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Desmistificando o licenciamento ambiental

Há um mito em torno do licenciamento ambiental. Acusam-no de ser um entrave ao desenvolvimento do país, espada da fúria ambientalista contra o capitalismo brasileiro e motivo das dores de cabeça do governo com o setor de infraestrutura nacional.

Porém, o entrave não se encontra no instituto mas, sim, na forma torta como ele é compreendido e operado no Brasil. O licenciamento ambiental é, na verdade, procedimento dinâmico e extremamente importante.

A ideia deste artigo é mostrar, de forma objetiva, o que é, como se compõe e como se processa o licenciamento ambiental.

O que significa o Licenciamento?

O licenciamento ambiental é expressão do controle territorial do Estado e forma de autorização do uso social da propriedade.  Visa conferir segurança jurídica e sustentabilidade às atividades econômicas socialmente autorizadas.

Trata-se de um procedimento administrativo de natureza satisfativa, cuja finalidade é licenciar atividades potencialmente poluidoras.

O procedimento segue rito técnico permeado por inter-relações de ordem institucional, condicionadas a dois fatores: 1- a complexidade do que se quer implantar e operar; e 2- a complexidade do ambiente impactado pela atividade. Essa característica confere dinamicidade única ao instituto.

Como ferramenta essencial à economia moderna, o licenciamento ambiental representa uma autorização social para empreender, ou seja,  orienta os investimentos nas atividades estruturantes e empreendimentos potencialmente poluidores.

Como atividade de planejamento, controle e gestão territorial, o licenciamento ambiental permite a correta distribuição geográfica das atividades econômicas e das estruturas de suporte estratégico.

Como instrumento de gestão de riscos, o licenciamento ambiental é ferramenta de controle preventivo da poluição e de manutenção da qualidade ambiental. Ele deve prever e prevenir impactos ambientais, definindo os meios de mitigação e compensação, de forma a conformar os danos eventuais.

Trata-se o procedimento disruptivo,  de um instituto que oxigena o direito público e administrativo ao ancorar sua efetividade no binômio “preveja e previna”, de forma integrada e interdisciplinar, reduzindo sensivelmente o uso do modelo “reaja e corrija”, milenarmente adotado no direito administrativo.

O que compõe o licenciamento?

O licenciamento ambiental renova-se constantemente e constitui  vértice da pirâmide principiológica que dá forma ao direito ambiental – um tetraedro formado pelos princípios gerais da prevenção, da participação e do poluidor-pagador, tendo por base o princípio do Desenvolvimento Sustentável.

Como expressão da soberania nacional e do controle territorial do Estado, o licenciamento ambiental pressupõe o exercício, pelo PODER PÚBLICO, de três importantes tarefas afirmativas, sucessivas e cronologicamente interdependentes:

1- O conhecimento geográfico do domínio;

2- O planejamento integrado do desenvolvimento econômico e social; e

3- O ordenamento territorial.

Essas tarefas respondem a três perguntas básicas:

Sabemos onde estamos?

Sabemos para onde vamos?

Sabemos por onde vamos?.

Obter respostas efetivas a essas questões, pressupõe governança eficaz, dotada de espírito planejador e autoridade no controle dos recursos ambientais.

Não é por outro motivo que no Brasil, a quase totalidade dos conflitos sociais e judiciais observados no licenciamento de atividades de significativo impacto ambiental, ocorre por não cumprir o Poder Público com aquelas três tarefas de caráter indelegável.

Mesmo ciente da indelegabilidade das três tarefas, não é raro observarmos a autoridade ambiental brasileira procurar transferi-las ao incauto empreendedor submetido ao licenciamento. Isso ocorre numa relação inversamente proporcional, entre o tamanho do empreendimento proposto e as condições socioeconômicas da área impactada.  Ocorre também, numa razão direta entre a complexidade da atividade pretendida e o despreparo estrutural, profissional ou ideológico do órgão licenciador.

Essa questão é fulcral para compreender o risco do licenciamento no ambiente institucional brasileiro. Quando ocorre uma dessas “transferências” de tarefas indelegáveis ocorre, o parâmetro técnico sucumbe e o licenciamento ambiental torna-se um fato político, intrinsecamente conflituoso e potencial objeto de judicialização.

Por isso a importância de sempre observar se o Estado cumpriu ou não suas três tarefas indelegáveis no ambiente a ser impactado pelo empreendimento, pois nesse caso, há risco do licenciamento ambiental, tornar-se vítima, não causa de conflitos.

Licenciamento é um casamento?

