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Faxinalenses do Paraná

Faxinalenses do Paraná

Enquanto aumentam os impactos sobre seu modo de vida centenário, os faxinalenses crescem como força identitária. Suas áreas estão entre as mais preservadas do estado

Onde há faxinal, há mata. Quase todos os pontos verdes no mapa do Paraná, exceto a área da Serra do Mar e das grandes unidades de conservação, guardam em si pequenos territórios nascidos da relação do homem com a floresta. Essas comunidades existem há pelo menos 200 anos, e por quase todo esse tempo permaneceram em um estado de delicado equilíbrio entre o uso e a preservação do que a natureza dispõe: a atividade econômica e a vida em comunidade.

A única cerca existente é a que circunda os faxinais, servindo de divisa entre as roças de alimentos, situadas do lado de fora e o faxinal em si: área que pode variar de 200 a 1,5 mil hectares onde ficam as casas, a mata e os pastos de criação. Cada um é dono de seus bois, cavalos, porcos e ovelhas, mas a terra é de uso comum, e todos os animais vivem à solta. Também a floresta é comunitária: dela os moradores extraem pinhão, erva-mate e plantas medicinais.

Nos anos 1970, com a expansão de grandes lavouras, os faxinalenses viram o início da desestruturação do seu modo de vida. Em 1997, o governo estadual do Paraná criou uma categoria específica de proteção dos seus territórios: as Áreas Especiais de Uso Regulamentado (Aresur), que não apenas delimitam os faxinais como possibilitam recompensar as comunidades com o ICMS Ecológico.

Existem hoje 28 dessas áreas no estado. Parece bom, mas ali é criado outro problema. “As Aresur foram criadas de cima para baixo, sem que nos consultassem”, diz Hamilton José da Silva, liderança no Faxinal dos Ribeiros, em Pinhão. “Na hora de delimitar os faxinais, houve muita perda de território.” Não bastasse isso, nem sempre as comunidades recebem a cota que lhes cabe do ICMS Ecológico. Ou porque as prefeituras repassam menos do que deveriam, ou simplesmente porque destinam a verba a outro uso.

Por quase uma década os faxinalenses estiveram à mercê das regras desse jogo, até o momento em que, pela primeira vez, se reuniram para discutir seus interesses comuns. Foi em 2005, com um encontro no município de Irati, que reuniu mais de 200 faxinalenses, que eles se reconheceram como comunidade, compartilhando do mesmo modo de vida, da mesma cultura e dos mesmos objetivos. Disso nasceu a Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses, hoje o principal meio de pressão sobre o poder público desas comunidades. Já no ano seguinte ao desse encontro, conseguiram do governo do Paraná o reconhecimento oficial como comunidade tradicional.

Foto: Marcio Isensee Sá

Foto: Marcio Isensee Sá

Foto: Marcio Isensee Sá
Foto: Marcio Isensee Sá
Foto: Marcio Isensee Sá
Foto: Marcio Isensee Sá
Foto: Marcio Isensee Sá
Foto: Marcio Isensee Sá

Ameaças e organização

Enquanto aumentaram os impactos sobre seu modo de vida centenário, os faxinalenses cresceram como força identitária. No centro do Paraná, as monoculturas de milho e soja estão mais perto do que nunca, contribuindo para o desmatamento das florestas nativas, entre elas as de araucárias, e para a contaminação da água com agrotóxicos, quando não para o esgotamento das fontes hídricas.

“Temos relatos de riachos que secaram”, conta Amantino Beija, um dos coordenadores da Articulação Puxirão. Amantino vive no faxinal Meleiro, em Mandirituba. Nos arredores de Curitiba, a água dos faxinais também está sendo sugada, mas pelo cultivo de pínus eeucalipto – um problema a mais para os faxinalenses da região.

Perto da capital, outro desafio é trabalhar com os jovens. As escolas do campo, nas quais as crianças faxinalenses poderiam desfrutar de um conteúdo e uma prática curriculares voltados à comunidade, ainda são um sonho. “Os professores vêm todos de fora e dizem que os alunos precisam estudar e abandonar nosso modo de vida para ser alguém na vida”, diz Amantino. A comunidade acaba sofrendo com a venda de terras, por parte das gerações mais novas, para a criação de chácaras de veraneio. “As pessoas da cidade compram área de faxinal e não procuram saber como é a vivência da comunidade, inclusive cercando suas terras”, relata Amantino, ressaltando que, com isso, moradores mais antigos ficam sem pasto para os animais, tendo que recorrer à ração.

A implantação dos mecanismos já existentes, ainda que não sejam ideais, é um dos marcos da luta. “A Aresur oferece muitas vantagens, mas precisa ser bem discutida com a gente”, diz Hamilton. No último levantamento feito por organizações parceiras da Articulação Puxirão, foi registrada a existência de 227 faxinais no Paraná, mas apenas 30 fazem parte da articulação, dada a falta de recursos para conectar comunidades tão distantes geograficamente. Para as comunidades faxinalenses, Puxirão significa mutirão, o que traduz bem não só o modo como cuidam de suas criações, mas como percebem o território.

Foto: Marcio Isensee SáVista da região do Faxinal Meleiros no distrito de Areia Branca do Assis, Mandirituba.
Foto: Marcio Isensee SáAdonias Bernardino Sena, de 70 anos, nasceu na Bahia e vive nos faxinais há 40 anos.
Comunidades faxinalenses
  • Onde estão: os faxinais estão espalhados por todo o estado, mas aqui tratamos dos que estão próximos de Curitiba
  • Atividades: pastoreio em áreas coletivas e criação de pequenos animais.Roçado, extração de pinhão, erva-mate e medicamentos na mata
  • Por que lutam: pela correta implantação das reservas legais de uso sustentável nas quais estão inseridos
  • Ameaças: expansão das monoculturas de soja, milho, pínus e eucalipto. Perda de terras e redução dos territórios. Contaminação das águas, desmatamento de agroflorestas
  • Como se organizam: Articulação Puxirão de Povos Faxinalenses, participação nos conselhos estadual e nacional de povos e comunidades tradicionais
Fonte – Xavier Bartaburu, Fotos de Marcio Isensee Sá, Reporter Brasil de 27 de janeiro de 2018

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