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Aquecimento global e orçamento carbono

A utilização dos combustíveis fósseis gerou muita riqueza nos últimos 240 anos. O uso de carvão mineral (depois petróleo e gás) forneceu a energia necessária para implementar o modelo de produção de bens e serviços em larga escala, desde o início das operações da máquina a vapor, aperfeiçoada por James Watt, em 1776. A Revolução Industrial e Energética propiciou uma grande elevação no padrão de consumo e de vida da população mundial. A esperança de vida ao nascer que estava em torno de 25 anos em 1800, ultrapassou os 70 anos no início do século XXI.

Mas a queima dos combustíveis fósseis também gerou um problema novo e inédito, nos últimos milhões de anos, que é o aumento da concentração de CO2 na atmosfera. Antes da decolagem da sociedade urbano-industrial a concentração de CO2 estava abaixo de 280 partes por milhão. As medições mostram que em 1860 a concentração atingiu 290 ppm. Em 1900 estava em 295 ppm. Chegou a 300 ppm em 1920 e atingiu 310 ppm em 1950. Em cerca de 150 anos o aumento foi de 30 ppm. Mas no ano 2000 chegou a 370 ppm e ultrapassou definitivamente as 400 ppm em 2016. Até 2020 vai ultrapassar 410 ppm. Ou seja, em 70 anos o aumento deve ficar em 100 ppm, mais de o triplo do período inicial da Revolução Industrial. As emissões anuais de CO2 passaram de cerca de 250 milhões de toneladas em 1880 para cerca de 10 bilhões de toneladas apenas pela queima de combustíveis fósseis em 2015 (um aumento anual de 40 vezes). Quanto mais carbono na atmosfera, maior é o efeito estufa e maiores são as temperaturas.

O gráfico mostra que existe uma relação muito forte entre as emissões de carbono e o aumento da temperatura global. Entre 1880 e 1900 a temperatura estava 0,2oC abaixo da média da temperatura do século XX. Entre 1901 e 1950 a média da temperatura ficou 0,15oC abaixo da média do século passado e entre 1951 a 2000 ficou 0,15oC acima da média. Porém, o ano de 1998 foi o mais quente do século XX e ficou 0,63oC acima da média secular. E o que estava ruim, piorou muito no século XXI, pois a temperatura em 2015 ficou 0,90oC acima da média e no primeiro semestre de 2016 ficou 1º C acima da média do século XX. Veja no link o gráfico mostrando o aumento da temperatura nos últimos 20 mil anos (Earth Temperature Timeline).

No dia 29 de setembro de 2016, um grupo de sete renomados cientistas climáticos liderados por Robert Watson, ex-presidente do Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, lançaram um documento (ver link abaixo) afirmando que é praticamente nula a chance de manter o aquecimento global abaixo de 1,5 graus Celsius em relação aos níveis pré-industriais. Os cientistas apoiam o Acordo de Paris, mas acham que o ritmo de cortes nas emissões de gases de efeito estufa (GEE), propostos nas INDCs, é totalmente insuficiente. Segundo Watson, na trajetória atual, o mundo pode chegar a 1,5º C acima dos níveis pré-industriais em 2030 e em 2º C graus até 2050. Certamente, se isto ocorrer, o nível do mar deve subir em torno de 2 metros até 2100, inundando várias cidades e áreas férteis.

Portanto, é necessário reduzir urgentemente as emissões de gases de efeito estufa (GEE). Os seres humanos já lançaram 1,9 trilhões de toneladas de carbono na atmosfera. Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), para evitar o pior cenário, o mundo só pode emitir, entre 2012 e 2100, 1.000 gigatoneladas (Gt) de CO2. Em termos médios, isso significa que o mundo só pode liberar no máximo 11,3 GtCO2 por ano até 2100. O problema é que as emissões estão atualmente em torno de 40 GtCO2, o que dá uma ideia do tamanho do desafio para fazer essa redução.

Relatório da UNEP, de 03/11/2016 (um dia antes da entrada em vigor do Acordo de Paris), diz que o mundo ruma para uma temperatura de 2,9º a 3,4º C até o final do século, mesmo se as INDCs do Acordo de Paris forem cumpridas. As emissões previstas para 2030 estão de 12 a 14 gigatons acima dos níveis necessários para limitar o aquecimento global a 2º C.

Assim, o chamado “orçamento de carbono” não está sendo cumprido. As INDCs do Acordo de Paris são insuficientes para resolver o tamanho do desafio. O Brasil, por exemplo, fez uma opção errada por investir bilhões de dólares na exploração do pré-sal, que é uma alternativa cara, poluidora e que vai agravar as emissões de CO2. Se o dinheiro investido na exploração de combustíveis fósseis de águas profundas fosse utilizado na produção de energia eólica e solar, de forma descentralizada e com base no desenvolvimento local, o país teria limpado sua matriz energética e evitado tantos escândalos de corrupção como apontado pela operação Lava-Jato. Outra promessa não cumprida pelo governo é relativa à meta de reduzir o desmatamento da Amazônia. A taxa de desmatamento foi de 7 mil km2 em 2010, atingiu o nível mais baixo (4,5 mil km2) em 2012 e voltou a subir nos anos seguintes 5.891 km2 em 2013, 5.012 km2 em 2014 e 6.207 km2 em 2015. E as informações preliminares apontam para uma continuidade do aumento do desmatamento e das queimadas em 2016.

