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Jacarta está afundando tão depressa que pode acabar debaixo d’água

Mesquita inundada com o aumento do nível do Mar de Java em JacartaMesquita inundada com o aumento do nível do Mar de Java em Jacarta. Josh Haner/The New York Times

Rasdiono se recorda de quando o mar ficava a uma boa distância de sua porta, descendo um morro. Naquela época, ele abriu um barracão apertado ao lado da baía, pintado de forma alegre, que batizou de Blessed Bodega (bodega abençoada), onde ele e sua família vendiam cabeças de bagre, ovos temperados e frango frito.

Era estranho, disse Rasdiono. Ano a ano, a água chegava mais perto. O morro posteriormente desapareceu. Agora o mar chega a apenas passos de sua loja, contido apenas por um muro que vaza.

Com a mudança climática, o Mar de Java está subindo e o clima aqui está se tornando mais extremo. Neste mês, outra tempestade anormal transformou brevemente as ruas de Jacarta em rios e virtualmente paralisou esta vasta área de quase 30 milhões de habitantes.

Um pesquisador local do clima, Irvan Pulungan, conselheiro do governo da cidade, teme que as temperaturas possam subir vários graus, assim como o nível do mar em até um metro na região, ao longo do século.

Isso, por si só, representa um desastre potencial para esta metrópole populosa.

Mas o aquecimento global não pode ser considerado o único culpado pelas inundações históricas que atingiram a bodega de Rasdiono e grande parte do restante de Jacarta em 2017. O problema, na verdade, é que a própria cidade está afundando.

Prédio de uma antiga fábrica inundado no norte de Jacarta. Josh Haner/The New York Times

De fato, Jacarta está afundando mais rapidamente do que qualquer outra grande cidade no planeta, mais rápido até mesmo que a elevação do mar causada pela mudança climática, tão surrealmente rápido que os rios às vezes fluem na direção contrária, chuvas comuns às vezes inundam bairros e prédios lentamente desaparecem no subsolo, engolidos pela terra.

A principal causa: os moradores de Jacarta estão cavando poços ilegais, gota a gota drenando os aquíferos subterrâneos sobre os quais a cidade se situa, como se esvaziasse uma almofada sob ela. Cerca de 40% de Jacarta atualmente se encontra abaixo do nível do mar.

Os distritos costeiros afundaram até 4,2 metros nos últimos anos.

Favela em área inundada em Jacarta, em um dos rios mais poluídos do mundo. Josh Haner/The New York Times

A mudança climática age aqui como em toda parte, exacerbando uma série de outros males. E no caso de Jacarta, um tsunami de problemas causados pelo homem (desenvolvimento descontrolado, uma ausência quase total de planejamento, quase nenhuma rede de esgoto e uma rede apenas limitada de água potável encanada confiável) provoca uma ameaça iminente à sobrevivência da cidade.

O espalhamento, os prédios afundando, o ar poluído e alguns dos piores congestionamentos de trânsito do mundo são sintomas de outros problemas profundamente enraizados. A não confiança no governo é nacional. Os conflitos entre extremistas islâmicos e indonésios laicos, muçulmanos e de etnia chinesa impedem o progresso e complicam tudo o que acontece aqui, ou não acontece, para impedir a cidade de afundar.

“Ninguém aqui acredita em um bem maior, porque há corrupção demais, excesso de pose de servir o público, quando na verdade o que é feito serve apenas a interesses privados”, como colocou Sidney Jones, diretor do Instituto para Análise de Políticas de Conflito local. “Não há confiança.”

Hidrologistas dizem que a cidade tem apenas uma década para impedir seu afundamento. Caso contrário, o norte de Jacarta, com seus milhões de moradores, acabará debaixo d’água, juntamente com grande parte da economia da nação. Posteriormente, fora uma mudança completa e uma revolução em infraestrutura, Jacarta não conseguirá construir muros altos o bastante para conter rios, canais e a elevação do Mar de Java.

E, é claro, mesmo se conseguir curar seus ferimentos autoinfligidos, ela ainda terá que lidar com todas as crescentes ameaças da mudança climática.

Certa tarde eu me encontrei com um homem chamado Topaz, nas ruínas de um bairro à beira-mar chamado Akuarium, de onde todos os moradores foram retirados. Topaz se descreveu como um morador de terceira geração do que antes era um bairro próspero.

Isso foi antes dos tratores chegarem. Akuarium foi reduzido a pilhas de entulho e concreto quebrado.

Asmawati e seu filho, Topaz, nas ruínas do bairro Akuarium. Josh Haner/The New York Times

“O governo disse que o despejo visava limpar o rio, mas acredito que foi para fins políticos e de desenvolvimento”, disse Topaz, refletindo a crença predominante entre os moradores.

