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O colapso do planeta

Em obra premiada, historiador da Unicamp, Luiz Marques, demonstra a insustentabilidade de modelos baseados na expansão contínua da economia

O ESMERO e esforço hercúleo de reunir em livro um gigantesco banco de dados sobre as mudanças no ambiente da Terra, permeado pelo debate politico urgente sobre o insustentável capitalismo, rendeu ao professor de história da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Luiz Marques, o prêmio Jabuti deste 2016 na categoria literatura científica. Em Capitalismo e Colapso Ambiental, que ganhou segunda edição neste fim de ano, o isso-isso-aquilo (formação) desconstrói o modelo socioeconômico baseada em valores capitalistas, sobretudo o do eterno crescimento, e ideais de desenvolvimento e progresso que, se nos planos e utopias ainda podiam ser alcançados dentro de velhos modelos, podem não ser mais possíveis no ambiente real do planeta.

A ideia de insustentabilidade da marcha capitalista e desenvolvimentista justifica a obra. Luiz Marques está entre os que defendem o decrescimento econômico, desde uma posição ecossocialista. Que ele defende em oposição não apenas ao mundo capitalista, mas também à tradição de parte da esquerda, desenvolvimentista e crente em um curso obrigatoriamente de evolução social: “Na tradição hegeliana e marxista. vamos dizer assim, o tempo estava a nosso favor e, como o mundo avançava para o progresso, a esquerda lutava sabendo que, mais cedo ou mais tarde, a justiça social prevaleceria. A situação mudou e a esquerda talvez não perceba isso na sua devida conta, é que não temos mais tempo”, defende ele, entre outros temas, na entrevista.

Para o autor, nossa capacidade de mudar algo no curso da tragédia ambiental se concentra em poucas décadas. “Os próximos decênios, são os últimos decênios nos quais nós ainda teremos alguma possibilidade de interferir nas dinâmicas do sistema Terra, interferir benevolamente”, diz Luiz Marques, que deixou seu campo tradicional de estudo, a história da arte, para dedicar-se à pesquisa do que chama de “caos socioambiental”. Confira abaixo.

Aray Nabuco – Ao terminar seu livro, a tragédia é completa e bem à frente, não há mais tempo a perder com o capitalismo, não é?

A tese central do livro justifica a razão de ser dele: a ideia de que não podemos proceder a uma série de medidas, vamos dizer assim, de mitigação, de amenização do colapso ambiental, não vamos reverter esse processo numa sociedade expansiva, numa sociedade cuja economia se define pela lógica de acumulação do capital. Então, se nós permanecermos nessa lógica, nós permanecemos necessariamente numa trajetória do colapso. Nós podemos amenizar o colapso. O colapso são processos que podem ser mais ou menos intensos. O capitalismo pode chegar, no meu entender, a diminuir a velocidade do impacto, mas ele não evita o impacto. Não vai impedir 0 impacto por uma razão, a mais elementar, qualquer criança pode entender, certo? Você não cresce indefinidamente em um mundo finito. Existem vários parâmetros que mostram que nos anos 1970 nós ultrapassamos esse limite. Hoje, nós estamos consumindo um planeta e meio por ano.

Lilian Primi – Qual é a marca que indica que nós ultrapassamos esse limite?

O Global Footprint NetWork, que é a ONG que trabalha com esses parâmetros, estabelece o seguinte: qual é a área. em hectares terrestres e em hectares marítimos, em termos de recursos marítimos, necessária para a manutenção, a sobrevivência e a reprodução dos indivíduos no planeta. Isso dá mais ou menos 1,2 hectare, se minha memória não falha. Nós estamos em 1,7 hectare. Esse dado é discutível até, mas existem outros parâmetros que podem ser ainda piores.

Lilian Primi – Esse é um critério discutível, por quê?

Porque é um critério relativamente… é abstrato, ele é um pouco convencional, quer dizer, qual é, num certo momento da tecnologia, qual é a área necessária para a produção de alimentos e outros bens equivalentes, que são convertidos em uma área de hectare. É um critério básico, mas que é aceito de forma geral. Foi discutido pelo Fred Pearce uma vez, mas o que o Fred Pearce alega é que pode ser um critério relativamente benigno, pode ser que outros critérios na verdade sejam uma situação pior.

