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Seca e Resiliência na África Oriental – Como os camponeses e pastores enfrentam a fome

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Já não se trata de medidas preventivas a serem adotadas para evitar problemas futuros: a mudança climática já está em marcha e seus efeitos são devastadores principalmente nas regiões suscetíveis à seca. Ironicamente, são os países mais pobres os que menos poluem e os que sofrem o impacto maior. As esperanças contudo, resistem. Os agricultores da África contra-atacam e sua resiliência é crítica para a segurança de nossos alimentos.

Sem o respaldo de subsídios governamentais e de leis que protejam os direitos dos camponeses como ocorre em outros países desenvolvidos, os homens do campo na África ganham as próprias vidas resistindo às mais rígidas das condições econômicas e ambientais. Secas e carestias severas têm sido um problema contínuo que nas últimas décadas veio agravando-se na África Oriental afetando a dezenas de milhões de pessoas e seus rebanhos. Adiante fornecemos exemplos de uma crise em ato em Quênia, Tanzânia e Uganda em 2017, que pode ser a pior dos últimos 70 anos.

No Quênia, o Governador do distrito de Marsabit, Ukur Yatani, conta-nos que “a situação da seca torna-se pior e pode levar à perda de vidas se o governo protelar medidas de intervenção urgentes.” Os pastores nômades cujo sustento depende dos rebanhos foram os que mais sofreram o impacto da seca. Tumal Orto oriundo de North Horr, um sub município de Marsabit e membro da rede Indígena de Terra Madre declarou, “deparamo-nos com um desafio enorme quando vemos secar todos os poços (o mais próximo situa-se a 80 km de nossa aldeia), não há pastos para os animais, não há alimento para as pessoas e a situação piora.” No Município de Baringo, houve uma redução drástica na produção leiteira. Isaac, um pastor, disse-nos “as distâncias até os poços de água potável estão aumentando e coloca as vidas das pessoas e dos animais em perigo. O governo lançou uma iniciativa para comprar cerca de 100.000 animais procedentes das áreas mais afetadas pela seca tentando assim amparar os agricultores face aos possíveis prejuízos causados pela seca e perda de pastos.”

Nos pomares Kiti family community garden (Pomar familiar comunitário de Kiti) e Michinda school garden (Pomar escolar de Michinda) do Slow Food, a falta de chuva fez com que os pássaros destruíssem as sementes de sassafrás, bredo-branco, sorgo e painço. “Antes que o sorgo e o painço estivessem prontos para a colheita, os pássaros os comeram, deixando-nos sem as sementes para a safra do próximo ano” disse Jackson, patrocinador da horta escolar de Michinda.

Na região Oeste de Uganda, uma das Fortalezas de Slow Food a Teso Kyere finger millet varieties (Variedades de milho miúdo Teso Kyere) sofreu uma consistente perda de sementes além da destruição da colheita de bananas entre outras plantações. Além disso, as variedades híbridas comercializadas como sendo resistentes à seca não saíram-se nada bem. De fato, os cultivadores de painço da região Teso mostram que as variedades locais tiveram um rendimento melhor com relação às híbridas. Em outra região, no denominado ‘Corredor Pecuário’ do país, 5 meses sem chuvas significaram para as famílias não apenas a perda de algumas reses e sim a perda de rebanhos, obrigando os criadores a percorrerem longas distâncias em busca de pastos para os animais sobreviventes. Os integrantes da Fortaleza Slow Food Ankole Long–Horned Cattle (Bovinos da raça Ankole Long-horned) tiveram que percorrer à pé mais de 40 km para encontrar pastos aceitáveis. A situação é agravada pela queda do preço do mercado de bovinos que foi severa nessas áreas. Em Nakasongola, o preço médio por uma rês caiu de 500.000 Shilings Ugandenses para menos de 50.000.

O Centro e Norte da Tanzânia tiveram escassíssimas chuvas este ano e muitas das lavouras dessas regiões não cresceram. Mnayah Mwambapa, membro da rede de Slow Food na Tanzânia, contou-nos como os conflitos entre camponeses e pastores têm aumentado: “Devido à falta de pastos para seus rebanhos, os pastores têm invadido os campos vizinhos para alimentar seus animais.” A região do Kilimanjaro sofreu escassez de água e secas prolongadas. Em Kigoma, a escassez de chuvas e o declínio do rendimento das lavouras são evidentes.

Não obstante os longos períodos de escassez de chuvas na África Oriental, os camponeses e pastores de Quênia, Tanzânia e Uganda, têm tido sucesso no uso dos conhecimentos tradicionais para sobreviverem à seca atual. Como conseguem produzir suas safras e conservar seus rebanhos?