Como meio de controle, o procedimento autoriza a disposição territorial das atividades humanas efetiva ou potencialmente poluidoras conforme o ordenamento do território pretendido pelo Estado. É, portanto,  um “casamento” do Estado Regulador com a atividade licenciada.

Seguindo o preceito constitucional do meio ambiente como princípio da Ordem Econômica e Social, o licenciamento ambiental casa a soberania do Estado com a livre iniciativa.

A autoridade ambiental licenciadora negará ou autorizará a atividade, conforme sua conformidade técnica e legal.  A licença, expressa em um documento, seria a “certidão de casamento”, constando no anverso a identificação do empreendedor e do empreendimento, a descrição do que foi licenciado, e o prazo de validade da autorização. No verso do documento constará, no entanto, o regime do “casamento”,  o rol de condicionantes, exigências e recomendações a serem assumidas pelo empreendedor licenciado.

A licença ambiental, portanto, expressa um diálogo. O empreendedor diz “o que”, o Estado responde “onde”, “como” e “até quando”.

Esse casamento permite ao Estado “transferir” ao empreendedor uma série de instrumentos de planejamento e gestão ambiental, no âmbito da atividade. Essa é a sutileza regulatória pouco vislumbrada por quem enxerga no procedimento apenas o velho “comando e controle” – o “reaja e corrija” que à gestão ambiental não se aplica.

Em verdade, no ambiente de regulação, por meio das condicionantes, o Estado desafoga atribuições e custos  de monitoramento, justamente para reforçar a atividade fiscalizatória e regulatória, imanente à atividade de um órgão de implementação de política ambiental.

O licenciamento ambiental,  portanto,  é um mecanismo constitutivo de direitos – visa suportar a economia gerada pelo empreendimento e não apenas autorizar uma atividade como se fosse um alvará de construção. Jamais, portanto, deve ser confundido em que âmbito se desenvolve o instituto – inserido na gestão e tutela de interesses difusos,  no bojo de atividade típica de ambiente de regulação.

É por isso que se trata de um procedimento dinâmico, não raro ele modifica o próprio empreendimento a ele submetido, da mesma forma que altera exigências e condicionantes a serem aplicadas à atividade. O que entra nesse procedimento, geralmente sai modificado.

Essa morfologia é de difícil compreensão para burocratas e profissionais pouco afetos á atividade de regulação da economia e completamente estranha a empreendedores e autoridades pouco acostumados à transparência e manejo de ferramentas e permeáveis ao controle social do uso da propriedade.

Como se processa o licenciamento ambiental no Brasil?

O procedimento da licença ambiental, no Brasil,  ocorre de forma trifásica , resultando num sistema único no mundo, emissor de três licenças sucessivas: Licença Prévia, Licença de Instalação e Licença de Operação.

A origem da forma trifásica

Essa forma trifásica foi fruto de uma adaptação equivocada do modelo sueco de licenciamento ambiental, quando da elaboração do processo de licença brasileiro, após a edição do Decreto Federal de Controle da Poluição em Zonas Críticas, no ano de 1975, quando então começaram a se estruturar as agências de fiscalização ambiental nos estados, com destaque para a FEEMA no Rio de Janeiro e, no ano seguinte, a CETESB, em São Paulo.

O modelo da Suécia, escolhido como referência naquela época, na realidade é bifásico, compreendendo a emissão de uma licença de instalação (com declaração de impacto ambiental), e outra para operação do empreendimento – renovável.

Ao que tudo indica, ao analisarem o complexo fluxograma sueco, os técnicos brasileiros entenderam que para cada bloco ali disposto, havia um licenciamento correspondente. Daí o equívoco do procedimento trifásico que, no entanto, segue por aqui “festejado” por entusiastas que ignoram sua origem.

Consolidado o equívoco, surge um procedimento que concentra fases de forma satisfativa, de convicção quanto à viabilidade, de conformação para a instalação e condicionantes para a atividade.

Com isso, busca-se, primeiro, a obtenção de uma declaração de impacto (ou viabilidade ambiental do projeto), travestida de licença – que gera uma autorização social para se empreender.  Em seguida,  irá se buscar a licença de instalação – de implantação ou construção do empreendimento, momento em que se elabora o plano básico ambiental e se apresentam os programas de conformidade às condicionantes relacionadas ao processo físico, material, de instalação do projeto. Por fim, instalado o empreendimento, buscar-se-à licenciar sua operação. Esta é a consecução da licença ambiental, que é relacionada à atividade,  condicionada à satisfação dos critérios apostos na sua emissão e  renovável.

