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Estamos vivendo um retrocesso na regulamentação dos agrotóxicos

"A grande questão é que não se sabe o efeito do acúmulo no organismo dessas substâncias", afirma - Créditos: Reprodução“A grande questão é que não se sabe o efeito do acúmulo no organismo dessas substâncias”, afirma / Reprodução

Ouça a entrevista clicando aqui.

Campanha pede aprovação pelo Congresso Nacional da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos

O Brasil é o campeão mundial em consumo de agrotóxicos. De acordo com pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), cada pessoa ingere em média cerca de 5 litros dessas substâncias por ano. Na última década, enquanto o mercado mundial para esse tipo de substância cresceu cerca de 90%. No Brasil, o aumento chegou a quase 200%, segundo dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Os riscos são altos para a saúde. Estudos do Instituto Nacional do Câncer (Inca) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que o contato prolongado com essas substâncias pode levar ao desenvolvimento de doenças crônicas, como o câncer.

Para tentar conter o avanço do uso dos agrotóxicos no Brasil, está em curso uma iniciativa no Congresso Nacional pela aprovação da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos.

Para tratar o tema, o Brasil de Fato entrevistou Carla Bueno, militante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, que integra os esforços pela aprovação dessa política. Mais informações podem ser obtidas no site www.chegadeagrotoxicos.org.br.

Brasil de Fato: Existe uma campanha para a provação da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos. Em que consiste essa proposta?

Carla Bueno: A Política Nacional de Redução de Agrotóxicos foi uma iniciativa da sociedade civil que se baseou em uma construção unitária, junto ao governo anterior, do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos.

Quais são as medidas que propomos: maior taxação para o registro de agrotóxicos; subsídios, estímulos, políticas públicas para assegurar assistência técnica e extensão rural na produção e também estímulo à pesquisa na formação e capacitação dentro dos órgãos públicos, universidades, para se constituir as bases de uma transição de modelo.

No geral, a política vem para estimular a construção das bases de um novo modelo de produção: sem veneno, que gere alimentos saudáveis.

Quais os riscos do uso de agrotóxicos? Por que é importante reduzir seu uso e consumo?

Hoje, existe uma série de pesquisas, de diversas instituições muito respeitadas no mundo inteiro – a FioCruz, no Brasil, por exemplo -, [apontando] diversos indícios. A própria manifestação da ONU recentemente.

A grande questão é que não se sabe o efeito do acúmulo no organismo dessas substâncias que compõe os agrotóxicos. Não se sabe o que isso pode gerar a longo prazo.

Os níveis de toxicologia permitidos no Brasil estão relacionados a pesquisas vinculadas àquele produto [de forma individual]. Pelo princípio da precaução, precisamos considerar que o organismo absorve diversas substâncias.

O fato é que estamos tendo no Brasil uma série de novas doenças: psíquicas, o próprio câncer – que tem aumentado muito, não só aqui, mas também em todo mundo. Não há uma prova definitiva, mas essa série de doenças acompanha o modelo de produção que faz uso exagerado de venenos.

Pode-se gerar nas pessoas doenças agudas, crônicas. A ingestão continuada dessas substâncias pode acarretar em uma série de desequilíbrios no organismo das pessoas.

Há outro tipo de contaminação: o instantâneo, associado principalmente às populações do campo.

Assim como gera um desequilíbrio na natureza, gera no organismo humano.

Como se dá a utilização dessas substâncias?

Eles são utilizados em todo o processo agrícola brasileiro. São diversos tipos de agrotóxicos. Desde daquele que se usa para eliminar a planta não bem-vinda, chamada de erva daninha; depois para atacar as pragas, que são o efeito de um modelo desequilibrado; por último, se utiliza para “conservar” os alimentos.

O agronegócio, o modelo de produção que temos no Brasil, é muito baseado nesse pacote. Nossa agricultura é muito dependente desses insumos nas várias etapas do processo de produção.

Existe alternativa: diversos produtores têm conseguido produzir, ter renda, de forma saudável, sem usar veneno – de base agroecológica e orgânica. Em especial, na agricultura familiar.

Eles também são utilizados na pecuária?

Na pecuária, os animais se alimentam de vegetais. Se o que o animal ingere passou pelo uso exagerado de agrotóxicos, a carne também será contaminada.

Recentemente, saiu uma pesquisa que demonstra a contaminação em peixes. Quando você coloca agrotóxico na terra, produzindo o alimento do gado, ele vai também para o lençol freático. Até na água pode haver contaminação. Isso gera um problema no consumo e de contaminação ambiental. É, inclusive, a mesma água que nós bebemos. Independente do uso que se pensa originalmente, a amplitude é muito maior que apenas no alimento cultivado na terra em si. Há consequências nos sistemas da natureza e do corpo humano.

Recentemente o atual governo liberou o uso de novas substâncias. A atual gestão mudou o trato em relação à questão?

Sim. Após o golpe [de 2016], estamos vivendo uma série de retrocessos na política que regulamenta o uso de agrotóxicos no país. Isso é mais perceptível no Legislativo, mas é fácil de verificar os mecanismos de articulação com o Executivo, que também está propondo medidas que estimulam seu uso.

Exemplo: a Medida Provisória da “reforma agrária”, que trata a terra como mercadoria. A venda de terras para estrangeiros. [São] estímulos a uma produção que não tem preocupação com a soberania nacional, de produzir alimentação saudável para garantir segurança alimentar para nossa população, mas sim visando o lucro, divisas para empresas, das mais variadas fontes de capital, tanto nacional como internacional.

É uma ação articulada entre Executivo e a bancada ruralista para estimular esse retrocesso na legislação dos agrotóxicos.

Fonte – Rafael Tatemoto, edição Vivian Fernandes, Brasil de Fato de 28 de março de 2017

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