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De São Paulo a Roma, cidades estão cada vez mais vulneráveis a secas

Uma das represas do sistema Cantareira, em São Paulo (Foto: Andre Penner/AP)Uma das represas do Sistema Cantareira, em São Paulo, no auge da crise hídrica de 2014-2015 (Foto: Andre Penner/AP)

Os lençóis freáticos estão minguando, a estimativa é que cerca de 20% dos aquíferos do mundo inteiro são superexplorados

As crises hídricas têm se multiplicado em diversas partes do planeta. Além das regiões afetadas quase constantemente pela falta de chuvas, como é o caso da África Subsaariana e do Nordeste do Brasil, o quadro tem se tornado cada vez mais recorrente em regiões onde se localizam grandes metrópoles, como é o caso de São Paulo, Brasília, Roma e cidades nos Estados Unidos, notadamente na Califórnia, e na Austrália. Os problemas de abastecimento de água refletem a redução dos níveis dos reservatórios, em virtude da recorrência de períodos cada vez mais quentes e secos, e a cada ano que passa se verificam novos recordes de temperatura. Segundo a Agência Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA, em inglês), estamos vivenciando o terceiro ano consecutivo em que os recordes são quebrados. Os mais recentes relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) fazem referência aos cenários imprevisíveis e com distribuição não uniforme dos extremos climáticos.

Segundo o Relatório das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento de Água 2015, a retirada excessiva de água e os modelos arcaicos de uso de recursos naturais e de governança têm regulação deficiente e acontecem sem controle adequado. Os lençóis freáticos estão minguando, a estimativa é que cerca de 20% dos aquíferos do mundo inteiro são superexplorados. A perturbação dos ecossistemas devido à intensa urbanização, as práticas agrícolas inadequadas, o desmatamento e a poluição estão entre os fatores que ameaçam a capacidade do meio ambiente de fornecer serviços ecossistêmicos, incluindo o provisionamento de água limpa.

O maior problema, porém, é de governança. Nas últimas décadas, o consumo de água aumentou 200% mais que o crescimento da população, e a estimativa é que a demanda cresça ainda mais 55% até 2050. Se forem mantidos os mesmos padrões atuais de consumo, o mundo enfrentará um déficit no abastecimento de água de 40%, em 2030. A falta de atenção à capacidade de reposição e restauração dos ecossistemas, em especial as áreas de mananciais, é apontada, pelo relatório da ONU, como um fator crítico, uma vez que dificulta o provimento de serviços ecossistêmicos à sociedade, inclusive o suprimento de água.

Em Roma, a combinação de um período prolongado sem chuvas com altas temperaturas fez com que a cidade suspendesse a retirada de água do principal reservatório de abastecimento. A cidade, conhecida por suas fontes e aquedutos, hoje está fechando suas torneiras e enfrentando períodos de seca e calor intensos.

Em São Paulo, ao longo da crise de 2014-2015, as diminuições dos índices pluviométricos na Região sudeste do Brasil apresentavam um cenário previsível de escassez hídrica no ano de 2015. Mas é importante destacar que, além das dificuldades relacionadas aos ciclos hidrológicos e à disponibilidade hídrica, existem ainda fatores causados pelo homem que interferem na qualidade e quantidade do recurso: despejo de esgoto in natura, os efeitos das mudanças climáticas na produção da água e a falta de investimentos em infraestrutura de armazenamento e distribuição da água. Apesar de o foco das notícias sobre a crise hídrica ser a falta de chuvas, pode-se observar que a negação da possível crise, a situação crítica e a morosidade na proposição de medidas efetivas para minimizá-la revelam problemas de governança. E a postura de pouca transparência, assim como a maneira como a sociedade foi informada a respeito da crise, não permitiu que se construísse uma narrativa que envolvesse os diferentes atores sociais e toda a sociedade no enfrentamento da situação.

Um dos maiores desafios na governança da água é garantir uma abordagem aberta e transparente; inclusiva e comunicativa; equitativa e ética. Assim, a criação de condições para uma nova proposta de diálogo e corresponsabilização deve ser crescentemente apoiada em processos educativos orientados para a “deliberação pública”. Esta se concretizará principalmente pela maior presença de uma pluralidade de atores e implica também mudanças no sistema de prestação de contas à sociedade pelos gestores públicos e privados, mudanças culturais e de comportamento.

Devemos trabalhar, também, na recuperação dos mananciais em uso. Não podemos abandoná-los à própria sorte e partir para a captação de água em novos locais. Ao preservá-los, garantiremos o suprimento futuro de água. Também é preciso trabalhar mais incisivamente na redução das perdas na distribuição. As soluções, portanto, devem ser integradas e considerar a atuação sob diferentes perspectivas. E os governantes podem perceber a situação como uma excelente oportunidade de tratar o abastecimento a partir de novas perspectivas, em que prevaleçam atitudes preventivas e de estímulo à corresponsabilização da população.

Pedro R. Jacobi é professor titular do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo e presidente do Conselho do Iclei- América do Sul

Fonte – Blog do Planeta de 11 de setembro de 2017

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