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Planos municipais de resíduos sólidos esbarram em interesses econômicos e políticos

Aterro localizado no município de Minas do Leão, a 80 km de Porto Alegre. Foto: MPRS

No maravilhoso mundo das leis, desde 2014 não haveria mais um só lixão no Brasil. É o que determina a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), em vigor desde agosto de 2010. Mas no Brasil de verdade, os lixões a céu aberto ainda são o destino do lixo gerado em 1.552 (27,8%) dos 5.570 municípios brasileiros, segundo levantamento de 2016 da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe).

A lei determinou ainda que até 2012 todos os Estados e municípios apresentassem seus planos de resíduos sólidos, indicando como cada região iria gerenciar o lixo que produz. Mas segundo o Perfil dos Municípios Brasileiros 2017, divulgado nesta terça-feira (10) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pouco mais da metade dos municípios (54,8%) possuem um Plano Integrado de Resíduos Sólidos. Como punição, as administrações municipais ficam proibidas de receberem verbas federais para as áreas de saneamento e limpeza urbana. Isso sem falar nas consequências jurídicas para os gestores, que afinal estão descumprindo a lei.

O assunto foi discutido durante a 7.ª edição do evento “Cidade Bem Tratada”, que ocorreu no início de junho em Porto Alegre, na sede do Ministério Público do Rio Grande do Sul. “Eu vejo que a implementação da PNRS neste momento está praticamente parada. Hoje o maior esforço [dos prefeitos] é para adiar os prazos da política nacional de resíduos sólidos, que se altere a legislação para adiar esta questão para gestões posteriores”, afirma Rogério Menezes, Secretário do Meio Ambiente de Campinas e presidente da Associação Nacional de Órgãos Municipais de Meio Ambiente (ANAMMA).

Rogério descreve um cenário de falta de recursos, em que os prefeitos precisam apagar um incêndio por dia. Mas ele mesmo afirma que este não é o principal entrave. Muitas vezes são os interesses políticos e econômicos que se impõem, como mostra o relato que Rogério ouviu de um secretário municipal de um importante município brasileiro: “Ele foi chamado atenção pelo prefeito porque estava ampliando a coleta seletiva, e isso estava prejudicando o acordo com o aterro sanitário, diminuindo o número de toneladas que eram aterradas”.

Atualmente, 58,4% do lixo produzido no Brasil vai parar em aterros sanitários. São locais preparados para receber o lixo, que vai sendo recoberto com terra de tempos em tempos. Teoricamente, o aterro tem que implementar uma série de medidas para reduzir os impactos ambientais, como a impermeabilização do solo, a compactação do lixo e a drenagem do chorume e do biogás gerados no processo de decomposição.

Ou seja, um aterro já é bem melhor do que um lixão, este sim completamente ilegal. Mas o objetivo da Política Nacional de Resíduos Sólidos é fazer com que apenas aqueles materiais cuja reutilização é inviável (material hospitalar, por exemplo) sejam encaminhados para os aterros, o que representa 10% do lixo produzido no Brasil. O restante seria reciclado e reinserido na cadeia produtiva ou encaminhado para compostagem e geração de energia (no caso dos resíduos orgânicos). Uma lógica que incomoda empresas com raízes profundas nas estruturas administrativas, de acordo com Rogério Menezes: “Você tem acordos políticos que passam pelos grandes aterros, que são um item de despesa do poder público muito grande. Então a gente observa uma resistência na mudança. Quando você tiver um processo de coleta seletiva que atinja em um quarto de uma cidade, você vai ter perdas expressivas para aqueles que fizeram de enterrar lixo o seu negócio”.

Uma capital como Porto Alegre, por exemplo, com 1,4 milhão de habitantes, paga R$ 3 milhões por mês para enterrar o lixo produzido pela população em um aterro sanitário em Minas do Leão, a 100 km de distância. O contrato de 3 anos com a Companhia Riograndense de Valorização de Resíduos prevê um valor de R$ 67,18 por tonelada de resíduo aterrado. Quanto menos lixo, menos dinheiro a empresa recebe.

“Você tem acordos políticos que passam pelos grandes aterros, que são um item de despesa do poder público muito grande. Então a gente observa uma resistência na mudança. Quando você tiver um processo de coleta seletiva que atinja em um quarto de uma cidade, você vai ter perdas expressivas para aqueles que fizeram de enterrar lixo o seu negócio”, diz Rogério Menezes, presidente da Associação Nacional de Órgãos Municipais de Meio Ambiente (Anamma).