Aray Nabuco – Nesse rumo não há futuro…

Há um número crescente de economistas, eu diria economistas porque são, provavelmente, os últimos a reconhecerem esse fato (risos), que admitem esse fato. A economia capitalista, que teve seus anos dourados, vamos dizer assim, de 1945 até 1973, a primeira crise do petróleo, e que crescia a uma taxa de 4,5%, 5% ao ano. ela não vai mais poder fazer isso, ela já não faz mais isso desde 73. Ela foi caindo e hoje nós estamos em torno de 3%, mas, se você tirar a China e a índia dessa média, cai muito. E é um custo ambiental excessivo para eles. Então, é insustentável, a muito curto prazo. E a China é a primeira a reconhecer esse fato e ainda consegue tomar algumas medidas, mas a índia não consegue tomar medida nenhuma, simplesmente porque não tem praticamente um modelo central na índia. A China, ela tem condições ainda de tentar manobrar certos planos quinquenais que eles fazem lá, a índia não. Talvez os dois países, se você retirar do computo geral do crescimento global, crescimento econômico anual, você vê que o crescimento é cada vez menor. Ora, para uma sociedade em que economia tem por definição manter a taxa de lucro, isso é que é a lógica e a razão de ser dessa economia…

Lilian Primi – Crescer a taxa de lucro, né?

O lucro tem que crescer todo ano. O lucro sim, mas a taxa de lucro não, certo? A taxa de lucro tem que ser mantida pelo menos, está certo? Então, evidentemente, ela vai tomar cada vez mais medidas que são mais invasivas, mais perturbadoras do ponto de vista ambiental para manter essa taxa de lucro. Então, o problema do crescimento é muito claro para mim, é o seguinte: nós vamos decrescer, não é que é uma opção crescer ou decrescer, não existe essa opção, nós vamos decrescer. Tem duas formas de decrescer: de forma caótica ou decrescer de uma forma organizada.

Aray Nabuco – Então você é a favor do “desprogresso”, do decrescimento?

A palavra é o decrescer. Talvez a palavra progresso seja agora exatamente decrescer. Acho que a gente usa duas palavras diferentes, a gente usa no mesmo sentido, em geral, duas palavras com sentidos muito diferentes, que é desenvolvimento e crescimento. Desenvolvimento não tem nada a ver com crescimento. Então, para que a gente consiga se desenvolver, a gente tem que parar de crescer. Esses dois conceitos, que andavam juntos, agora estão divorciados cada vez mais. Vamos dizer assim, desde o século 14,15,16, a ideia de aumentar o excedente é benigna, aliás, era mesmo. Quanto mais você tivesse bens naquele momento, mais você se sentiria seguro, mais você estaria seguro em relação às intempéries da natureza, em relação às outras espécies, em relação a doenças, em relação à tua própria espécie, agressão da tua própria espécie e as sim por diante. Isso é benigno até um certo momento, a partir de um certo momento, você ultrapassa uma escala. Essa escala é a escala na qual você interfere de tal maneira no meio ambiente que o contragolpe disso é pior do que…

Lilian Primi -… Do que 0 beneficio que você tem.

Exatamente.

Aray Nabuco – Não à toa que a elite econômica começa a debater sobre isso nos anos 70 e nem à toa que os países assinaram um “acordo histórico” sobre 0 clima na COP 22, em Paris. Parece que estão constatando uma tragédia de fato, então não tem mais como escapar.

Acho que você tem toda razão. Se você pegar o último relatório da reunião de Davos, que eles fazem anualmente, The World Economic Forum, você vê 0 que os empresários detectam como os riscos mais importantes para os negócios, entre os quatro maiores riscos, três estão vinculados imediatamente à questão ambiental. Então, há claramente uma consciência… Aliás, eles e os militares, o Pentágono está muito preocupado com essa questão. O Pentágono, desde 2004, faz relatórios constantes sobre os riscos crescentes de perturbações oriundas de degradações ambientais. O problema é que eles podem estar tão preocupados quanto quiserem, mas eles são prisioneiros de uma lógica… Vamos dizer, não dá para você falar assim: fume e pare de fumar, coma mais e emagreça. Não dá. A situação é muito complexa.

