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Mensagens publicitárias atuam como instrumento de controle

“Já é hora de dormir / não espere mamãe mandar”: o jingle dos Cobertores Parayba foi desenvolvido para um comercial de TV da década de 1960 e era exibido todos os dias às 21 horas – Foto: Divulgação

Andar na moda, seguir as celebridades em suas atitudes e reações, padrões de beleza e de vida revelam os verdadeiros objetivos das mensagens publicitárias, os quais estão longe de apenas comunicar e vender. Muitas vezes você pensa que escolhe suas roupas, o que vai comer, o que vai estudar, o que vai ensinar aos seus filhos, mas não se surpreenda em saber que suas escolhas são direcionadas pelo poder e penetração das mídias massivas, que exercem quase uma ditadura por meio da linguagem publicitária que atua sobre os indivíduos desde a mais tenra idade: “criança, durma agora, ‘não espere mamãe mandar. Um bom sono para você e um alegre despertar’”. Izabela Domingues, no artigo da revista Estudos Semióticos, procura entender como a publicidade agiu ao longo do século 20 sobre os corpos e mentes dos consumidores e cidadãos, moldando hábitos e condutas, no controle de posturas e modos de vida.

Tendo como característica a disciplina, a sociedade de hoje “é subordinada ao comando do capital e do Estado, tendendo, gradualmente, mas com uma continuidade inevitável, a ser governada apenas pelo critério da produção” e vive-se, de acordo com Domingues, sob ordens, mensagens subliminares que impõem disciplina aos sujeitos “a partir da identidade ou identificação, pelo adestramento, ou ainda, apelo ao risco ou medo”. A publicidade é vista pela autora como o avesso da democracia, um instrumento disciplinar, que atua no inconsciente, em constante vigilância.

A publicidade é vista pela autora como o avesso da democracia, um instrumento disciplinar, que atua no inconsciente, em constante vigilância. Foto: Future of Life Institute

A publicidade nos meios massivos operam de maneira quase imperceptível aos sujeitos que não têm consciência de estarem sendo induzidos a corrigir, a retirar as ditas imperfeições de seu próprio corpo, “submetido, utilizado, transformado e aperfeiçoado, em um ato de submissão”, de acordo com a noção de docilidade atribuída pelo filósofo e pensador Michel Foucault. As mídias buscam controlar o que é bom para os indivíduos em relação ao trabalho, ao lazer, ao amor e ao sexo.

A autora observa a questão do “sequestro das subjetividades” pela publicidade, a exercer uma pressão oculta nas pessoas, subliminarmente, traduzindo aspirações sociais dominantes, como a valorização do status no grupo social. A publicidade é mestra em criar estratégias para buscar estabelecer vínculos de identificação entre consumidores e marcas, torna-se uma aliada da docilização dos sujeitos já nos primeiros anos de vida, na regulação contínua, uniforme e estável do sujeito em todos os setores de sua vida, com vistas à produtividade e boa conduta social ao longo de toda a sua existência.

A disciplina manipula indivíduos como objetos – é o que a autora nos mostra no exemplo da propaganda dos cobertores Parahyba, veiculada no horário de encerramento da transmissão de um canal de TV nos anos 1960, com o intuito de forçar as crianças a desligarem a televisão, irem para a cama e enrolarem-se nos propalados cobertores, pois “Já é hora de dormir, não espere mamãe mandar. Um bom sono pra você e um alegre despertar”, ou seja, a publicidade ensina a autodisciplina, na contenção de vontades e desejos infantis.

A partir do final da década de 1970, com a revolução tecnológica e a globalização da produção, o homem contemporâneo está sempre com medo, competindo, inseguro do futuro em todas as áreas. “O sujeito urbano torna-se alvo de maior vigilância e controle por parte do poder público, mas também por parte da iniciativa privada que cria, como diferencial de mercado, produtos e serviços de segurança diversificados.” Para Domingues, é preciso derrubar o muro, acordar, pois as mudanças virão com a postura crítica de cada indivíduo, cada cidadão, na medida em que nos libertarmos, rompendo padrões impostos, despadronizando-nos, na coragem de sermos nós mesmos, e “dar passagem aos fluxos dos desejos, fabricando nossas singularidades”, desvinculando-nos das armadilhas da mídia.

Izabela Domingues é doutora e mestre em Comunicação Social pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), professora do Núcleo de Design e Comunicação do CAA/UFPE, pesquisadora da Rede Latinoamericana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade – LAVITS (Unicamp/CNPq) e do grupo de pesquisa Publicidade nas Novas Mídias e Narrativas do Consumo (UFPE/CNPq).

DOMINGUES, Izabela. Não espere mamãe mandar: a publicidade disciplinar e a linguagem publicitária no século XX. Estudos Semióticos, São Paulo, v. 12, n. 2, p. 58-65, dez. 2016. ISSN: 1980-4016. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/esse/article/view/127624>. Acesso em: 23/03/2017.

Fonte – Margareth Artur / Jornal da USP de 24 de maio de 2017

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