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Para se opor a Trump, os cientistas têm de ser políticos, diz pesquisador

NA JUSTIÇA O filósofo americano Arthur Caplan. “Se houver mortes, os responsáveis têm de ser processados” (Foto: Divulgação)

O filósofo americano Arthur Caplan. Segundo ele, os cientistas devem aprender a se comunicar, para se opor a Trump (Foto: Divulgação)

Para o professor Arthur Caplan, da Universidade de Nova York, diante de um presidente avesso à ciência, os pesquisadores têm de mostrar ao eleitorado a relevância da investigação científica

Passaram-se poucos dias desde que Donald Trump assumiu a Presidência dos Estados Unidos, na última sexta-feira (20) – tempo o suficiente para deixar apreensiva a comunidade científica do país. No espaço de uma semana, o novo mandatário apagou menções ao aquecimento global de sites ligados à administração federal; determinou que todo dado produzido pela Agência de Proteção Ambiental, o principal órgão a tratar do assunto no país, deverá passar por revisão do governo; e sinalizou que fará cortes no financiamento de programas federais destinados a estudar ciências da terra, como o mantido pela Nasa.

Para Arthur Caplan, professor de bioética da Universidade de Nova York, o novo governo sofre de um problema de ordem quase filosófica, e que o coloca em rota de colisão com os cientistas: “Donald Trump defende a existência de ‘fatos alternativos’”, diz Caplan. “A ideia de que os fatos são formados pelas crenças das pessoas, de que cada um tem sua versão dos fatos – e que todas estão corretas –, é algo que contraria os preceitos da investigação científica.” Para Caplan, a comunidade científica tem uma parcela de culpa pela ascensão de um presidente avesso à ciência. Segundo ele, os pesquisadores falharam ao não comunicar à população a relevância das pesquisas que fazem: “Os pesquisadores são distantes dos eleitores”, afirma. Diante de um presidente como Trump, os pesquisadores devem erguer a voz – mesmo que isso signifique concorrer a cargos políticos tradicionais.

ÉPOCA – Passaram-se poucos dias desde que Trump assumiu a Presidência, mas parte da comunidade científica já organiza mobilizações contra o novo governo, como uma marcha em Washington, inspirada pela Marcha das Mulheres. Por que a comunidade científica está apreensiva?
Arthur Caplan –
A comunidade científica está insatisfeita por quatro razões. A primeira é que Trump mostrou ignorar evidências científicas ao tratar de questões-chave, como mudanças climáticas. Em segundo lugar, ele vem indicando, para cargos importantes no novo governo, pessoas que já demonstraram não ser favoráveis à ciência, como o novo chefe da Agência de Proteção Ambiental, Scott Pruitt. Trump não tem consultores científicos, nem demonstra qualquer interesse ou respeito pela produção científica.  Em terceiro lugar, ele e os membros de seu governo defendem a existência de “fatos alternativos” – algo contrário ao pensamento científico no extremo. A ciência acredita que há fatos, que a investigação científica pode elucidá-los.  E ouvir o presidente falar que os fatos são formados pela crença das pessoas, dizer que cada um tem sua versão dos fatos – e que todas estão corretas – é algo que contraria os preceitos da investigação científica. Em quarto, existe também o temor de que esse novo governo crie formas de censurar a ciência. Eles já tiraram algumas informações sobre mudanças climáticas, por exemplo, de sites ligados à administração federal. As medidas recentes fazem parecer que o governo quer controlar o que os cientistas dizem. Algo que os pesquisadores desprezam.

ÉPOCA – Quais áreas da ciência correm maior risco de ser afetadas por decisões do novo governo?
Caplan –
Ainda não sei quais campos estão mais ameaçados. Mas há pontos de tensão para pesquisas sobre reprodução, questões relacionadas a direitos reprodutivos. Muitos conservadores defendem ações nessa seara que não são consistentes com a ciência. Ações que incluem não financiar organizações internacionais que mencionem aborto ou tratem do assunto. Os resultados podem ser trágicos. O desenvolvimento de fármacos também pode ser afetado pelas medidas de Trump, pois existe a possibilidade de que a regulação para a produção de novas drogas seja flexibilizada. Pode parecer que as grandes companhias serão beneficiadas por isso, mas na verdade elas são favoráveis a certos mecanismos regulatórios – esses mecanismos as ajudam a demonstrar que seus medicamentos funcionam, ajudam a evitar que pessoas sejam prejudicadas por medicamentos ruins ou mesmo morram. Além disso, Trump é extremamente xenófobo. E há grandes cientistas trabalhando nos Estados Unidos que são imigrantes. Cientistas com carreiras consolidadas e também pesquisadores iniciantes, pós-doutorandos. Se as pessoas começarem a perceber os Estados Unidos como um lugar inseguro para estrangeiros, recrutar bons pesquisadores para colaborações pode se tornar mais difícil. Ainda acho que os Estados Unidos continuarão atraentes – mas será mais difícil recrutar esses talentos. Corremos o risco de perdê-los para outros países, como a China.