No acordo de Paris, são 193 países, se a memória não falha, que ratificaram esse acordo. Vamos esquecer o Trump, nào vamos nem pensar… Vamos imaginar que esses países todos, por um golpe magnífico da fortuna, cumpram o prometido, cumpram os seus iNDCs (Contribuições Intencionais Nacionalmente Determinadas, no português), aquilo que eles voluntariamente prometeram realizar em termos de redução das emissões de gases do efeito estufa. Se todos eles cumprirem, o que nós estamos já no reino da ficção, a temperatura, segundo todos os parâmetros científicos, crescerá, até 2050,2,7 graus. Até 2100, de 2,9 a 3,5. Portanto, vamos pensar que ela vai crescer em tomo de 3 graus. Três graus, numa média global, temperaturas médias globais, significa que você está fazendo uma média entre as temperaturas marítimas e terrestres de várias regiões e implica crescimento de mais de 7 graus no Círculo Polar Ártico. Ora, em toda a região do Ártico, é a região onde estão armazenadas quantidades gigantescas de metano e o metano é um gás do efeito estufa com potencial de aquecimento global muito maior do que o C02.

Lilian Primi – E vai liberai isso?

Já está liberando, o problema é saber qual é a rapidez dessa liberação, porque 0 metano é um gás com uma duração na atmosfera muito menor do que o COy O COi demora 100 mil anos, o metano dez, onze anos. Acontece que ele se converte, ele não vira neutro, ele se converte em CO; e em moléculas de água, dois gases do efeito estufa. O problema é saber qual é a velocidade da liberação do metano. Os cientistas têm dificuldade em calcular essa questão no momento, mas sobretudo os cientistas do Ameg, chama Artic Methane Emergency Group, esses caras acham que nós estamos fritos. Então, por causa disso, eles propõem, como último recurso, emissões negativas, ou seja, sequestrar o CO, da atmosfera. Para sequestrar o CO, da atmosfera, existem algumas possibilidades, que são você bombardear enxofre nas nuvens para aumentar a reflexividade delas e, portanto, aumentam o albedo a reflexividade dela. Existem três ou quatro procedimentos laboratoriais, experimentais, em relação a isso. São ainda completamente experimentais, ninguém sabe quais os efeitos disso, nunca foi testado em escala, porque uma coisa é você tomar um pouquinho, outra é tomar um balde, certo? É totalmente diferente a escala, o efeito que você pode ter. Primeiro que, tecnologicamente, não se sabe nem se é possível fazer isso, segundo se o custo é viável e terceiro quais são as consequências. Então, essa ideia de emissões negativas, que está na cabeça de alguns cientistas mais imprudentes, em parte nasce do fato da constatação dos próprios cientistas de que não existe outra solução.

Aray Nabuco – Porque muita gente que ainda é negacionista, usa do argumento da ciência, coloca as esperanças em alguma tecnologia. Devemos pôr as esperanças nisso?

Eu acho que é completamente infantil, né? É uma história Deus ex machina do teatro, chega na última hora. no quinto ato, chega a ciência que vai nos salvar, a famosa bala de prata e assim por diante. Isso tudo é ficção, é pura ficção. Os primeiros a saberem disso e a dizerem isso são cientistas. Ouer dizer, os cientistas são os primeiros a dizer: não confiem em soluções tecnológicas. Se você achar um texto de um cientista, de um corpo cientifico respeitável que aposte nessa alternativa, gostaria de ler, porque eu não vi nenhum até hoje. Ao contrário. Os cientistas são os primeiros a alertar para o fato, o seguinte: as soluções não podem ser apenas tecnológicas. É claro que elas vão passar pela tecnologia, mas elas não podem ser tecnológicas. Não existe tecnologia para reverter o clima do planeta.

Aray Nabuco – A gente estava falando em desenvolvimento e progresso, a esquerda no Brasil, tirando um pequeno setor que já fala em ecossocialismo, em geral, é desenvolvimentista na sua busca por justiça social. Como resolver essa encruzilhada desse traço?

