código de Conduta da Embrapa, o mero uso da lei de acesso a informação 12.527/2013; a requisição de realização de audiência púbica sobre a situação dos trabalhadores da empresa e o assédio moral existente, junto aos gabinetes de Deputados Federais e Distritais; e ainda as petições formalizadas por Vicente Almeida nas Comissões de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do DF e da Câmara Federal, dentre outros.
9. Alega ainda os gestores denunciados que a “produtividade” do pesquisador estaria aquém de suas expectativas, mas a verdade é que o mesmo tem denunciado formalmente o cerceamento no desenvolvimento de suas atividades de pesquisa em parceria com várias instituições tais, como: Fundação Osvaldo Cruz, Instituto Nacional do Câncer, Universidade de Brasília, dentre outras, tendo inclusive feito diversas publicações em sua área em 2017, destacando-se importante artigo científico, desvelando a associação entre o aumento no consumo de agrotóxicos e os transgênicos no Brasil e participando de reuniões técnicas de assessoramento científico de órgãos como o Ministério Público Federal;
10. Dessa forma, pelo histórico autoritário da gestão da empresa, fartamente denunciado nos jornais, e pelos elementos constantes nesse caso, estamos diante de mais um grave caso de arbítrio promovido por setores interessados em cercear o conhecimento científico em desfavor da sociedade e limitar o exercício da cidadania, da liberdade sindical e da defesa dos direitos dos trabalhadores;
11. Nesse sentido, repudiamos a demissão arbitrária do pesquisador e liderança sindical, e  exigimos sua imediata reintegração aos quadros da empresa, com ampla liberdade de atuação científica e sindical em favor de uma Embrapa transparente, pública e verdadeiramente democrática voltada ao atendimento do povo Brasileiro. Readmissão já!
 (Nota emitida por profissionais da Embrapa)]
De: Vicente Almeida <vicentalmeida@gmail.com>
Data: 1 de março de 2018
Assunto: Comunicado de demissão arbitrária por “justa causa”
Para: SINPAF Diretoria Nacional <sinpaf@sinpaf.org.br>,
Mirane Costa <miranecosta@hotmail.com>,

Prezado Sr.,
Cumpri-me o dever de comunicá-lo sobre a demissão por justa causa de forma arbitrária contra mim promovida por gestores investigados por irregularidades administrativas na Embrapa, envolvendo membros da diretoria local e nacional da empresa.
Como é de conhecimento de vossa senhoria, denuncias de assédio moral e perseguição, de forte viés autoritário, tem sido recorrentes devido a prática de maus gestores.
Tal prática condenável, tem afetado sobremaneira o labor e a saúde de vários trabalhadores que merecem o atendimento pronto e eficaz de seu sindicato, a fim de sustar e inibir tais ações e garantir o mínimo de dignidade para seus filiados e filiadas.
Como se depreende no memorando em anexo, a denuncia que fundamenta a decisão parte de agentes subordinados ao presidente da Embrapa, denunciado por mim como cúmplice, por omissão, da prática de caixa dois na empresa, identificado em processo de sindicância interna e investigado pelo MPF, PF, TCU e Corregedoria Geral da União.
A Chefe administrativa e o Chefe Geral, que atuam diretamente contra mim nessa demissão, afrontam a lei 9784, por estarem impedidos de atuar no mesmo, bem como o chefe de pesquisa, denunciado por mim da comissão de ética da empresa há mais de 7 meses.
Acusam-me de forma descabida de procurar meus direitos na justiça trabalhista; de requerer informações pela lei de acesso a informações; de buscar a realização de audiência pública para discutir o assédio moral na unidade; de denunciar os abusos e irregularidades perante autoridades legalmente constituídas, etc.
Após mais de dois anos de cerceamento e impedimento do registro de minhas atividades de pesquisa nos sistemas internos de avaliação, buscam ainda artificialmente alegar falta de produtividade, quando na verdade tenho produzido diversos trabalhos e artigos científicos sobre o tema de minha responsabilidade editalícia, reconhecidos nacionalmente e internacionalmente.
Medidas protetivas requeridas pela lei 13.303 foram solicitadas junto ao conselho de administração da empresa a mais de oito meses, mas até o momento ignoradas, conforme me comunica o nosso representante no conselho, ao qual também copio.
Desta feita, amparado no Art. 5, I do Estatuto do SINPAF, bem como o Art. 7, Parágrafo II, cominado com Art. 8, III do referido termo, solicito providências no sentido de denunciar no site e rede de emails do sindicato tal arbitrariedade, bem como a minha readmissão, pelo completo descumprimento descabimentos dos termos e procedimento adotados na tentativa de embasar tal decisão.
Cordialmente,
Vicente Almeida
Pesquisador  e Ex- Presidente Nacional do SINPAF
Fonte – Raquel Loth, Jornalistas Livres de 05 de março de 2018

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