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“Imprevisibilidade climática veio para ficar”

Seca no Irã: muitos agricultores não podem recorrer a seguros para ajudar nas perdas de safra

Muita chuva num ano, seca no próximo, temperaturas congelantes no seguinte: variabilidade das condições climáticas como novo normal deve afetar agricultura e pode provocar escassez de alimentos, afirma diretor da FAO.

A Organização das Nações para a Agricultura e Alimentação (FAO) estima que 830 milhões de pessoas já sofram atualmente de insegurança alimentar e que as mudanças climáticas podem agravar o problema nos próximos anos, com secas provocando escassez de alimentos e fome.

Em entrevista à DW, Alex Jones, diretor da Divisão de Clima e Meio Ambiente da FAO, afirma que há pode haver também perdas de nutrientes nos alimentos e que a variabilidade do clima será uma nova normalidade com a qual os agricultores terão de lidar – um problema particularmente grande para países em desenvolvimento.

“Se tivéssemos uma tendência constante poderíamos lidar com isso. O problema é a variabilidade, com eventos climáticos extremos. A imprevisibilidade é o elemento mais difícil, e parece que ela veio para ficar”, afirma.

DW: Estamos enfrentando uma onda de calor global que vem afetando agricultores. Como eles estão lidando com isso?

Alex Jones: É muito difícil para os agricultores lidar com isso no meio de um ciclo [agrícola], especialmente se eles estiverem lidando com uma cultura de ciclo longo, como cereais. Se plantarem trigo ou milho, depois que as sementes estão no solo, não há absolutamente nada que se possa fazer, exceto talvez irrigar um pouco mais.

Trata-se antes de obter informações melhores, plantar sementes mais resistentes. E especialmente dividir o risco, não se concentrar exclusivamente numa única cultura, mas no policultura. Aumentando a biodiversidade no campo, de forma que existam diferentes plantios, você se protege contra o fracasso total.

A seca poderia causar escassez de alimentos e fome nos próximos anos ou décadas? Quais regiões correm mais risco?

Com certeza, é claro que pode causar fome. A estimativa da FAO é que 830 milhões de pessoas sofram atualmente de insegurança alimentar. Elas não têm comida suficiente para comer.

Sabemos também que produzimos alimentos mais do que suficientes no mundo para alimentar a todos. Mas há problemas de distribuição, e cerca de um terço de toda a comida se perde na fase de transformação. Portanto, há muitas lacunas a serem preenchidas aqui; mas obviamente, diminuir a produção pode ser um fator importante.

Também estamos olhando para a questão da perda de nutrientes. Mudanças climáticas, mudanças de CO2 no ar estão tendo um impacto no conteúdo nutricional dos alimentos. Alguns cereais possuem cerca de 10% menos proteína e têm menos minerais e menos vitaminas. Portanto, não é apenas uma questão de quantidade, mas também da qualidade desse alimento.

A seca vai se tornar uma nova normalidade para os agricultores?

Infelizmente, a variabilidade [climática] vai se tornar o novo normal. Muita chuva num ano, seca no próximo, temperaturas congelantes no seguinte e, na sequência, um ano muito bom. Esse é o maior problema. Se tivéssemos uma tendência constante ou soubéssemos que a temperatura fosse subir 2°C e ficaria por aí, poderíamos lidar com isso, 2°C é administrável.

O problema é a variabilidade, com eventos climáticos extremos, como ciclones, furacões, chuvas, queda de granizo e altas temperaturas em agosto no norte da Europa. A imprevisibilidade é o elemento mais difícil, e parece que ela veio para ficar.

As soluções estão ao nosso alcance. Mas por que elas não estão sendo aproveitadas?

Bem, elas são caras, e os agricultores já estão muito estressados com a dificuldade de obter algum lucro. E é claro que num ano como este, em que eles provavelmente vão perder dinheiro devido à seca, se viermos e dissermos: “Bem, nós queremos que você invista mais dinheiro em equipamentos de mobilização reduzida ou nula dos solos”, é claro que eles vão dizer: “Você está louco, eu já estou endividado.”

Trata-se de encontrar vontade coletiva e garantir que todos estejam em igualdade de condições, pois, é claro, se os fazendeiros na Alemanha adotarem isso, mas seus vizinhos de outro país não o fizerem, eles correrão risco em termos de competitividade. Todos nós precisamos concordar com certos padrões para que haja condições equitativas e possamos fazer esses investimentos.

Agricultores em algumas regiões da Alemanha estão enfrentando até 25% de perda de safra. A maioria consegue recorrer a seguros para ajudar a cobrir esses prejuízos. Mas como o seguro funciona quando as perdas ocorrem ano após ano, como pode começar a acontecer?

Os prêmios de seguro subirão. Este é o modo operacional básico de uma seguradora: quanto maior o risco, maiores os prêmios. Então, em algum momento, a questão vai ser: os agricultores poderão pagar um seguro? Será que valerá a pena se os prêmios forem tão altos? Essa é uma preocupação importante.

Poderemos ver um sistema de seguros falhar se os agricultores não conseguirem lidar com o problema. E, é claro, estamos muito preocupados com todos os ainda incipientes planos de seguro de colheitas que estamos tentando ajudar a formar nos países em desenvolvimento, porque eles precisam muito disso.

O Acordo de Paris incluiu o setor agrícola?

Infelizmente não. O Acordo de Paris não mencionou a agricultura. No entanto, desde então, tem havido um enorme progresso. Houve uma grande discussão na COP22 [22ª Conferência da ONU sobre o Clima], chamada Parceria de Marrakesh, que concordou em criar um componente agrícola.

E na COP23, no ano passado, em Bonn, acordou-se o chamado Trabalho Conjunto Koronivia na Agricultura, que é um acordo em que todas as partes da COP trabalharão juntas por dois anos em cinco áreas de foco agrícola, e chegarão a padrões a ser incluídos no Acordo de Paris sobre agricultura.

Então, há coisas em andamento, mas o mundo só precisa se unir para amalgamá-las?

Precisamos acelerá-las, porque não temos duas décadas para trabalhar nisso. Nós realmente precisamos obter resultados dentro de alguns anos. Caso contrário, será tarde demais.

Fonte – Sonya Angelica Diehn, Deutsche Welle de 01 de agosto de 2018

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