A Licença Prévia e a Avaliação de Impacto Ambiental

A fase mais conflituosa do licenciamento ambiental é a primeira, onde se descarta a proposta ou se emite uma declaração de viabilidade ambiental do empreendimento – a Licença Prévia. Momento de se analisar informações, fazer consultas aos interessados, definir mitigações, compensações ambientais e condicionantes.

É nessa fase que são respondidas as questões acima apostas (onde estamos, para onde vamos e por onde vamos) e se espera do Estado a execução de sua tarefa ( conhecimento geográfico do domínio; planejamento integrado do desenvolvimento econômico e social e o ordenamento territorial).

Nessa fase,atendendo à complexidade da atividade e conforme a complexidade da área impactada,  deverá o empreendedor avaliar o impacto ambiental do empreendimento proposto, para análise da autoridade.

Prevista na Lei de Política Nacional de Meio Ambiente (Lei Federal 6.938/81), a Avaliação de Impacto Ambiental – AIA, é gerida pelo ambiente de regulação existente no Sistema Nacional de Meio Ambiente. Segue critérios, termos e procedimentos diretamente relacionados à complexidade da atividade proposta e à complexidade do ambiente atingido – mensurando a significância ou não dos impactos.

É um período bastante dinâmico do procedimento administrativo. Envolve proximidade entre empreendedor, licenciador e stakeholders.

Audiências Públicas e reuniões técnicas conferem transparência à fase de avaliação e análise dos estudos. Têm por objetivo garantir o direito à  participação e definir os conflitos a serem enfrentados pela autoridade que vai decidir a viabilidade ambiental, ou não, da atividade proposta.

Quanto mais transparente o procedimento, maior a possibilidade de resolução dos conflitos decorrentes dos impactos identificados, do empreendimento proposto.

Importante, no entanto, guardar a seguinte lição: a engenharia informará o direito no curso do licenciamento ambiental.

É uma fase simbiótica. Essa simbiose fornecerá os elementos a serem considerados na resolução dos conflitos e no estabelecimento dos parâmetros normativos e técnicos que conduzirão o processo .

Determinante, portanto, a capacidade técnica e profissional dos atores envolvidos em toda a primeira fase relacionada à  Licença Prévia.

A Licença de Instalação

A segunda fase é de obtenção do direito de construir – a Licença de Instalação. Apresenta-se o Plano Básico Ambiental do empreendimento, medidas de controle  e mitigação das atividades de implantação e atividades relacionadas, bem como cumprimento de condicionantes.

Nessa fase, deve-se redobrar a atenção para com a resolução dos conflitos remanescentes, em especial compensações e indenizações, reassentamentos, regularização fundiária, etc.

A licença de instalação implica na existência de um Sistema de Gestão Ambiental também instalado, para monitorar a construção e seus efeitos na área diretamente afetada, na área de impacto direto e, também, na área de impacto indireto. Especialmente no controle de inconformidades que venham a ocorrer nas obras e na administração dos impactos vinculados á atividade construtiva.

Remoção de população, alteração do ciclo econômico em comunidades, supressão de maciços florestais, abertura de canais, estradas, clareiras, canteiros, remoção de entulho, alocação de pessoal, etc, são um recorte do momento de grande tensão real, que poderá definir os parâmetros de relacionamento da atividade com o meio de entorno. Fundamental, portanto, que a condução técnica prevaleça e o caráter satisfativo do procedimento se imponha como regra, evitando discricionariedades e abusos.

Licença de Operação

Instalado o projeto, ocorrerá a fase de obtenção da licença de operação.

Como o licenciamento ambiental é um procedimento satisfativo, a operação é corolário natural da instalação do empreendimento. Assim, a licença de operação pode vir a ser obtida, não raro, automaticamente, consecutivamente, ou caso haja uma ou outra pendência – após o cumprimento da exigência.

A operação da atividade licenciada, naturalmente se dará num ambiente em contínua transição.

É próprio da economia que ocorram  evoluções na tecnologia disponível, mudanças no uso do solo, alterações significativas no entorno e incremento nas restrições e padrões de qualidade ambiental.

Por isso, a licença deverá guardar relação temporal de validade, proporcional á magnitude do empreendimento e sua complexidade.

Conclusão

Instalada a atividade e posta esta em operação, por ela o Estado passará a expressar o seu efetivo controle territorial.

Posto isso, é de se concluir que não há mistério no licenciamento ambiental, embora o procedimento exija forte conhecimento teórico e contínuo aprendizado prático para seu correto manejo.

Basta, portanto,  que, de início, o Estado cumpra o seu papel.

Por: Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Fonte: The Eagle View

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