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“Proteger o clima demanda mudança de hábitos”

Legumes empacotados em plástico em mercado em Nova York: para economista, clima é questão educacionalLegumes empacotados em plástico em mercado em Nova York: para economista, clima é questão educacional

Economista alemão afirma que não existe exemplo de país desenvolvido que coloque em prática um modo de vida realmente ecológico e defende a conjunção de política de sustentabilidade com um programa educacional.

O economista alemão Niko Paech, professor na Universidade de Siegen, não tem celular ou carro particular. Tampouco come carne ou viaja de avião. O estilo de vida é considerado por ele o único caminho possível para a preservação ambiental. Principal nome da Economia do Decrescimento na Alemanha, Paech figurou no 18° lugar do ranking de pensadores mais influentes elaborado pelo Gottlieb Duttweiler, instituto suíço de estudos econômicos e sociais.

Nesse modelo, as jornadas de trabalho seriam reduzidas à metade. Com ajuda da tecnologia, o nível de emprego seria mantido ou elevado, e as pessoas teriam tempo para plantar seus alimentos ou consertar suas roupas e sapatos, em vez de comprar outros novos.

Paech considera os debates como o da Conferência do Clima de Bonn, que se encerrou na semana passada, um “desperdício de tempo e energia”, pois não tratam do que, em sua opinião, é a real causa do problema climático: o crescimento econômico.

DW Brasil: Nas últimas duas semanas, representantes de governos e organizações civis discutiram medidas para a proteção do clima, na COP 23. O senhor acredita na eficiência desse tipo de encontro?

Niko Paech: Até hoje, não existe qualquer exemplo de país desenvolvido que coloque em prática um modo de vida realmente ecológico, que reduza sua produção e, especialmente, os transportes, de modo a servir como exemplo. Assim como um analfabeto não pode ensinar outro a ler e escrever, os que fracassam na proteção do clima não podem aprender entre si.

Por isso, essas conferências são um desperdício de tempo e energia. A proteção do clima que faria jus a essa denominação não é alcançada pelo investimento em novas tecnologias. Ela pressupõe uma inevitável mudança de hábitos. Entretanto, o estilo de vida ecológico não é pauta desses encontros.

A Alemanha é frequentemente citada como um exemplo internacional pela transição energética para fontes renováveis. O senhor não reconhece um avanço nessa política?

Trata-se de um projeto ambiental fracassado, que cobre, exclusivamente, o uso de fontes renováveis no setor elétrico. Essa política desvia da maioria dos problemas climáticos. Basta pensar nas viagens aéreas; no transporte de bens em caminhões; no processo de aquecimento usado na produção e no imenso consumo de energia na agricultura industrial.

Ela resulta em uma compensação simbólica e acalma a consciência. Enquanto a responsabilidade por um desenvolvimento sustentável for delegada a inovações tecnológicas, mantém-se um álibi para a resistência ao enfrentamento da questão de acordo com o seguinte lema: “O vento e o sol vão dar conta. Felizmente, não precisamos mais falar sobre as viagens de férias e os hábitos de consumo.”

Há, também, dois problemas sem qualquer solução ecológica e econômica: a volatilidade do vento e do sol e a falta de redes de transmissão. A transição energética está especialmente baseada em um múltiplo deslocamento de problemas, pois, para supostamente proteger o clima, joga contra a preservação da natureza. A construção dessas usinas e infraestruturas relacionadas demanda o uso de metais, como cobre e aço, mas também neodímio, plástico e concreto.

De toda forma, essas alternativas não desempenham um papel importante?

As fontes renováveis só poderiam cobrir a maior parte do nosso consumo energético se a capacidade industrial caísse pela metade, e a mobilidade global, reduzida ao mínimo. Atualmente, a proporção de energia eólica equivale a menos de 3% na demanda de energia primária alemã (eletricidade, aquecimento e transporte), apesar de imensos esforços e destruição de terras. Já a fotovoltaica representa pouco mais de 1%.

Esses valores risíveis permitem reconhecer o quanto a tecnologia é superestimada. Isso significa que precisamos enfrentar possibilidades limitadas da tecnologia pela redução do consumo e do sedentarismo, com menos deslocamentos. Além disso, uma parte da produção atual poderia ser substituída por meio de tecnologias de trabalho intensivo, especialmente os equipamentos mecânicos.

