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2019, o ano que perdemos Dona Ana Domingues da FUNVERDE

Dona Ana, uma história de ação, doação e amor verdadeiro

Existem pessoas que apresentam uma personalidade irrequieta e que não se conformam com o que lhes é apresentado pela sociedade dos humanos.

Elas sabem que, talvez, não consigam mudar o mundo, mas sentem que, pelo menos, podem fazer a diferença no lugar onde vivem. Elas pertencem a esta classe especial de seres que não esperam que o governo faça tudo, ou que a humanidade evolua, ou que as pessoas mudem.

Sabem, na verdade, que se elas não fizerem, ninguém fará!

Então elas simplesmente se levantam – mesmo que estejam em uma cadeira de rodas – e começam a se doar. Simplesmente começam – e este movimento faz toda a diferença! No fundo, elas tem a esperança de que uma ação, mesmo pequena, possa inspirar as pessoas e alterar o futuro.

ato de fazer, de iniciar algo bom sem pedir nada em troca, se torna um ponto de luz que principia a brilhar, e este brilho atrai aqueles que, em seu entorno, sentem algo semelhante e que, mesmo não tendo o instinto do inovador, podem e querem colaborar com algo tão bonito nem que seja com a força de seus braços.

Ana M. Domingues – a grande ambientalista de Maringá e presidente da ONG FUNVERDE – era assim, mas, infelizmente, nos deixou órfãos este ano.

Ana era uma mulher forte e que todos respeitavam, seja pela pela força de suas realizações, pela sua liderança com ampla participação social e pela autoridade de quem se doa de corpo e alma a projetos voltados ao bem comum; era também a que muitos temiam por seu temperamento explosivo e sua língua ferina e sem travas.

 

É digno de nota que ela fazia questão de não depender do Poder Público e seus agentes ávidos por notoriedade e boquinhas e, assim, livre de rabos presos, poder lutar livremente (e bravamente) contra quaisquer desmandos, corrupção e projetos esdrúxulos que atentassem contra a natureza e/ou os cofres públicos, ao mesmo tempo que dava total apoio àqueles que apresentavam projetos preservacionistas ou se colocavam contra interesses políticos e econômicos destrutivos, fomentados por interesses escusos ou devaneios de grandeza de algum gestor ou governante.

Ana – contando sempre com o apoio irrestrito de seu esposo, companheiro de vida e melhor amigo Cláudio, além da colaboração de muitos apoiadores e voluntários – fizeram e fazem muito pela área do meio ambiente em Maringá: reflorestamento de fundos de vale, ações de conscientização como o uso consciente do plástico, participação relevante na elaboração do PGAU – o belíssimo plano de arborização de Maringá –, entre tantas outras ações de relevância.

E também, aos poucos, através da ação destes inconformados, uma metamorfose toma lugar na Cidade Canção; uma história singular está sendo construída diante dos olhos transeuntes que caminham quase inconscientes frente a mudanças que ocorrem no ritmo próprio da natureza.

É o que acontece, neste momento, no popular “Bosque das Grevíleas” de Maringá. O “deserto verde” de uma espécie só – exótica, que não fornece nem frutos nem mel – cada vez mais se transforma no maior pomar urbano aberto do Brasil. Onde cai uma grevílea, planta-se uma frutífera ou outro tipo de árvore escolhida a dedo, fazendo nascer, aos poucos, um “Bosque Sensorial”. Ali – onde a visão transpassa de um lado ao outro através das árvores perfiladas e chão limpo – vicejam agora folhas, flores e frutos com várias cores, texturas e formas e recendem essências diversas, permitindo uma experiência sensorial completa e única.

Cada vez mais, a inédita fartura de alimento e abrigo permite que a vida ressurja na forma de uma algazarra de pássaros, insetos, macaquinhos e outros animais, colocando à disposição de todo morador desta cidade que não para de crescer em cinza-concreto, um refúgio, um templo natural, um pedaço do paraíso especialmente indicado para fuga da vida corrida e imersão na natureza com uma vista singular e muita segurança.

Infelizmente, Ana nos deixou em julho deste ano, aos 55 anos. Por conta de seu passamento, o jornalista Dirceu Herrero postou, em sua página pessoal:Este Bosque é o sonho materializado de Dona Ana, Junto de seu companheiro Cláudio e dos que acreditaram e ressonaram com ela e sua ideia, doando seu entusiasmo e sua força de trabalho, sem outro interesse a não ser construir algo legal, deixar um legado para a atual e futuras gerações e fazer a diferença nem que seja um pouquinho.