ÉPOCA – Por que um homem como Trump, avesso à ciência, se tornou atraente para parte expressiva do eleitorado americano? Quando o assunto é ciência, há muitos que pensam como ele?
Caplan –
Em parte, isso acontece porque os cientistas nunca foram realmente bons em vender seu trabalho para a população americana. Os pesquisadores são distantes dos eleitores, seus trabalhos são pouco entendidos. Além disso, políticos populistas têm pouco tempo para a ciência. Para eles, esse tipo de trabalho representa uma ameaça. Os cientistas não foram políticos o bastante. A maioria simplesmente continuou a fazer o próprio trabalho supondo que, o que quer que acontecesse no âmbito eleitoral, o governo continuaria a apoiá-los e a financiar suas pesquisas – no caso dos pesquisadores trabalhando em instituições federais. É preciso lembrar que um dos motivos de a ciência americana ter se desenvolvido muito no século XX foi a Guerra Fria. O governo precisava de cientistas para desenhar armas. Sem esse tipo de bicho-papão à espreita, a ciência não é útil de maneiras óbvias para o governo.

ÉPOCA – O professor Michael Eisen – cofundador da Plos one, uma revista científica importante – pretende concorrer ao senado americano e defende que mais cientistas deveriam fazer o mesmo. Tornar-se políticos no sentido estrito, de modo a influir mais diretamente na formulação de políticas públicas. É um caminho?
Caplan –
Sim. Eu concordo inteiramente com Eisen. Desse modo, haveria mais legisladores capazes de entender a importância da pesquisa científica.

ÉPOCA – Há grupos de cientistas organizando uma marcha, inspirada na recente Marcha das Mulheres, para mandar um recado a Trump. Para além da política tradicional, o que pode ser feito? Qual deve ser a posição dos cientistas?
Caplan –
A marcha é uma ótima ideia. É capaz de atrair a atenção de um público amplo para as preocupações da comunidade científica. E esse tipo de trabalho de comunicação é importante. Precisamos colocar mais sites sobre o tema no ar, precisamos usar mais as mídias sociais. Pode ser uma estratégia arriscada, parte da mensagem pode ser mal interpretada. Mas este é o momento de se posicionar, não de ficar calado. Pesquisadores podem também se recusar a trabalhar para o governo, se não houver garantias de que poderão expressar seus pontos de vista com liberdade. Os cientistas devem se aproximar da mídia, falar mais com jornalistas.

ÉPOCA – Ao assumir posições contrárias à ciência, Trump tenta beneficiar algum grupo de interesse? Ou há outras razões para defender essas posições?
Caplan – 
Ele é movido por questões ideológicas. Não se baseia em evidências. Acredita que a indústria do carvão, por exemplo, vai ser prejudicada se a legislação ambiental for eficiente, se o governo se preocupar com as consequências do aquecimento global. Mas o tipo de indústria que ele tenta, ou diz tentar, defender foi relevante nos anos 1970. É o tipo de companhia que não vai voltar. Energia solar, eólica, são essas, definitivamente, as formas de energia que usaremos no futuro. Não vamos voltar a usar carvão mineral maciçamente. Não acho que os consumidores aceitariam isso. Trump diz querer defender energia barata, mas temos isso. Os Estados Unidos estão no meio de uma explosão energética, pensando na exploração de fontes alternativas. E é difícil aceitar que vamos retroceder e reintroduzir fontes superpoluentes de energia. As ações dele são ideológicas, e são influenciadas por uma visão estreita do mundo.

Fonte – Rafael Ciscati, Blog do Planeta de 27 de janeiro de 2017

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