Adrofina Gunga, membro da rede de Slow Food em Dar es Salaam explica como ela e seu filho obtiveram colheitas de sua plantação de girassóis. “Depois de termos visto a perda da safra de milho em Kigoma, meu filho resolveu cultivar girassóis, e deu certo.”

No Quênia, a estiagem foi severa e teve início em 2016 e os agricultores passaram mais de 5 meses sem chuvas. Assim mesmo, Salome Njeri Mwangi, coordenadora do pomar familiar Karirikania Family Garden (Pomar Familiar de Karirikania) de Slow Food no Quênia e representante da Fortaleza Mau Forest Dried Nettles (Urtigas secas da Floresta Mau) nos contou que seu pomar ainda estava verde. “Mesmo que estejamos já ha alguns meses sem chuva e que meu pomar não tenha um bom aspecto, ele ainda está verde e possui algumas verduras (como uma variedade local de couve, amaranto, urtiga, cebolinhas, erva-moura, etc.) e frutas (como tomate-de-árvore, melão-pepino, morangos, etc.), tubérculos (como mandioca, batata-doce e batata) e leguminosas (como favas e feijão-frade) dos quais ainda nos nutrimos visto que os preços dispararam em decorrência do aumento da demanda e da escassez de abastecimento.” Ela conta que o segredo para derrotar a seca está em garantir a fertilidade do solo. Disse-nos que conseguiu obter uma melhor capacidade de retenção de água dos solos aplicando a cobertura de palhagem às plantas obtendo assim que a demanda de irrigação fosse menor. Ela também explicou a importância de cultivar variedades resistentes à seca que requerem menor quantidade de água. “Temos que cultivar mandioca, urtiga, inhame, feijão comum, grão-de-bico, ervilha-de-angola, sorgo, painço e verduras nativas como amaranto ou erva-moura.”

Tumal Orto do Município de Marsabit contou-nos: “Meus antepassados criaram camelos e cabras por gerações ao longo de 235. Eu ainda os crio e não importa em que situação me encontre, eu sobrevivo à seca. Durante os períodos de abundância, sempre consumo pensando no futuro. É assim que nos preparamos. O segredo da resiliência é adotar uma “capacidade de adaptação” para garantir que se terá o suficiente tanto nos períodos de abundância como nos de carestia, conseguindo evitar mortes. Antes da seca, todos os meus animais estavam em boas condições e agora ainda tenho 90% das reses que tinha. Nenhuma das reses morreu por falta de água ou de alimento e estão saudáveis por causa da capacidade de adaptação. Creio que se todos obedecêssemos mais a esse princípio os pastores estariam numa situação melhor.”

O problema, é claro, não fica limitado a esses países. Na Somália, a população enfrenta uma das piores secas de que se tem memória e com menos ajudas vindas do perenemente fraco governo. Na Somália, assim como ocorre em outros países, são os próprios agricultores que tentam encontrar as soluções para produzirem a quantidade de alimentos que a população necessita.

Citando as palavras de Carlo Petrini durante a conferência COP22 que levou ao Acordo de Paris, “Para abordar o problema do aquecimento global, é imprescindível que os governos renovem e incrementem o compromisso de limitar as emissões. Mas isto, por si só, não é suficiente. É preciso também uma mudança dos paradigmas econômicos, sociais e culturais que possam transformar radicalmente o atual sistema de produção de alimentos.” Os governos dos países mais ricos e poluidores, movem-se lentamente na implementação de leis decisivas e concretas que combatam, a partir do topo, esse problema mundial. Entretanto, a verdadeira crise e as soluções a ela devem ser enfrentadas pelas pessoas do campo que estão na linha de frente, num trabalho que parte das bases comunitárias para chegar ao topo, no sentido de organizarem a resistência a um problema do qual não foram as causas.

Referências

Estudo da FAO sobre Mudanças Climáticas (2017)

Thompson, William. (15 de julho de 2017). Visiting drought prone regions in Tanzania. (Visita às regiões sujeitas a secas na Tanzânia).

Significant Vuli crop losses to heighten food insecurity. (Perdas significativas da safra da estação Vuli aumentam a incerteza quanto aos alimentos). (janeiro de 2017)

Sage, Collin. Environment and Food (Meio ambiente e alimentos). (226) Routledge, 2012.

Ibrahim, Thoriq. Sustainable development won’t happen without climate change action (Não haverá desenvolvimento sustentável sem ação contra as mudanças climáticas). 22 de março de 2017

Fontes – Slow Food / IHU de 04 de maio de 2017

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