Até um dia, Ana!
O mundo está menos verde. Menos original. Menos coração. Ana Domingues, a Ana da Funverde, foi defender a natureza em um lugar incerto. O certo é que, lá onde quer que seja que ela estiver, se houver alguém maltratando o ambiente, esse alguém vai se ver com a Ana.
Furiosa, ela não perdoa. Dispara argumentos, como fez centenas de vezes defendendo o seu, o meu, o nosso Planeta.
Um dia, ela foi tentar conscientizar um certo secretário sobre o certo e o errado em relação ao meio ambiente:
“Ele fez igual o Tarzan: eu, prefeitura; você, ONG. Eu sei o que faço. Tenho profissionais competentes”.
Ela diz que riu na cara do sujeito. “E ele virou oposição a nós”.
“Normalmente, sou eu quem bota fogo no celeiro”, ela diz para mostrar que o marido e parceiro das horas certas e incertas, Claudio, é um sujeito calmo. “Mas, se for necessário acender uma palha, ele acende”.
Brigar com amigos, Ana também brigava. Mas, com uma condição:
“O pau pode comer, mas a amizade não pode acabar”.
Ela falava tanto palavrão que, brincando, eu disse que se fosse pai dela, passaria sabão em sua boca. Ela riu muito. Isso aconteceu quando ela me relatou uma briga com um funcionário da justiça (poupei os palavrões):
“Só não saímos na porrada, mas a briga foi feia. Não nos falamos mais. Ele não me recebe e eu nem olho na cara dele.”.
Conversávamos com frequência. À distância, fui um colaborador para assuntos aleatórios da Funverde. A ONG recebia apoio financeiro de uma única empresa.
“Com o dinheiro, compramos árvores, plantamos e fazemos todo o resto. Claro que sobra conta para o nosso bolso. Salvar o mundo e ainda pagar a conta. Essa é a FUNVERDE”.
Digo que um dia ela vai para o céu. Mas, ela não concorda:
“Nananinanão. Os roqueiros estão no inferno”.
Além das árvores em fundos de vale, a FUNVERDE também criou um recanto com plantas aromáticas no Bosque das Grevíleas (projeto “Canto das Ervas”). Lá também plantou espécies frutíferas.
As árvores cresceram. Na hora da roçada, as roçadeiras cortavam algumas árvores. A FUNVERDE colocou uma proteção na base das plantas. Um dia, ela me diz irritadíssima: “Tem uns imbecis indo lá no bosque e retirando os protetores”. A ONG colocou uma placa: “não retire este protetor”.
Durante uma das primaveras dos últimos anos, ela me liga. “Dirceu, nunca ofereça ajuda ou aceite ajudar uma ONG, porque os folgados vão sempre te pedir ajuda”. Ela queria uma nova placa. Estava duplamente inconformada.
Primeiro, com as pessoas que levavam “bacia, balde, sacola” para carregar frutas para suas casas, não deixando para os próximos visitantes. ”É como se fosse uma feira grátis”.
Segundo motivo para sua revolta: o pessoal retirava as frutas verdes. Ela me pede sugestões de textos para as placas. Envio e ela escolhe duas frases: “Não colha a fruta ainda verde, volte quando ela madurar”; e “Para que todos possam saborear as frutas, só colha o que você comer aqui”.
Tempos depois, me diz que ela e os voluntários haviam retirado, do bosque, 10 sacos de lixo com capacidade de 200 litros cada.
Em outra ocasião, a Ana me envia uma foto de um prédio bem iluminado. Ela teve a paciência de contar: 128 lâmpadas só no térreo.
Faz as contas e diz que só ali o gasto era de R$ 547,00 mensais. “Uma imbecilidade”.
Ana tinha também suas manias. Um dia, ofereci a ela um objeto emprestado.
“Comprarei. Não emprestarei”.
Insisti.
“Sou chata. Se estragar, tenho um treco. Não ria. Sou assim, meio que inteira estranha”.
O mundo é que está estranho. Falta a cabeça inteligente da Ana; seu olfato a identificar falcatruas a distância; seus braços sempre dispostos a lutar; suas mãos, com dedos em riste para “dedar” o nariz dos imbecis acostumados às benesses do poder; sua língua ferina a dizer verdades para o mundo.
Ela fez muito e nos deixou um planeta menos pior. Tirou férias e foi curtir um bom e diabólico rock and roll.
26/7/2019

Quem a conheceu sabe que estas belas palavras representam a mais pura e cristalina verdade!

Todos que acompanham esta história de perto sabem também: seu parceiro de vida e de trabalhos desinteressados em prol da natureza, Cláudio, sempre amou e admirou Ana intensamente. Um homem comum e que possivelmente, como confessou, estaria vivendo seus dias sem preocupações maiores do que aquelas que a vida já dá, se associou a este projeto através e por sua amada. Quando ela se foi, tudo poderia ser deixado como está e – possivelmente, sem Ana – regredir. Seria compreensível.

Mas não! Todos viram e estão vendo o quanto ele sofre pela perda irreparável – institucional e pessoal – mas que também não esmoreceu nem por um minuto sequer! Ana vive em Cláudio principalmente através da continuidade de seus preciosos sonhos – que agora, diante de sua ausência física, mais ainda, são dele e nossos também.

Enquanto isso, mais árvores são plantadas, crescem, florescem e dão frutos, pássaros gorjeiam e pessoas se encantam no Bosque Sensorial Ana Domingues. Ana partiu, mas seu projeto, o “Bosque Sensorial” – mesmo já tendo um corpo completo –, não teve um fim porque estará em construção pelo futuro inteiro, no ritmo da natureza e com a força e o olhar cuidadoso de todos que abraçaram, junto ao casal e sua ONG, este projeto. Este sítio – onde a natureza pôde encontrar bela morada – evoluirá junto com nossa cidade se consolidando, cada vez mais, como uma joia preciosa de Maringá e o legado de um ser especial – agora capitaneado por seu grande parceiro de vida. Força Cláudio!

Valdecir_Mgá

Dezembro de 2019

Mais alguns cliques do Bosque e de seus transformadores:

fotos em: https://www.flickr.com/photos/funverde

Um brinde a dona Ana da FUNVERDE

Algumas fotos mais recentes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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