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Febre alta

by thepres6 

Há pouco mais de uma semana, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC, na sigla em inglês) – órgão da ONU que reúne cientistas da área – divulgou os primeiros dados do que talvez seja a maior pesquisa já feita sobre as alterações no clima do planeta. A conclusão do grupo de 2.500 cientistas, entre autores e revisores, de todo o mundo foi simples: se nada for feito, as conseqüências para a humanidade, “muito provavelmente” (90% de certeza) a principal responsável por tudo isso, podem ser catastróficas. Como afirma a ONG ambientalista Greenpeace, “o planeta está com febre, cada vez mais alta”.


De acordo com o relatório, 11 dos últimos 12 anos foram os mais quentes da história desde que temperatura começou a ser medida em todos os continentes, em 1850. Tudo culpa do excesso de gases causadores do efeito estufa, principalmente o gás carbônico, emitidos por nós. Se em 1990 a humanidade emitiu 23,3 bilhões de toneladas de CO2, de 2002 a 2005 a média foi de 26,4 bilhões, ou 13% a mais. A temperatura vai continuar a subir – de 1,1ºC a 6,4ºC até o fim do século, numa média de 0,2ºC por década. O mais provável é que suba cerca de 3ºC. Pode parecer pouco, mas a analogia com o corpo humano, proposta pelo Greenpeace Internacional, é válida. Três graus a mais na temperatura significam febre alta. Quando o termômetro marca 39,5º, começamos a ter diversas reações: fraqueza, perda de líquidos etc. O resultado desse calor extra na Terra, um gigantesco organismo, é parecido. Quanto mais calor, mais mudanças e, o pior, em cadeia. Com temperatura acima da média registrada de 1980 a 1999, período tomado como base para o estudo, a tendência é de que as geleiras dos pólos diminuam, dada sua maior exposição ao calor. O derretimento do gelo na Groenlândia e no Ártico foi responsável por 15% do aumento do nível dos mares registrado nos últimos anos, por exemplo. Apesar de afirmarem ainda não ser possível dizer o quanto o volume dos oceanos pode aumentar, os cientistas garantem que isso acontecerá. Segundo os dados do IPCC, caso a temperatura se mantenha entre 1,9º e 4,6º acima da média dos anos anteriores à revolução industrial – o que se projeta para o século 21 – a camada de gelo da Groenlândia chegará ao fim em algumas centenas de anos. No fim do processo, isso pode significar oceanos de seis a sete metros mais altos, observando-se o quadro mais pessimista. Para o fim deste século, a projeção é de elevação de 0,28m a 0,43m. O volume é suficiente para inundar algumas pequenas ilhas do Pacífico, por exemplo.

Com menos gelo, menos raios de sol serão refletidos (uma das funções das grandes camadas de gelo presentes nas extremidades do planeta), e a temperatura da água será modificada. O que era água doce congelada se mistura a correntes marítimas que regulam o ciclo de chuvas mundo afora modificando-as. A salinidade muda, assim como a quantidade de vapor produzido e, por conseguinte, o volume de nuvens formadas e precipitadas.

Outro desdobramento provável desse quadro é o aumento de chuvas nas áreas de maior latitude; nas subtropicais, como algumas regiões brasileiras, menos. Com oceanos mais quentes, o regime de ventos também deixa de ser como é hoje. A probabilidade de furacões e tempestades tropicais serem formados também aumenta –certeza inédita até agora.

Com mais ou menos chuva e mais calor, a agricultura será modificada. Regiões frias terão a possibilidade de colher mais alimentos. Já as tropicais, sofrerão com o calor e terão de adaptar a produção ao novo clima. Áreas já secas, como o nordeste brasileiro, terão escassez de chuva por períodos ainda mais prolongados. Os preços dos alimentos certamente mudarão, dadas as novas condições em que são colhidos.

Os rios que são alimentados, em última instância, pelo derretimento da neve acumulada em altas montanhas, como os Andes, também serão prejudicados. Até mesmo a prática de esportes de inverno, entre eles o esqui e o snowboard, bastante populares nos EUA e na Europa, está ameaçada. O volume de neve já está diminuindo, prejudicando as pistas e levando resorts a reverem suas estratégias de atração de clientes.

Apesar das conseqüências para os ricos, quem sofrerá mesmo são os mais pobres. “São os mais pobres, na África e nos pequenos estados insulares em desenvolvimento quem irá sofrer mais, ainda que sejam os menos responsáveis pelo aquecimento global”, afirmou Ban Ki Moon, o novo secretário-geral das Nações Unidas, em recente conferência sobre meio ambiente realizada em Nairóbi, Quênia.

O continente africano é o menor emissor de gases causadores de efeito estufa, mas, devido a questões geográficas e de subdesenvolvimento, ele será um dos mais afetados, garantem os especialistas. O aumento da desertificação da área em torno do deserto do Saara e a cada vez menor camada de neve do monte Kilimanjaro, na fronteira do Quênia com a Tanzânia, são exemplos do que está por vir.

Reações

As previsões do relatório assustaram e repercutiram em todos os cantos do mundo. Diversos governos anunciaram o começo de programas de diminuição das emissões de gases tóxicos. A Comissão Européia, por exemplo, propôs a todos seus países-membros a obrigação de os novos automóveis a cortarem suas emissões médias de gás carbônico de 163 gramas por quilômetro rodado para 120 g/Km. Um acordo com montadoras está sendo negociado.

