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Uma em cada oito espécies de pássaros está ameaçada de extinção

A ararinha azul, natural da Bahia, foi extinto na natureza e restam poucos exemplares em cativeiro – Al Wabra Wildlife Preservation / Divulgação

O dodô talvez seja o mais conhecido exemplo de pássaro que desapareceu do planeta devido à ação humana, mas o número de espécies extintas ou em vias de extinção é imenso. De acordo com o relatório “State of the World’s Birds”, divulgado pela ONG BirdLife International, indica que uma em cada oito espécies está ameaçada. São 1.469 aves em perigo, segundo a Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza, sendo 222 em situação crítica.

A estimativa é que nos últimos 500 anos 183 aves desapareceram. Desde a virada do século, três espécies desapareceram na natureza: a ararinha azul, que vivia no norte da Bahia e agora só existe em cativeiro; o corvo do Havaí, que era encontrado nas matas dos vulcões Mauna Loa e Hualālai; e o Po’ouli, que vivia na ilha de Maui, também no Havaí, e foi considerado extinto em 2004, após a morte do último casal em cativeiro.

— A gente acha que extinção é só para os dinossauros, mas está acontecendo agora, na nossa cara — alertou Pedro Develey, diretor executivo da ONG Save Brasil, braço da BirdLife International. — Para a ararinha azul ainda há esperança: existem indivíduos criados em cativeiro que poderão ser reintroduzidos na natureza.

A caça para abastecer o mercado ilegal de animais é a ameaça mais conhecida aos pássaros silvestres, mas está longe de ser a principal. Das 1.469 espécies em risco de extinção, 74%, ou 1.091, estão em perigo por causa do avanço da agricultura. A segunda maior ameaça é a exploração madeireira (50%, ou 734), seguida pela introdução de espécies invasivas (39%, ou 578) e, enfim, pela caça e captura (35%, ou 517). As mudanças climáticas são uma ameaça crescente, colocando em risco a existência de 485 espécies, 28% do total de aves ameaçadas.

Existem no mundo 10.966 espécies de pássaros conhecidas e ao menos 40% delas (3.967) têm suas populações sendo reduzidas. Das 1.469 espécies em risco, 222 são classificadas como em perigo crítico, 461 são ameaçadas e 786, vulneráveis. Existem ainda 1.017 espécies quase ameaçadas.

— Cada vez que realizamos essa avaliação, vemos mais espécies em risco de extinção. A situação está se deteriorando e a velocidade, se intensificando — disse ao “Guardian” Tris Allinson, diretor científico da BirdLife International. — As espécies em risco de extinção antes viviam no topo de montanhas ou em ilhas remotas, como o pombo cor de rosa da Ilha Maurício. Agora vemos espécies que eram disseminadas e familiares, como o papagaio do mar, sob ameaça de extinção global.

Além da destruição do habitat, o avanço da agricultura está envenenando os pássaros. O relatório destaca o caso do tico-tico de coroa branca (Zonotrichia leucophrys), que vive no Canadá, nos EUA e em alguns países europeus, em regiões agrícolas, onde se beneficia da fartura de grãos e da disponibilidade de água. Mas existem evidências de que esses pequenos pássaros estão sendo envenenados pelos inseticidas neonicotinoides usados nas plantações. Os animais contaminados perdem até um quarto da massa corporal e perdem a orientação migratória.

O estudo também chama atenção para o efeito “catastrófica” das espécies invasivas. Nos últimos cinco séculos, animais exóticos a uma determinada região foram responsáveis, ao menos em parte, pelo desaparecimento de 122 espécies de pássaros, sendo o principal fator para extinções recentes. Os animais invasores que mais ameaçam as aves são os ratos e outros roedores (que causam impacto em 250 espécies), os gatos (202) e os cães (79) domésticos.

A situação é particularmente crítica em ilhas isoladas, onde aves evoluíram ao longo de milhares de anos com número limitado de competidores e predadores. Existem 390 ilhas com populações de um ou mais pássaros ameaçados e um ou mais vertebrados invasores que os ameaçam.

As mudanças climáticas, que muitos projetam para o futuro, já estão afetando as aves. Um estudo recente com 570 espécies mostrou que 24% delas estavam sendo impactadas negativamente pelo caos climático. Os efeitos em larga escala e longo prazo são desconhecidos, mas já foi detectada a tendência de avanço de pássaros de clima quente para regiões historicamente frias, levando competição, pondo em risco as espécies nativas.

Brasil é o país com mais aves em risco

Com grandes áreas florestais, o Brasil é o terceiro país com maior biodiversidade de pássaros, com 1.811 espécies catalogadas, sendo 252 endêmicas. Por outro lado, o país concentra o maior número aves em risco, com 169 espécies, sendo 22 em perigo crítico ou já extintas na natureza. O governo brasileiro já declarou extintas três delas: o limpa-folha do nordeste (Philydor novaesi), o gritador do nordeste (Cichlocolaptes mazarbarnetti) e a corujinha caburé-de-pernambuco (Glaucidium mooreorum), mas a BirdLife ainda as classifica como em perigo crítico.

— O problema é a Mata Atlântica — explicou Pedro Develey, diretor executivo da ONG Save Brasil, braço da BirdLife International. — Cerca de 40% das aves ameaçadas no país são endêmicas da Mata Atlântica, o bioma brasileiro mais degradado. Restam apenas 11% das florestas nativas. E se a gente perde a mata, as espécies animais e vegetais vão junto.

A situação é mais urgente na Mata Atlântica do Nordeste, onde os pedaços de floresta restantes estão retalhados em pequenas “ilhas”, o que dificulta a expansão das populações e as torna vulneráveis. É lá que viviam a corujinha caburé, o limpa-folha e o gritador do nordeste. A choquinha de alagoas (Myrmotherula snowi) é outra ave do mesmo bioma extremamente ameaçada de desaparecer. Segundo Develey, existem cerca de 40 exemplares vivendo numa reserva particular em Murici, Alagoas.

O diretor da Save Brasil aponta outras duas espécies em situação crítica: o entufado baiano (Merulaxis stresemanni) e a rolinha do planalto (Columbina cyanopis), sendo a última redescoberta em 2016, após 75 anos sem ser avistada. No início do ano, a ONG, em parceria com a Rainforest Trust, adquiriu uma área de 593 hectares onde o animal foi visto para a criação de uma reserva particular.

— Encontraram uma pequena população na Cadeia do Espinhaço, em Minas Gerais, e nós conseguimos criar uma reserva nessa área. São os últimos 11 indivíduos conhecidos da espécie, mas agora eles têm maiores chances de sobreviver — disse Develey. — Nós ainda vamos perder algumas espécies, mas temos tempo para salvar grande parte da nossa biodiversidade. Nós sabemos o que temos que fazer.

A situação e o prognóstico não são positivos, mas os esforços de conservação devem ser celebrados. O documento destaca que desde a virada do século 25 espécies foram removidas da lista de perigo crítico graças a programas de proteção. A receita envolve a proteção de habitats existentes, recuperação de áreas degradadas, controle de espécies invasoras e ações direcionadas para a espécie ameaçada. Em casos extremos, programas de reprodução em cativeiro podem reintroduzir espécimes na natureza.

— Tudo é reversível porque, infelizmente, é provocado pela Humanidade — disse Allinson. — Uma coisa é trabalhar no último minuto para salvar uma espécie em particular e trazê-la de volta, mas o que precisamos é de soluções em larga escala para a intensificação e expansão agrícola em particular, a maior ameaça para as aves.

Fonte – Sérgio Matsuura, O Globo de 23 de abril de 2018

 

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