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Caçadas e cassações

 El Nagual 

Surpreendi minha avó, engolfada no aluvião das últimas notícias, explicando ao bisneto que não se conseguiu cassar um tal Renan.

Com os olhos fincados nos beiços da velha o menino, maravilhado, entre palavras e perdigotos, bebia de sua sabedoria.

Eram homens e mulheres, dizia ela, milhares deles; talvez milhões, tentando cassar o bicho.

Há meses as televisões trazem sua silhueta acuada. Emissoras de rádio reverberam urros de açoitarem os ouvidos. Nos jornais, entre lágrimas e suores, estampa-se a fotografia da fera todos os dias.

Escondido nas matas do planalto central, sob a proteção de seu bando, o procurado segue ileso. Esfarrapado, trôpego, semi-entregue, porém intacto.

– Bisa, ele não tinha olhos?

– Eram duas brasas. De chamuscarem a quem ele resolvesse dirigir o olhar.

À meia luz, no sofá da sala, joelhos encolhidos à altura do queixo, dedinhos das mãos entrelaçados a apertarem o peito nu, meu menino mais velho continha-se, com os dentes apertados, entre um e outro calafrio que a horrenda história inspirava.

– E pêlos?

– Em quase todo o corpo, menos na cabeça.

De repente, cercam o bicho. Em pouco tempo tudo estará terminado. Milhões prendem a respiração. Um êxtase coletivo.

– Bum!

– Caçaram ele?

– Não cassaram, menino… não cassaram…

– Esse barulho não foi de tiro? Eles erraram?

– Erraram. Erraram bastante. Erraram tanto que não sabem o estrago que fizeram.

– Eles não tinham espingarda?

– Que espingarda, moleque! A bisavó está falando da cassação do senador.

– Que bicho é esse?

– Nenhum. Ele não é bicho. Bicho não mente. Bicho é coerente. Bicho não trapaceia. Bicho é honesto. Este, com certeza absoluta, não era um bicho.

– Que história chata! Não entendi nada… Bença, pai!

– Deus te abençoe, filho.

E abençoe também os milhões de inocentes que sofrerão muito, porque uns poucos tíbios, por covardia e conveniência, preferiram deixar as coisas como sempre estiveram.

Nota: Este Recado, desde há anos, é tão somente um espaço para crônicas ambientais. Mas, hoje, não resisti. Não sou de plástico.

Bença!

Luiz Eduardo Cheida

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