skip to Main Content

Excesso de fungos em lixo reciclável coloca em risco saúde de catadores

Trabalho coletaAo fazer o descarte, é recomendável limpar as embalagens e deixá-las sem restos de alimentos, pois isso leva à proliferação de fungos – Foto: Reprodução

Para tirar sua renda do lixo, catadores de recicláveis precisam revirar sacos contendo plásticos, papelões, latas de alumínio e vidros e separar esses materiais por tipo, para depois vender a empresas especializadas. Durante esta manipulação, porém, eles podem acabar expostos a substâncias e organismos prejudiciais à saúde humana. Entre as ameaças estão altas concentrações de fungos que causam doenças respiratórias e de pele.

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determina como limite para a presença de fungos em ambiente fechado a medida de 750 Unidades Formadoras de Colônia por Metros Cúbicos (UFC/m3). Ao analisar o ar circulante em cinco ambientes de três cooperativas de reciclagem da cidade de São Paulo, a farmacêutica Gisele Ferreira de Souza chegou a encontrar 751 UFC/m3 em uma das esteiras (local onde os materiais passam durante a triagem de materiais).

Parece pouco, mas a pesquisadora adverte: é preciso rever os índices da legislação nacional. “As legislações internacionais são atualizadas regularmente e apresentam limites bem inferiores aos da Anvisa. A Organização Mundial de Saúde determina 500 UFC/m3. E a American Conference of Governmental Industrial Hygienists determina 250 UFC/m³. Ou seja, a quantidade de fungos encontrada na esteira de uma das cooperativas de São Paulo foi três vezes maior que o permitido”, alerta Gisele. Das 15 amostras analisadas, 14 apresentaram resultados superiores a 250 UFC/m3.

ColetaCatadores recebem da Prefeitura de São Paulo equipamentos de proteção individual (EPIs) como máscara, bota e luva, mas nem todos se adaptam ao uso – Foto: Reprodução

Os dados foram obtidos durante a tese de doutorado Avaliação ambiental nas cooperativas de materiais recicláveis, defendida por Gisele em 2015 na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), sob a orientação do professor Nelson da Cruz Gouveia.

A quantidade de fungos encontrada na esteira de uma das cooperativas de São Paulo foi três vezes maior que o permitido em legislações internacionais.

Monitoramento do ar

Foram visitadas 11 cooperativas e em três delas foi realizado o monitoramento do ar: a Cooperação, na Vila Leopoldina, a Cooper Viva Bem, na Água Branca, e a Coopere, no Centro. A pesquisadora utilizou um aparelho chamado amostrador, que suga o ar do ambiente, e que foi colocado em cinco pontos nas três cooperativas, sempre na altura dos narizes dos catadores (cerca de 1,5 metros do solo): cozinha, escritório, prensa, esteira e sala de resíduos eletroeletrônicos.

As coletas foram realizadas de agosto de 2013 a julho de 2014. Após exposição por 10 minutos, durante cinco dias, as amostras foram fechadas e enviadas ao Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP para análise. O procedimento foi executado por profissionais, em parceria com a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), o Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), a Fundação Jorge Duprat e Figueiredo (Fundacentro) e o Instituto Adolfo Lutz.

Foi constatada a presença dos fungos Aspergillus spp., Fusarium spp., Penicillium spp., Cladosporium ssp., Nigrospora ssp., Rhizopus ssp., Mucor spp., e fungos não esporulados. Os três primeiros são toxigênicos (ao decompor um alimento, eles podem liberar micotoxinas, substâncias químicas tóxicas para o ser humano). O mais tóxico é o Aspergillus spp. e foi exatamente este o fungo mais encontrado nas amostras: ele causa arpergilose, doença que gera problemas respiratórios e na pele. Já o Mucor spp. não é toxigênico.

Gisele explica que as cooperativas são associadas à Prefeitura de São Paulo e todas recebem equipamentos de proteção individual (EPIs) como máscara, bota e luva. Mas os catadores não se adaptam e poucos utilizam. “Eles falam que a luva e a máscara são quentes, que a luva faz perder a sensibilidade do tato, o que os leva a produzir menos e, com isso, ganhar menos. Mas a bota ainda conseguem utilizar”, informa.

A pesquisadora também analisou a presença de metais na poeira depositada no solo de alguns pontos das cooperativas mas os resultados indicaram baixíssima presença desses metais. Todas essas cooperativas participaram do curso Eco-Eletro, desenvolvido pelo Laboratório de Sustentabilidade (Lassu) da Escola Politécnica (Poli) da USP em parceria com o Instituto GEA Ética e Meio Ambiente, e que ensina a desmontagem segura e rentável de eletroeletrônicos. “Acredito que esses resultados são decorrentes do curso Eco-eletro. Os catadores não quebram e nem aquecem os eletroeletrônicos, somente desmontam os equipamentos.”

Gisele também aplicou questionários em que os catadores responderam sobre dados gerais, hábitos alimentares, condição de saúde (presença de prurido ou alergias), etc. “Constatamos muita dermatite de contato e problemas respiratórios, como tosse e coriza”, conta. O estudo identificou uma população na faixa etária dos 40 anos, com escolaridade de nível básico e maior participação de mulheres. As doenças mais referidas foram as relacionadas ao sistema respiratório e doenças crônicas não transmissíveis.

Para a pesquisadora, é preciso melhorar a iluminação e a ventilação das cooperativas e estimular o uso de EPIs. Medicamentos nunca devem ser descartados para reciclagem e sim em pontos de coleta como descarte consciente. As embalagens devem ser limpas, sem restos de alimentos, pois isso leva à proliferação de fungos. “Vale lembrar que os ambientes das cooperativas são muito quentes e úmidos, condições essenciais para o crescimento de muitos fungos que são normalmente encontrados em alimentos”, enfatiza.

Micotoxinas

Gisele recomenda que a população se evite o descarte de alimentos junto com os recicláveis, pois podem estar contaminados com micotoxinas derivadas de fungos. Em um outro estudo, realizado durante o mestrado defendido na Universidade Estadual de Maringá, a farmacêutica analisou o plantio, a colheita e o armazenamento de duas safras de amendoim, constatando que muitas amostras estavam contaminadas por fungos já no armazenamento.

Atualmente, a pesquisadora busca financiamento coletivo (crowfunding) para desenvolver o protótipo de um aparelho capaz de eliminar as micotoxinas.

Fontes – Valéria Dias, TV USP, IHU de 06 de janeiro de 2017

Este Post tem 0 Comentários

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Back To Top