Olha. pessoalmente, eu acho que não é nenhuma encruzilhada. Ouando se fala em decrescimento, que é um termo que, ao meu ver, significa ecossocialismo, são equivalentes, quando eu falo nisso, não se está falando em um decrescimento em termos absolutos. Você não está falando que não vai investir em infraestrutura sanitária, em mobilidade coletiva Não, ao contrário. Se você investe em infraestrutura sanitária, em termos globais, ou em mobilidade coletiva, você diminui o impacto. A questão do decrescimento é as sim: não se deve crescer onde não é absolutamente necessário para que haja diminuição do impacto, para estabelecer os parâmetros mínimos, pelo menos, de dignidade e complexidade de vida social. Ou seja, parâmetro mínimo significa qual é a definição que nós temos que ter, e ela tem de ser redefinida, para definir uma vida civilizada.

O decrescimento não é. disse o Serge Latouche muito bem, simétrico do crescimento. O decrescimento é uma redefinição qualitativa do que significa crescer. E um dos parâmetros fundamentais para essa redefinição é a diminuição do impacto ambiental. Então, muitos investimentos não vão ter somente um impacto irrisório, eles vão ter um impacto positivo. Assim, eu acho que não existe nenhuma incompatibilidade entre a ideia de decrescimento e a ideia de que nós temos de aumentar o nível de vida da população que está vivendo em pobreza absoluta, que é hoje a maioria da população do planeta.

“É uma história Deus ex machina do teatro, chega na última hora, no quinto ato, chega a ciência que vai nos salvar. Isso tudo é ficção, é pura ficção. Os primeiros a saberem disso e a dizerem isso são cientistas”

Aray Nabuco – E o papel das ONGs ambientalistas nesse enfrentamento ao capitalismo? Em alguns casos é ambíguo, são financiadas pelos grandes capitalistas, por exemplo…

Veja, sou bem moderado neste aspecto. Eu acho que para que nós saiamos dessa situação de impasse, a gente vai ter que contar com uma ampla gama de alianças que vão, vamos dizer, se distribuir em posições ideológicas muito diferentes, desde posições que são ao meu ver as mais coerentes, que são as posições claramente anticapitalistas, até posições de instituições, até de empresas que querem de alguma maneira diminuir o seu impacto. As ONGs, elas não são a solução, mas elas podem ser úteis. Elas têm que estar presentes ne ssa, numa situação de saída. Acho que a nova divisão de águas vai ser, no fundo, aqueles que de alguma maneira, ainda que não seja a maneira mais eficiente, trabalham para diminuir o impacto e aqueles que, ao contrário, estão se beneficiando de impactos cada vez maiores.

Aray Nabuco – Falo isso porque as expressões políticas dos movimentos ambientalistas se tomaram opções de centro e centro-direita, praticamente, dto o PV aqui no Brasil, o PV na Alemanha…

O fato é que hoje nós não temos, e precisamos ter, alguma forma de organização política, seja ela um partido, uma frente, não sei o nome disso, capaz de formular uma politica alternativa ao capitalismo, nós não temos isso. E essa para mim é a tarefa central.

Lilian Primi – Os partidos de esquerda não oferecem isso?

Os partidos de esquerda não fazem isso, eles não têm uma elaboração alternativa ao capitalismo, sobretudo naquilo que o capitalismo tem, ao meu ver, de mais nocivo, que é o principio da acumulação. O que os partidos de esquerda têm, e é preciso que eles tenham, é uma política preocupada, focada na distribuição mais democrática do excedente, ou seja, maior participação na renda nacional dos trabalhadores. É uma tarefa ultrapassada? Não, é uma tarefa presente, absolutamente crucial. Mas, ela não se basta mais e ela não é, talvez, mais possível sem que nós foquemos no outro lado. Porque as conquistas sociais que esses partidos de esquerda convencionais vão conseguir, ou conseguiram, serão efêmeras se eles não levarem em consideração o fato de que o estrangulamento ambiental está ali, na esquina, e, portanto, nem aquelas conquistas sociais vão ser possíveis de se manter. Então, os partidos de esquerda têm de se reformular, eles têm que pensar que, para que as conquistas sociais sejam efetivas, é preciso focar na questão ambiental. Então, não é uma contradição, ‘’ah, eu vou ser mais social” ou “vou ser mais ambiental “. Não. Para você ser social, você tem de ser ambiental. Essa questão, ao meu ver, que nós não temos como foco uma formulação política, uma ação política que ao mesmo tempo seja radicalmente anticapitalista, porque a gente sabe que no capitalismo não há saída, e que seja capaz de, vamos dizer assim, de conversar com as experiências das ONGs, as experiências das conquistas ambientais e sociais que já existiram até hoje. Elas são às vezes pequenininhas, às vezes não tão pequenas etc., mas todas elas são valiosas. Eu tive um exemplo, ao meu ver, que me parece o mais assim radical, em termos de ser moderado… o Partido Verde. É um partido que sequestrou a bandeira ambiental, está certo? E na verdade não trabalha, não está à altura do que o seu nome sugeriria. Entretanto, o atual ministro do Meio Ambiente [Sarney Filho, do PV) conseguiu fazer com que se vetasse incentivos à indústria do carvão. Isso é positivo? É, é positivo. Resolve o problema? Não, não resolve o problema, mas sem isso seria ainda pior, está certo?