O ex-governador de Jacarta, Basuki Tjahaja Purnama, conhecido como Ahok, ordenou o despejo. Mas muitas pessoas forçadas a sair, como Topaz, resistiram, convencidas de que o despejo visava na verdade enriquecer empreendedores imobiliários, não melhorar a drenagem.

O governador perdeu sua disputa pela reeleição e os radicais islâmicos, explorando a fúria da população, impetraram queixas de blasfêmia contra ele. Ele está cumprindo uma pena de dois anos de prisão.

O novo governador de Jacarta, Anies Baswedan, cuja campanha conquistou o apoio dos moradores enfurecidos de Akuarium, anunciou em novembro como um de seus primeiros atos que planeja reconstruir algumas das casas do bairro.

JanJaap Brinkman, um hidrologista que por décadas estuda Jacarta para o instituto holandês de pesquisa de águas Deltares, solidariza com os moradores de comunidades como Akuarium. O despejo não é uma cura para tudo, nem mesmo é possível, ele disse, considerando quantos inúmeros milhares de moradores da cidade atualmente vivem sobre rios e canais em construções informais.

Ao mesmo tempo, Brinkman destacou, é necessário que as pessoas sejam relocadas, mas despejos mal feitos arruínam a pouca reserva de boa vontade e perdem tempo precioso.

“Precisamos de grandes passos agora”, ele disse. “Se todas as discussões ficarem amarradas com pescadores e desenvolvimento, posteriormente ocorrerá uma enorme calamidade e mortes, e não restará nenhuma opção a não ser abandonar partes inteiras de Jacarta.”

Há conversas ocasionais aqui a respeito do governo indonésio mudar sua capital para outro lugar, para encolher a cidade. Os políticos emitem decretos proibindo a abertura de poços e implorando aos moradores para armazenarem água de chuva. Mas a fiscalização é insignificante.

A medida mais ambiciosa da cidade é a construção do chamado Muro Costeiro, atualmente se erguendo como uma falésia preta na Baía de Jacarta. É uma barreira semitemporária para conter a elevação do mar e compensar a subsidência (construída com altura extremamente alta porque, assim como o restante do norte de Jacarta, a expectativa é de que também afunde). Com a taxa atual de subsidência, acredita-se que o próprio Muro Costeiro esteja debaixo d’água em 2030.

O Muro Costeiro faz parte de um projeto maior que as autoridades indonésias iniciaram três anos atrás em colaboração com o governo holandês. Chamado de programa de Desenvolvimento Costeiro Integrado da Capital Nacional, ele prevê complementar o Muro Costeiro com uma segunda barreira, o Quebra-Mar Gigante, ou um dique imenso, quilômetros mar adentro, na prática fechando totalmente a Baía de Jacarta.

O dique não apenas bloquearia a elevação das águas. Segundo o plano original, ele também se tornaria a espinha de um imenso novo megadistrito e rodoanel, um projeto de US$ 40 bilhões (um presente dos céus para magnatas de construção e imóveis e consultores holandeses), projetado na forma de Garuda, a ave mitológica nacional.  O Grande Garuda, como passou a ser chamado, era a Grande Ideia de Jacarta. Ou era até recentemente.

Homens trabalham em um muro que desabou em casas inundadas em uma favela. Josh Haner/The New York Times

O governo agora voltou atrás na ideia do megadistrito, apesar de ainda prever o dique, uma noção que provoca um ceticismo compreensível. Como apontaram ambientalistas, se a cidade não limpar primeiro seus rios e canais, o dique transformará a Baía de Jacarta fechada na maior fossa do mundo.

Do ponto de vista de Brinkman, apenas “combater a subsidência contribuiria em 90% com o que a cidade precisa para lidar com a mudança climática”.

Tóquio enfrentou uma situação semelhante depois da Segunda Guerra Mundial, como ele gosta de apontar. Ela afundou cerca de 3,5 metros desde 1900. Mas a cidade aplicou recursos em nova infraestrutura e estabeleceu códigos de construção e desenvolvimento mais rígidos, e em uma década ou duas conseguiu ficar em uma situação melhor para lidar com os efeitos da mudança climática.

“Jacarta poderia se tornar uma versão do século 21 da Tóquio do século 20, um exemplo de redesenvolvimento urbano”, disse Pulungan.

Mas “uma cidade incapaz de fornecer serviços básicos é uma cidade fracassada”, ele acrescentou. “Além das questões convencionais de enchentes e urbanização, agora temos a mudança climática, fazendo pender a balança. E no ritmo atual, as pessoas estarão lutando nas ruas por recursos cada vez mais limitados, como água limpa e espaços seguros para viver.”

Assim como Tóquio há meio século, Jacarta se encontra em um momento decisivo, ele disse: “A Natureza não vai esperar”.

Fontes – Michael Kimmelman, The New York Times / tradutor George El Khouri Andolfato, UOL de 29 de dezembro de 2017

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