Faltam profissionais qualificados

Quando há vontade política, muitos gestores se deparam com outro problema: a falta de profissionais qualificados para criar e implementar os planos municipais de resíduos sólidos. Segundo o presidente da ANAMMA, mais de um terço dos municípios não têm sequer um profissional técnico na área ambiental no seu quadro de funcionários. Dependendo do tamanho da cidade, com sorte haverá um engenheiro civil que vai se desdobrar entre as diversas secretarias.

Bárbara Cavalcanti, que é Coordenadora da Câmara Temática de Resíduos Sólidos da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes), confirma que faltam profissionais qualificados para colocar em prática o PNRS: “Somos um país que é um continente, veja quantos municípios nós temos e as carências. Existe realmente uma falta de técnicos capacitados, que têm o compromisso mas não tem a capacidade técnica para fazer um projeto de um aterro sanitário, para desenvolver um plano intermunicipal de resíduos. Mas digo também que esta realidade está mudando”. Em suas andanças pelo interior do país, Bárbara percebe um pequeno movimento de profissionais que foram para as capitais estudar ecologia, engenharia ou algum curso técnico na área ambiental, e que voltam para trabalhar nas cidades de origem.

A Câmara coordenada por Bárbara tem a missão de acompanhar, auxiliar e também cobrar dos gestores a criação e implementação de planos intermunicipais de resíduos sólidos. Os planos intermunicipais são alternativas para os municípios menores, que podem se reunir em consórcios para reduzir custos. Bárbara busca ser compreensiva com as dificuldades dos prefeitos, mas diz que não há desculpa para ficar de braços cruzados: “Não aceito o município dizer que não vai implementar um plano só porque não tem dinheiro. Porque tem ações básicas que o município é obrigado a fazer e tem condições de fazer, que é implementar um processo de educação ambiental, uma nova consciência ambiental na questão de resíduos, para que cada cidadão assuma sua parcela de compromisso no resíduo que ele gera”.

O inferno dos gestores

A lei que estabeleceu a PNRS apostou em princípios louváveis – porém pouco realistas – para garantir o cumprimento de suas metas. Um deles é o da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos. Ou seja: poder público, fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes… todos devem fazer a sua parte para garantir o recolhimento, reciclagem, reintrodução e, em último caso, o descarte dos resíduos. Estas responsabilidades devem ser definidas formalmente através de acordos setoriais.

A promotora de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Porto Alegre, Annelise Monteiro Steigleder, acompanhou de perto a formulação de um destes acordos: o de logística reversa de embalagem geral, firmado em 2015. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, o acordo tem o objetivo de garantir a reintrodução no ciclo produtivo de embalagens “compostas de papel e papelão, plástico, alumínio, aço, vidro, ou ainda pela combinação destes materiais, como as embalagens cartonadas longa vida, por exemplo”.

Lixão da Estrutural, desativado esse ano. Foto: Wilson Dias/ABr.

Mas em um universo com tantos atores e tantas especificidades técnicas, a responsabilidade que deveria ser compartilhada acaba negligenciada por todos os lados: “A própria definição conceitual de responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos é uma incógnita. Nós que trabalhamos com isso diariamente temos muita dificuldade de saber do ponto de vista jurídico o que é de responsabilidade do fabricante, porque quando falamos de fabricante não é só o fabricante do produto, é o fabricante do insumo, da embalagem, é aquele que usa da embalagem para fabricar o refrigerante, e aí nós temos os distribuidores, os importadores, os comerciantes, sendo que dentro dos comerciantes alguns deles também são fabricantes. É inacreditável. Quanto mais a gente se aproxima desse assunto, mais enlouquecedor ele se torna. É um inferno para qualquer gestor público que quer tentar organizar minimamente o assunto”, desabafa a promotora diante da plateia.

Annelise Steigleder afirma que a lei tem muitos gargalos, entre eles a falta de dados sobre as embalagens produzidas no Brasil. Se não se sabe o que está sendo gerado, como controlar a destinação? A promotora também defende que as empresas sejam proibidas de introduzir no mercado embalagens que não têm viabilidade econômica para reciclagem. É o caso de alguns pacotes de salgadinhos e de bolachas recheadas, em que o custo de reciclagem é tão alto que ninguém tem interesse comercial em reaproveitar. “Os produtos chegam a estes municípios, as pessoas conseguem ter acesso a estes produtos industrializados, mas estas vias de logística não são utilizadas para devolução das embalagens. Quando não encontra mercado consumidor, não podem ser reinseridas na cadeia produtiva, se tornam custos sociais e todos nós na sociedade acabamos pagando por isso”.

Fonte – Fernanda Wenzel, O Eco de 10 de julho de 2018

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