Além da emissão de CO2 em função da queima de combustíveis fósseis, outra fonte importante do efeito estufa é a emissão de metano pela pecuária. Estudo do Chatham House, o Real Instituto de Relações Internacionais do Reino Unido, indica que cerca de 15% dos poluentes que levam ao aquecimento global são provenientes da pecuária — seja pelo metano da digestão e estrume dos animais, ou pela produção de culturas para alimentação. Uma dieta vegetariana ou vegana poderia contribuir com a redução das emissões de GEE.

Caso realmente a temperatura chegue a 2º C por volta do ano 2050, então o mundo pode entrar em um terreno perigoso, pois o aumento da temperatura provocará a queima de florestas e vegetações que vão liberar mais CO2 na atmosfera, além do degelo do Ártico e das áreas próximas ao polo norte que podem liberar o metano do permafrost (solo permanente congelado). Este processo pode liberar na atmosfera um gigantesco volume de metano e de dióxido de carbono.

Cientistas integrantes do Permafrost Carbon Research Network calculam que, nos próximos 30 anos, cerca de 45 bilhões de toneladas métricas de carbono originado do metano e do dióxido de carbono chegarão à atmosfera quando o permafrost degelar ao longo dos verões. Por volta de 2100, os pesquisadores preveem um cenário ainda mais sombrio: daqui até lá, 300 bilhões de toneladas métricas de carbono deverão ser liberados do permafrost, constituindo uma verdadeira bomba-relógio que vai acelerar o aquecimento global e a elevação do nível dos oceanos.

Assim, as emissões atuais podem aquecer em tal grau o Planeta que gere um efeito de retroalimentação e a emissão de GEE continue, mesmo depois da redução das emissões próprias das atividades antrópicas. Por conta disto, a pesquisadora americana Carolyn Snyder disse que a temperatura terrestre nos próximos milênios subiria cerca de 5 graus mesmo se emissões de carbono parassem hoje e poderia chegar a 9º C. caso as emissões de GEE fossem mantidas. Mesmo considerado exagerado, o estudo mostra a dramaticidade da situação quanto analisada no longo prazo.

O fato é que a concentração de CO2 no mundo já ultrapassou 400 ppm e o aquecimento pode ultrapassar 2º C já em 2050. Isto vai exigir uma mudança radical da matriz energética, uma diminuição do impacto da pecuária e o aumento das áreas verdes. Porém, artigo publicado no blog #SavetheTrees mostra que o mundo planta 5 bilhões de árvores por ano e desmata 15 bilhões de árvores. São duas árvores derrubadas para cada habitante da Terra, um enorme holocausto biológico que dificulta a captura de carbono.

Quando maior for a procrastinação no corte das emissões mais caras e penosas serão as opções futuras. Depois da temperatura atingir 2º C o mundo terá de fazer emissões negativas, ou seja, desenvolver tecnologias de captura e armazenagem de carbono (CCS). O custo futuro para limpar o que a humanidade sujou nos últimos 240 anos será enorme. É por isto que Ulrich Beck, no livro, Sociedade de Risco, diz: “No novo conflito ecológico, por outro lado, o que está em jogo são negatividades: perdas, devastação, ameaças”. E, diante dos rendimentos decrescentes e das externalidades negativas, Herman Daly afirma: “Teremos, então, o que denomino crescimento deseconômico, produzindo ‘males’ mais rapidamente do que bens – tornando-nos mais pobres, e não mais ricos”. Crise econômica e crise ambiental podem gerar uma grande crise social e o aumento da violência.

Em síntese, a velocidade de emissão de carbono e outros GEE atualmente é, pelo menos, dez vezes maior do que a do pico natural de aquecimento global ocorrido há 56 milhões de anos, quando as temperaturas médias da Terra subiram 5º C. (Stassen, 08/02/2016). Ou seja, ou reduzimos drasticamente as emissões de GEE ou vamos desaparecer como os dinossauros. A diferença é que os dinossauros não tiveram culpa pelas mudanças climáticas daquele tempo.

Referências:

Global Carbon Budget http://www.globalcarbonproject.org/carbonbudget/15/data.htm

Robert Watson et. al. The Truth about Climate Chance, 29/09/2016

Jeff Tollefson. Longest historic temperature record stretches back 2 million years. Suggests greenhouse gases may warm planet more than previously thought. Nature, 26 September 2016

The Alarming Truth Behind Deforestation #SavetheTrees, April 28, 2015

Peter Stassen. Global warming then and now, Nature, 08/02/2016

Earth Temperature Timeline http://xkcd.com/1732/

Brian Kahn. The World Isn’t Doing Enough to Slow Climate Change, Climate Central, 03/11/2016

UNEP. World must urgently up action to cut a further 25% from predicted 2030 emissions, 03/11/2016

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE.

Fonte – EcoDebate de 11 de novembro de 2016

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