Aray Nabuco – Entendo.

Porque nós vamos colapsar, isso não tem dúvida nenhuma, mas depende do tamanho do paraquedas e isso aumenta um pouquinho o paraquedas.

Aray Nabuco – Baseado no fato de que clima e desastre climático não têm fronteira, fala-se em governança global. Você é a favor dessa governança?

Absolutamente sim. Não existe hipótese de nós acharmos que, porque o Canadá tem areias betuminosas, ele pode se permitir explorá-las. porque o Brasil tem a Floresta Amazônica, que ele pode se permitir destruir para plantar soja. Isso não pode mais depender de governos nacionais. O capitalismo é que criou os estados-nação. A necessidade de superar o capitalismo implica necessariamente a necessidade de superar o conceito de estado-nação. Não significa perder a noção de identidade, você vai dizer: sou brasileiro, a gente tem coisas em comum.

Lilian Primi – Mas você tem uma soberania política que vai por terra. Você está falando de tirai da decisão dos países como ele vai explorar suas riquezas.

É lógico, é logico.

Lilian Primi – E isso, num planeta desigual politicamente, pode ser um desastre.

Por isso a necessidade de uma governança. Governança não significa tábula rasa, significa você estabelecer critérios adequados para cada situação. Existem instituições para isso. existe uma coisa chamada ONU. Agora, a ONU não pode depender do Conselho de Segurança…

Aray Nabuco – Na busca de alternativas de produção de energia, fala-se energia renovável ou limpa, mas hoje não tem nenhuma tecnologia que não produza algum impacto…

A palavra limpa é, evidentemente, uma palavra inapropriada. Não existe energia sem impacto. Nós somos energéticos, a nossa energia biologica produz impacto. Tudo aquilo que é um evento energético no planeta ou no universo produz impacto. Então, dizer que existe uma energia sem impacto, evidentemente não é uma palavra apropriada, é uma bobagem. Existem as energias de menor impacto e energias de maior impacto. As energias de menor impacto são essas energias chamadas renováveis, que, como você bem disse, renováveis não são. O vento é renovável, a luz do sol é renovável, mas todo equipamento que você precisa para captar isso não é necessariamente renovável. Agora, se você pensar, colocar na ponta do lápis qual é o impacto das energias fósseis, você colocar na ponta do lápis qual é o impacto das energias não fósseis, tirando a hidrelétrica, a hidrelétrica é um caso à parte, você vai ver que o impacto de uma é menor que a outra. O problema é que, não é apenas a questão de qual tem maior ou menor im pacto, o problema é definirmos qual é o nivel de energia necessário para que nós tenhamos um nível de vida civilizada. Porque não adianta nada você ter a energia mais renovável do mundo se achar que você pode produzir energia ilimitadamente, você vai acabar tendo o mesmo impacto de uma energia combustível, de combustível fóssil. Então, são duas questões fundamentais: a primeira é definir quais são as energias de menor impacto; a segunda, mais importante ainda, e definir qual é o nivel aceitável de produção e consumo de energia para uma segurança adequada.

Lilian Primi – Implica em redefinir como vai ser a sociedade e a civilização.

O que significa ser civilizado? Eu vou ter que aceitar uma outra definição de civilizado. Porque a definição que eu tenho de civilizado hoje, é uma definição quanto mais eu puder usar avião, quanto mais eu tiver ar-condicionado, mais carro etc., mais civilizado eu sou. Essa definição não serve. Então, você tem que redefinir o que significa ser civilizado, o que é muito diferente de dizer: “ah, mas você quer que eu volte para a Idade da Pedra”.

