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A humanidade já ultrapassou os limites da resiliência do Planeta

A apresentação “Os limites da resiliência do Planeta e o decrescimento demoeconômico”, exposta e debatida no XXI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, da ABEP, ocorrido em 25 de setembro de 2018 (disponível no link mais abaixo), teve como base uma tese, uma antítese e uma síntese, como mostrado a seguir:

Tese: O crescimento demoeconômico no Antropoceno (últimos 250 anos) possibilitou uma grande acumulação de capital e riqueza, gerando concentração de renda, mas redução da pobreza e da fome, predomínio dos regimes democráticos, aumento do IDH e da esperança de vida da humanidade (Hans Rosling e Stephen Pinker).

Antítese: O enriquecimento humano (via capitalismo ou socialismo) ocorreu às custas do empobrecimento do meio ambiente e do desequilíbrio climático. O aumento das atividades antrópicas ultrapassou os limites da resiliência da Terra. Houve um decrescimento da vida natural e selvagem e uma alteração da química da biosfera, o que pode provocar um colapso ambiental global. O ecocídio leva ao suicídio da humanidade e ao colapso civilizacional (Heinberg e Luiz Marques).

Síntese: Somente o decrescimento demoeconômico pode colocar a Pegada Ecológica em equilíbrio com a Biocapacidade até se chegar ao Estado Estacionário, ecologicamente sustentável, com regeneração ecológica e aumento da resiliência (Daly, Alcott e Wahl).

A apresentação mostra que realmente houve um enorme desenvolvimento humano nos últimos 250 anos no mundo, com redução da pobreza e da fome, redução da mortalidade infantil e aumento da esperança de vida. Em geral, houve progresso humano. Mas este se deu às custas do retrocesso ambiental.

O crescimento demoeconômico está provocando uma grande degradação dos ecossistemas e a 6ª extinção em massa das espécies, além de romper com as fronteiras planetárias e fazendo com que a Pegada Ecológica ultrapasse cada vez mais a biocapacidade do Planeta. Isto fez as atividades antrópicas ultrapassarem a resiliência da Terra. Resiliência diz respeito à capacidade de um sistema recuperar seu equilíbrio após ter sofrido uma perturbação.

Neste sentido é importante relembrar a “Lei de Liebig” – também conhecida por Lei do Mínimo – que é um princípio que estabelece que o desenvolvimento de um organismo vivo (como Gaia) será limitado pelos nutrientes faltosos ou deficitários, mesmo que todos os outros elementos ou fatores estejam presentes. Por exemplo, o mundo pode ser abundante em todos os aspectos, mas se faltar água potável a humanidade não tem como sobreviver.

Desta forma, é preciso romper com a máquina insana e insone de acumulação de capital e riqueza e reverter o processo de crescimento demoeconômico exponencial. Como disse Herman Daly: “O impacto ambiental é o produto do número de pessoas vezes que o uso de recursos per capita. Em outras palavras, você tem dois números multiplicados um pelo outro – qual é o mais importante? Se você mantiver uma constante e deixar a outra variar, você ainda está multiplicando. Não faz sentido para mim dizer que apenas um número é importante. No entanto, ainda é muito comumente dito. Suponho que faria algum sentido se pudéssemos nos diferenciar histórica e geograficamente – para determinar em que ponto da história, ou em que país, qual fator merecia maior atenção” (Daly, 2018)

Assim, as conclusões mostram que entre 1768-2018, o capitalismo (e também o socialismo real), propiciou uma enorme acumulação de capital e riqueza, incentivando o crescimento da população mundial (trabalhadores e consumidores) e o crescimento do consumo global, provocando os fenômenos da superpopulação e do superconsumo;

O peso das atividades antrópicas já ultrapassou os limites da resiliência da Terra. O crescimento do consumo é apenas um lado da equação. Não se pode ignorar o outro lado da equação que é o crescimento populacional. O déficit ambiental nacional ocorre quando a multiplicação do padrão de consumo (pegada ecológica) pelo volume da população excede a biocapacidade do país. Globalmente o déficit estava em 70% em 2014 e crescendo. O sucesso do progresso humano se deu às custas do retrocesso ambiental.

Celso Furtado, no livro “O mito do desenvolvimento econômico”, de 1974, disse: “(…) “que acontecerá se o desenvolvimento econômico se universalizar”? A resposta a essa pergunta é clara, sem ambiguidades: se tal acontecesse, a pressão sobre os recursos não renováveis e a poluição do meio ambiente seriam de tal ordem (ou alternativamente, o custo do controle da poluição seria tão elevado) que o sistema econômico mundial entraria necessariamente em colapso” (p. 19).

Muitos autores da chamada corrente “histórico-estrutural” estranharam o livro de Celso Furtado. Paul Singer, por exemplo, gastou mais de 30 anos para fazer uma autocrítica, quando em entrevista ao IHU, em 2008, disse: “Em 1974, o Celso Furtado escreveu um livro chamado O mito do desenvolvimento (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974), em que ele sustentava a tese de que era um mito imaginar que através do desenvolvimento econômico o mundo inteiro desfrutaria algum dia do padrão de consumo dos estadunidenses. Ele tinha certeza, assim como embasamento, para afirmar que tal fato não aconteceria nunca. E que, portanto, o desenvolvimento não se poderia gerar por falta de recursos naturais. Ele disse isso há 34 anos. Nessa época, eu li e achei que ele teve um ataque de malthusianismo. Isso porque Malthus, há 200 anos, dizia que a Terra era finita, que os recursos naturais acabariam e que o aumento da população resultaria em fome etc., na medida em que estávamos indo para além da capacidade da Terra. A tese do Malthus foi várias vezes refutada porque houve diversos avanços científicos que permitiram a utilização de recursos naturais e que na época dele não existiam. Em 1974, nós acreditávamos que o Celso estava um pouco pessimista demais porque, na medida em que os recursos naturais se esgotavam, outros substitutos eram encontrados. Tipicamente, no lugar do petróleo que está acabando, nós desenvolveríamos biocombustíveis, energia eólica, energia solar, e assim por diante. Só que o Celso estava certo e nós errados, isto é, ele não estava sendo excessivamente pessimista. Chegou o momento em que a pressão da demanda está muito mais forte do que a capacidade do avanço científico de resolver, através de novas tecnologias, esses impasses” (IHU, 2008).

Portanto, está na hora da humanidade acordar para os males que tem feito ao Planeta. O aquecimento global está rompendo com a estabilidade climática do Holoceno e está mudando radicalmente algumas forças naturais da Terra, provocando efeitos de retroalimentação e mudanças irreversíveis e sem retorno – fenômeno “Terra estufa” – que pode levar ao colapso ambiental e civilizacional.

Em síntese: somente o decrescimento demoeconômico pode colocar a Pegada Ecológica em equilíbrio com a Biocapacidade até se chegar ao Estado Estacionário, ecologicamente sustentável, com regeneração ecológica e aumento da resiliência, evitando um desastre global.

Referência

ALVES, JED. Os limites da resiliência do Planeta e o decrescimento demoeconômico, XXI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, da ABEP, Poços de Caldas, 25/09/2018. https://pt.scribd.com/document/389557293/A-humanidade-ja-ultrapassou-os-limites-da-resiliencia-do-Planeta

IHU. Duas crises e o limite ecológico do mundo. Onde vamos parar? Entrevista especial com Paul Singer, 2008. http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/14026-duas-crises-e-o-limite-ecologico-do-mundo-onde-vamos-parar-entrevista-especial-com-paul-singer

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal.

Fonte – EcoDebate de 03 de outubro de 2018

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