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Estudo diz que defender política climática não afeta credibilidade de cientista

Pesquisador examina amostra de gelo da Antártica (Foto: divulgação Desert Research Institute)Pesquisador examina amostra de gelo da Antártica (Foto: divulgação Desert Research Institute)

Pesquisa ajuda cientistas que temem pela reputação na hora de divulgar os riscos das mudanças climáticas e defender medidas para evitar a catástrofe

Qual é o papel dos cientistas para divulgar os riscos das mudanças climáticas e defender medidas para evitar a catástrofe? Essa questão é mais oportuna que nunca. O aquecimento global está acontecendo, já estamos vivendo suas consequências. Há cada vez menos tempo para evitar as piores consequências para a humanidade. E para se preparar para conviver com o inevitável. Os três recordes seguidos de temperatura global são um sinal disso.

Com a eleição do presidente Donald Trump, o debate ficou mais urgente. A plataforma de Trump é declaradamente contra a ciência do clima e contra precauções ambientais. Depois de dizer que o aquecimento é mentira e colocar um advogado de empresas poluidoras para enfraquecer a agência ambiental do país, alguns cientistas passaram a defender uma postura mas incisiva de seus colegas.

O grande medo dos cientistas, porém, é comprometer sua reputação. Até que ponto assumir posições e defender medidas climáticas podem arranhar a credibilidade de um cientista? Para responder a essa pergunta, um grupo de pesquisadores americanos organizou um estudo com a percepção pública. A boa notícia da pesquisa é mostrar que um cientista não perde respeito ao defender a causa climática. Segundo o estudo, o pesquisador não perde credibilidade. E também não há impacto negativo para a comunidade científica em geral.

O estudo foi realizado pelo Centro de Comunicação em Mudança Climática da Universidade George Mason e pelo Departamento de Comunicação de Ciências da Vida da Universidade de Wisconsin-Madison, ambas nos Estados Unidos.

A premissa do estudo, coordenado por John Kotcher, da Universidade George Mason, é que geralmente imagina-se que um cientista individual pode perder credibilidade ao assumir posições e defender causas. Além disso, consideraram que qualquer afirmação pública de um cientista já é uma tomada de posição. O simples fato de dizer que o aquecimento global existe (como diz o consenso científico) já é uma defesa de posição, embora em nível mais cauteloso. Os pesquisadores partiram de uma compreensão de que existem vários níveis de defesa de causa, dependendo do grau de ousadia envolvido. Em relação ao clima, a defesa mais básica seria dizer que as mudanças climáticas estão acontecendo. Um passo além é afirmar que as mudanças climáticas trazem alguns riscos. Uma defesa mais ousada é pesar os prós e contras de determinadas medidas contra as mudanças climáticas. Finalmente, a posição mais ousada de todas é defender uma determinada medida contra as mudanças climáticas. Segundo alguns teóricos, quanto mais ousada for a posição assumida por um cientista, mais ele arriscaria sua credibilidade.

O estudo de Kotcher também levou em conta mecanismos conhecidos da reação pública a determinadas afirmações. Diversas pesquisas sugerem que os indivíduos são predispostos a rejeitar afirmações que não condizem com crenças ou ideologias prévias. No campo das políticas públicas americanas, especificamente, tanto os conservadores quanto os liberais tendem a manifestar descrédito por informações incongruentes com sua visão de mundo. Algumas pesquisas mostraram que, em relação a mudanças climáticas, os conservadores americanos tendem a ser mais céticos que os liberais diante da ciência. “Mas esses estudos prévios não testaram as respostas de diferentes públicos a afirmações de cientistas”, escrevem os pesquisadores.

Para avaliar como o público reage a um cientista engajado, a equipe de Kotcher idealizou um estudo engenhoso. Eles selecionaram 1.235 americanos representando todo o mix social e político do país. Os participantes foram convidados a ler a biografia do cientista Dave Wilson, um personagem fictício criado para o estudo. Para alguns dos pesquisados, Wilson foi descrito como acadêmico de uma prestigiada universidade. Para outros, como meteorologista de uma emissora de TV local. Em seguida, os participantes leram posts no Facebook supostamente escritos por Wilson. Os posts tinham seis tipos de assertivas sobre o clima e um falso link para uma falsa entrevista de Wilson à agência de notícias AP.

Os seis posts de Wilson exploravam todos os possíveis níveis de engajamento de um cientista do clima. O primeiro falava da notícia recente que os níveis de carbono da atmosfera passaram a marca das 400 partículas por milhão. O segundo falava dos possíveis impactos do aquecimento global. O terceiro era uma discussão de prós e contras sobre duas opções para reduzir emissões responsáveis pelo aquecimento. O quarto defendia urgência em medidas contra o aquecimento, sem mencionar nenhuma em especial. O quinto defendia claramente uma medida: limitar emissões de usinas a carvão (uma proposta idealizada para agradar aos liberais americanos). O sexto posto defendia outra medida: construir mais usinas atômicas (proposta idealizada para o gosto dos conservadores americanos).

Diante desses posts do fictício Wilson, os participantes do estudo deveriam avaliar se o cientista é competente, confiável, honesto, sincero, razoável e preocupado com a sociedade. As respostas para cada uma dessas características de Wilson variavam numa escala de 1 a 7. A partir da média das respostas, os pesquisadores puderam avaliar como a credibilidade do cientista ficou ou não arranhada dependendo do grau de ousadia de cada tese defendida por ele.

Os resultados foram encorajadores para os cientistas ativistas.

O grupo de Kotcher descobriu que a credibilidade do fictício Wilson foi a mesma quando ele apenas informava sobre o fato científico ou quando ele discutia formas de combater as mudanças climáticas, discutia prós e contras, defendia a urgência na ação ou pregava limites para emissões de usinas de carvão. A única situação em que a credibilidade de Wilson balançava era quando ele defendia especificamente a expansão das usinas nucleares.

Os pesquisadores também não mediram nenhuma diferença na confiança geral em relação à comunidade científica como um todo, independentemente do tipo de posição defendida por Wilson. E a credibilidade de Wilson foi a mesma quando ele era identificado como acadêmico ou como meteorologista da TV.

“Nossas descobertas contribuem para o debate de como os cientistas podem participar com segurança da discussão sobre políticas públicas”, escrevem os pesquisadores. “Nosso resultado sugere que os cientistas que queiram defender certas causas podem fazer isso sem dano direto de sua credibilidade ou da credibilidade da comunidade científica.”

A pesquisa pode mudar a percepção cautelosa de alguns pesquisadores. Principalmente diante das experiências passadas. Na medida em que os pesquisadores começaram a ter mais clareza do tamanho do desafio climático para a humanidade, começaram a se posicionar. Algumas dessas ações são mais institucionais, como os relatórios do IPCC, painel de clima da ONU. Outras ações foram individuais de um ou outro pesquisador. Todos sofreram com reações fortes. O IPCC foi acusado de desonestidade. Outros cientistas mais ativos, como Michael Mann e James Hansen, tiveram de lidar com situações complicadas.

Pode ser que as vozes dos cientistas fiquem mais fortes agora.

Fonte – Alexandre Mansur, Blog do Planeta de 02 de março de 2017

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