No Brasil, o Ministério do Meio Ambiente garante que estamos no caminho certo. As queimadas na Amazônia, principal fonte produtora de gás carbônico nacional, que deixa o país na quinta colocação do ranking dos mais poluidores do mundo, estariam diminuindo. Outro ponto positivo seria uma maior difusão de combustíveis alternativos no país, entre eles o álcool, que polui menos que gasolina e diesel. “Temos dado curso a várias alternativas de substituição de combustíveis fósseis, como, por exemplo, o etanol. Mas precisamos aprofundar essa busca por soluções”, disse a ministra Marina Silva quando o relatório do IPCC foi lançado.

Até mesmo os EUA, sempre refratários a impor mudanças em sua política industrial e hábitos de consumo, anunciaram medidas para tentar conter a emissão de poluentes. O presidente George W. Bush afirmou que pretende ver 20% da frota automotiva nacional operando com etanol até 2020. A meta foi considerada inalcançável por diversos especialistas. A substituição de carros deveria ser muito rápida e não haveria como suprir a demanda a preços razoáveis.

Mesmo assim, foi a primeira medida anunciada pelo Estado norte-americano no sentido de diminuir sua contribuição para o aquecimento global. Bush já havia criado uma enorme polêmica há alguns anos, quando se recusou a ratificar o Protocolo de Quioto, tratado que estabelecia metas bem definidas de redução de emissão de gases-estufa. Sem a anuência norte-americana, o tratado perdeu força, pois é na América do Norte onde se produzem 23% das emissões de poluentes. Em seguida vem a China, com 16,5%. A diferença entre esses dois e os países logo abaixo no ranking é grande. O terceiro colocado é a Rússia (5,9%), seguida por Índia (5,1%), Japão (4,9%), Alemanha (3,2%), Canadá (2,3%) e Reino Unido (2,2%).

O Brasil não aparece nesse ranking, do Relatório de Desenvolvimento Humano, pois a lista leva em conta apenas as emissões oriundas da queima de combustíveis fósseis; das emissões de gases em refinarias e plataformas de petróleo, em indústrias e em aterros sanitários; e da construção civil. A principal fonte de poluição do ar no Brasil são as queimadas.

A resistência em estabelecer compromissos passa por grandes interesses financeiros. A Exxon-Mobil, maior petroleira do mundo e recordista de lucros (foram US$ 39 bilhões só no ano passado), por exemplo, opõe-se a mudanças que possam afetar seus negócios.

A ambição do setor chega a ponto de querer desacreditar o relatório do IPCC. O jornal britânico The Guardian divulgou uma carta assinada por pesquisadores do American Enterprise Institute (AEI) que propõe a cientistas colaboradores do IPCC escreverem relatórios que refutassem ou atacassem a credibilidades do documento do órgão das Nações Unidas. A carta oferece US$ 10 mil por artigo que mostre o quanto o relatório do IPCC seria exagerado ou incoerente. “O objetivo desse projeto é clarear os pontos fracos e fortes do processo do IPCC especialmente no que tange a respostas de políticas públicas à mudança climática”, diz a carta.

Refutações

Apesar das tentativas, será muito difícil desmentir os dados do relatório. Por ser um painel intergovernamental, todos os governos participantes das Nações Unidas têm direito a revisar o texto dos relatórios antes de eles serem divulgados. O órgão conta ainda com a participação de especialistas de algumas ONGs ambientalistas. Assim, como em toda redação de documentos políticos, cada termo é analisado com cuidado para evitar ambigüidades e mal-entendidos futuros. Isso torna uma negativa governamental bastante difícil, uma vez que houve um representante a concordar com o texto final. Foi o que aconteceu com a discussão do uso de termos como “provável” e “muito provável” relacionados aos fenômenos possíveis de acontecerem com o aquecimento global. A regra de utilização dos termos é a seguinte: sempre que houver ao menos 66% de certeza de uma hipótese ser verdadeira, o termo utilizado é “provável”. Se a certeza chegar a 90%, “muito provável” será utilizado.

O que foi divulgado até agora são apenas dados e indicações a serem utilizados no primeiro capítulo do relatório final. Essa primeira parte deve estar pronta até o meio do ano. Até lá, outras versões de outros três capítulos serão lançados.

O próximo, intitulado “Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade”, será divulgado no começo de abril. Ele detalhará os prováveis impactos do aquecimento global ao redor do mundo e as formas de adaptação às mudanças. O jornal australiano The Age antecipou que o documento projeta que entre 200 e 700 milhões de pessoas a mais poderão sofrer com a falta de alimentos até 2080 e que de 1,1 a 3,2 bilhões serão adicionados às estatísticas dos que enfrentam falta de água.

No início de maio, o terceiro relatório – “Combate à mudança climática” – deve ser divulgado. Seu objetivo é analisar meios de frear o aquecimento, informando opções e custos aproximados. Um relatório de síntese, que resumirá todas as descobertas, está previsto para meados de novembro.

Quando finalmente ficar pronto, o quarto relatório do IPCC servirá como base para o estabelecimento de políticas públicas ao redor do mundo. O primeiro, lançado em 1990, resultou na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Cinco anos depois, o segundo foi utilizado para as primeiras negociações relacionadas ao Protocolo de Quioto, assim como o último, de 2000. O relatório final do IPCC, por sua vez, já é cogitado para ser a base de um “Quioto 2”, uma vez que o protocolo atual expira em 2012 e parece que não será cumprido a contento. (RETS)

 

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