Lilian Primi – Que é o discurso…

É o discurso da direita, está certo?

Lilian Primi – Não só da direita…

Veja, o caso dos computadores, é extremamente interessante porque grande parte dos computadores hoje são movidos a carvão.

“Os partidos de esquerda não fazem isso, eles não têm uma elaboração alternativa ao capitalismo, sobretudo naquilo que o capitalismo tem, ao meu ver, de mais nocivo, que é o princípio da acumulação”

Aray Nabuco – Sim, Estados Unidos, Europa…

Porque a matriz energética, a energia é carvão. A febre dos computadores foi muito interessante porque houve uma otimização do uso da energia por byte absurda, enorme. Entretanto, a partir da banda larga e do wi-fi, houve um aumento da demanda de energia que e exponencial. Há uma pesquisa muito interessante que mostra o seguinte, os dados eu não lembro exatamente, mas basicamente é o seguinte: o que nós acrescentamos de dados na rede hoje em uma hora, equivale ao que nós acrescentamos em todo o ano de 2001. Isso significa um consumo energético gigantesco. Existem fazendas de computadores, desses grandes servidores, que são movidos, no caso dos Estados Unidos e da China, a carvão.

Aray Nabuco – Basta ver o desespero de todo mundo procurando uma tomadinha no aeroporto.

Então, quando o cara fala que está na nuvem, está na nuvem, uma banana que está na nuvem. Nuvem é um jeito de você neutralizar o problema, entendeu? Está na nuvem significa que não está em lugar nenhum. Está em lugar nenhum? Está em uma fazenda lá no Kansas ou em Nevada ou em algum outro lugar.

Aray Nabuco – Exatamente.

Eu acho que essa questão, para botar o ponto, precisa dar o nome aos bois. Não significa que os esforços de sustentabilidade dentro do capitalismo são zero. Eles não são zero, apenas eles não resolvem o problema. Eles podem ajudar a diminuir o problema. É diferente de você resolver, mas você pode diminuir o problema, certo? É como um carro que vai bater em uma parede. Se você bater a 20 quilômetros por hora é melhor que você bater a 30 ou 40 e assim por diante. Politicamente, a gente não pode perder o horizonte de que não há saida dentro do capitalismo. Agora, existem pequenas melhoras dentro do capitalismo. Não adianta a gente falar, “se é capitalismo não adianta nada” ou “se não é capitalismo adianta tudo”.

Aray Nabuco – Como você vê a dissidência do Rede e do Raiz, que tem uma pegada ecossocialista?

Eu não acompanhei de perto isso, mas até onde eu sei, o Raiz surge num momento em que a Marina Silva apoia o Aécio Neves.

Aray Nabuco – Foi o racha da Erundina, Célio Turino…

É, exatamente. Então, eu tenho 0 maior respeito pela biografia da Marina Silva, eu acho que a Marina tem uma folha de serviços prestados por causa do desmatamento da Amazônia, que não pode ser desconsiderado. Eu acho que foi muito importante, um patamar de 27 mil quilômetros quadrados por ano de perda de floresta, corte raso, quando a Marina saiu, em 2008. nós estávamos em 11 mil e ela desencadeou uma dinâmica que chegou a 5,4 mil, em parte por causa dela, porque ela colocou o Ministério do Meio Ambiente numa certa situação. Isso eu estou dizendo de gente que me contou, eu não estava lá, tá?

Lilian Primi – Parecia que ela ia funcionar, né?

De certa maneira ela desencadeou um processo de decrescimento que chegou a 80% de diminuição da perda florestal. É pouco? Não, é muito. É importante? É superimportante.

Aray Nabuco – Sim, certamente.

Não dá para jogar fora, isso é um crédito dela. Qual é o débito dela ao meu ver? O débito dela é o fato de que ela não percebeu, por razões que eu desconheço, porque eu não a conheço pessoalmente, que se ela se transforma numa força auxiliar do PSDB, ela não conseguirá constituir uma alternativa política para o Brasil.

Fonte – Caros amigos de dezembro de 2016

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