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A receita tradicional do futuro

 

SpaLuca

O estado de São Paulo de 19 de dezembro de 2007 

Varese Ligure, cidade italiana de 2.400 habitantes, é debutante de 2007 na imprensa internacional. Fica perto do golfo de Gênova, mas no interior, bem atrás de formidáveis locomotivas da grã-finagem turística, como Portofino e Portovenere. Atraídos pelo litoral prodigioso, os estrangeiros raramente se lembram de ir até lá. De Varese Ligure às Cinque Terre, por exemplo, seria um pulo.

Mas ela está fora do alcance de quem percorre a pé, como se deve, por trilhas e túneis nos penhascos a prumo, esses cinco portos do Mediterrâneo, de Monterosso a Riomaggiore, onde os barcos de pesca estacionam a seco em praças públicas, as parreiras conquistam encostas em terraços e, ao pé das oliveiras, redes colhem as azeitonas antes que elas rolem para o mar.

Energia extra

Sem esses trunfos para chamar a atenção do mundo, ela chegou à fama pelo atalho ambiental. É o caminho mais curto, sobretudo em lugares que, aparentemente, pararam no tempo. E Varese Ligure ainda vive do campo. Mas 95% de sua produção têm o selo da agricultura biológica. A cidade é um celeiro de longevidade. Tem oito cidadãos centenários – ou mais de 0,03% de sua população. Com uma percentagem dessas, o Brasil teria hoje pelo menos 61 mil pessoas com a idade do arquiteto Oscar Niemeyer. Não foi à-toa que, no começo da década, em plena crise da vaca-louca, os italianos aprenderam a levar à mesa as coisas que vinham de seus agricultores.

Do mar, Varese Ligure só tem o vento. Mas ele sopra constantemente a cerca de 7,5 metros por segundo. E ela aproveitou sua posição geográfica para entrar de cabeça na era da energia alternativa, adotando geradores eólicos. Suas quatro turbinas de 3,2 megawatts, instaladas no Passo della Cappelletta, a 1.100 metros de altitude, geram oito milhões de quilowatts por ano. E agora fazem parte de sua paisagem. Recebem visitantes até do Japão. Acabaram aumentando, de quebra, o turismo na cidade.

Com moinhos, placas solares e pequenas usinas hidrelétricas, que também tiram partido de sua topografia acidentada, Varese Ligure tornou-se, seis anos atrás, a primeira municipalidade européia a tirar de fontes renováveis toda a eletricidade que usa. Mesmo sua escola secundária dispõe de placas fotovoltaicas no telhado – 39 painéis de energia solar, cobrindo 36 metros quadrados, o bastante para gerar 4,6 mil quilowatts por ano.

Com essas e outras, em 2004 a cidade ganhou prêmio internacional, ao atropelar as metas que marcaram para 2010 o compromisso de limpar pelo menos um quarto da eletricidade que move a União Européia. Está muito à frente da Itália, onde pouco mais de 15% da energia têm origem renovável. E, atualmente, produz o triplo da eletricidade que utiliza localmente.

Com isso, de cliente, passou a fornecedora da ENEL, a estatal italiana de eletricidade, o que lhe dá todo tipo de vantagens. Só os geradores eólicos lhe valem oito mil toneladas anuais a menos em emissões de carbono, escreveu esta semana a jornalista austríaca Jane Burgermeister, numa publicação especializada. “Nós cumprimos os requisitos do Protocolo de Quioto e sem fins lucrativos”, declarou-lhe, na reportagem, a prefeita de Varese Ligure, Michaela Marone. Da eletricidade que sobra vem uma injeção anual de meio milhão de dólares na economia local, só em taxas. E, com o que ganha fornecendo energia, a prefeitura ajuda moradores, subsidiando contas domésticas. O padrão de vida da população, que vinha caindo, voltou a subir. Criaram-se 140 novos empregos, número “mais que bom” para tão pouca gente, concluiu Burgermeister. E, o que é melhor, Varese Ligure fez tudo isso para continuar a ser a cidade que sempre foi.

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