Um crítico poderia alegar que o senhor deseja retornar a um modelo de sociedade pré-industrial. Qual seria o papel do desenvolvimento tecnológico na Economia do Decrescimento?

desglobalização e a desindustrialização, urgentemente necessárias, não pressupõem que a mobilidade e os produtos modernos desapareçam, mas que lidemos de forma mais equilibrada com eles. Por exemplo: eu divido uma máquina de lavar roupas com outros quatro adultos. Se o modelo fosse expandido, a produção desse eletrodoméstico seria reduzida em 80%. Nada impede que seja bastante moderno, e é diferente de renunciar a ele.

O mesmo vale para minhas roupas e sapatos, os quais preservo e conserto de forma que durem o dobro do tempo. A produção, que pode ser moderna, cai pela metade. O desmantelamento dos sistemas industrial e de transporte como os conhecemos não significa abrir mão da tecnologia contemporânea, mas restringir nossa necessidade sobre ela de forma quantitativa.

Como o senhor espera que as pessoas se adaptem a um modo de vida tão diferente do que estão acostumadas nos países desenvolvidos?

A transformação rumo à sustentabilidade, que até o momento não se traduziu em ações efetivas, está diante de um dilema. O ideal modernista de uma sociedade próspera e “verde”, construída por grandes avanços tecnológicos, fracassou. Não me refiro somente ao insucesso da política de um crescimento verde, mas à possibilidade de as decisões políticas conduzirem esse processo.

Sem uma dissociação técnica, a política só consegue produzir efeitos de alívio ecológico, pela imposição de medidas restritivas e de redução. O problema é que elas afetam ainda mais as condições de vida da população, já que não representam hábitos ecologicamente sustentáveis.

O que fazer, então?

Caso a sociedade deseje se adaptar fora do modelo de abundância de forma proativa, antes que se veja obrigada a isso devido a uma crise, só há um caminho: a conjunção de uma política de sustentabilidade com um programa educacional. O modelo econômico atual lembra um “monstro do mar” à deriva, irrecuperável tal como o Titanic. Por isso, seria aconselhável desenvolver “barcos de resgate” autônomos, organizados sob um controle político descentralizado e em agrupamentos menores.

Vários indivíduos conectados em um “laboratório vivo” poderiam começar a praticar um estilo de vida sustentável, pelas mudanças nos hábitos que mencionei. Com credibilidade e visibilidade, eles poderiam demonstrar que é possível existir, com alta qualidade de vida, num modelo em que cada indivíduo produz menos de 2,5 toneladas de CO2 por ano, em média. Dessa forma, vários dos álibis hipócritas que impedem uma transformação seriam destruídos. Se vários indivíduos e grupos começarem a pôr isso em prática, o colapso para o qual nos encaminhamos poderia ser possivelmente evitado.

O senhor defende um novo modelo de globalização ou é totalmente contrário a ela?

Atualmente, nenhum problema ecológico se expande com dinâmica maior que a das viagens aéreas. O objetivo não deveria ser uma “nova globalização”, mas sim o mais próximo possível de “nenhuma globalização”.

No Brasil, muitas pessoas compraram seu primeiro carro, smartphone ou eletrodoméstico nos últimos 15 anos. Como dizer a eles que, agora, devem abrir mão desses bens?

Ninguém pode ter o direito de viver além de suas possibilidades ecológicas só porque outra pessoa tem ou teve essa postura. Os brasileiros também precisarão aprender a viver com 2,5 toneladas de CO2 per capita no longo prazo. Mas acalme-se: uma geladeira ou um smartphone estão incluídos nesse “orçamento ecológico”.

A justiça no século 21 é, sobretudo, uma questão ecológica e não pressupõe que os ditos pobres alcancem o patamar dos ricos. A abundância dos que mais tem é que deve ser reduzida, gradualmente, sem abrir mão do nível per capita mencionado, cujos efeitos ecológicos podem ser multiplicados por 7,3 milhões, sem prejudicar os meios de subsistência. Por tratar-se de um país tão atrativo e influente, o Brasil poderia servir como um exemplo para toda a América Latina, caso se tornasse um pioneiro de uma Economia do Decrescimento.

Fonte – João Soares, Deutsche Welle de 20 de novembro de 2017

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