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Se o STF julgar inconstitucional principais pontos, Brasil terá uma boa legislação ambiental

Para Ricardo Rodrigues, pesquisador da Esalq-USP, julgamento sobre o Novo Código Florestal pode alinhar a produção brasileira às principais demandas ambientais. Faltando apenas um voto, Supremo decide na próxima quarta-feira, 28, sobre as quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade

O julgamento das quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) da Procuradoria Geral da República (PGR) contra a Lei 12.651/2012, conhecida como o Novo Código Florestal, foi suspenso na tarde de ontem com o placar empatado no Supremo Tribunal Federal (STF). Falta apenas o voto do ministro Celso de Mello, decano da Corte, que deverá decidir na próxima quarta-feira, 28 de janeiro, o placar final.

Apesar da maioria dos ministros já ter votado, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, decidiu não realizar a contagem de votos por causa do excesso de divergências. Assim, o voto de Celso de Mello deverá definir questões importantes, como a anistia a multas e outras sanções para quem desmatou ilegalmente antes de julho de 2008, a possibilidade de se realizar atividades agropecuárias em áreas de declive e topos de morro e a obrigatoriedade de recuperar áreas de Reserva Legal desmatadas ilegalmente.

Em setembro de 2017, às vésperas do início do julgamento, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) encaminhou uma carta à presidente do STF, destacando estudos da comunidade científica e alertando que o meio-ambiente estaria nas mãos do STF. Conforme ressaltou a SBPC no documento, as ações julgadas são parte da Lei 12.651/2012, que revogou o Código Florestal de 1965 e retirou a proteção de massivas áreas destinadas à preservação da vegetação nativa brasileira, à revelia dos posicionamentos da comunidade científica nacional.

“Estão em jogo as garantias constitucionais ao meio ambiente equilibrado e à sadia qualidade de vida, visto que a liberação dessas áreas protegidas para exploração humana impacta significativamente as seguranças hídrica, climática, energética e alimentar”, alertou na carta.

O Jornal da Ciência ouviu o professor Ricardo Ribeiro Rodrigues, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP), sobre a expectativa para a voto decisivo da próxima semana e suas implicações para o País.

Rodrigues é membro do Grupo de Trabalho do Código Florestal formado pela SBPC em conjunto com a Academia Brasileira de Ciências (ABC). Durante o debate sobre o Código Florestal, o grupo produziu o livro “O Código Florestal e a Ciência: Contribuições para o diálogo”, publicação de 2011 que fornece argumentos técnico-científicos para subsidiar o debate em torno da Lei.

O cientista vê com bons olhos o voto decisivo nas mãos de Celso de Mello, que, em sua opinião, tem uma postura coerente e de retidão. “O ministro não tem uma atuação na área científica e ambiental, mas é o decano da corte, tem uma atuação coerente na magistratura e deve tomar uma decisão razoável na semana que vem”, presume Rodrigues.

Iniciado em setembro de 2017 com o voto do relator Luiz Fux, o caso foi retomado pelo Supremo na última quarta-feira, 21 de janeiro, com os votos do ministros Marco Aurélio e da ministra Cámen Lúcia. Ontem, quinta-feira, votaram Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Dias ToffoliRicardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Este último, o único a votar pela total improcedência de todas as ADIs.

O Instituto Socioambiental, em artigo publicado nesta quinta-feira, 22, listou algumas decisões que já foram tomadas até aqui pelo tribunal e classificou como boas e más notícias para o meio ambiente. A seguir, as principais:

Decisões desfavoráveis ao meio ambiente

– Redução da obrigação de se recuperar Áreas de Preservação Permanente (APPs) na beira de rio, de acordo com o tamanho do imóvel rural; medição das APPs na beira de rio conforme o “leito regular” do curso de água, segundo sua variação média anual, e não conforme o leito maior medido na cheia; possibilidade de se recuperar metade das Reservas Legais desmatadas com espécies exóticas; possibilidade de aquicultura em APPs; plantio em várzeas para pequenos imóveis rurais e dispensa de recomposição de Reserva Legal se o desmatamento foi feito de acordo com a regra vigente à época.

Decisões favoráveis ao meio ambiente

– Só é possível desmatar APPs por “interesse social” ou “utilidade pública” quando não houver “alternativa técnica e locacional”; não é possível desmatar APPs para implantar instalações de gestão de resíduos ou de atividades esportivas; todas as nascentes e olhos de água devem ter APPs preservadas, independente de serem intermitentes ou perenes e todas as Terras Indígenas, e não só as “demarcadas”, e todas as áreas de comunidades tradicionais, e não apenas as “tituladas”, devem ter o mesmo tratamento que os pequenos imóveis rurais quanto ao novo regime de proteção das matas.

Para Rodrigues, caso a decisão do STF seja de inconstitucionalidade em pontos sensíveis ainda em aberto, como a anistia a crimes ambientais cometidos até 2008 – que, segundo a Esalq-USP, isentou da necessidade de recuperação 41 milhões de hectares desmatados –, a recuperação de Reservas Legais e a flexibilização das APPs, especialmente nas margens de rios, os ministros corrigirão o retrocesso do Código Florestal de 2012.

“O Código Florestal sancionado em 2012 representou um retrocesso no campo científico e ambiental”, avalia Rodrigues. “Se o Supremo acatar os principais dos 22 pontos questionados pela Procuradoria Geral da República (PGR) e pelo Psol, nós nos alinharemos àquilo que propusemos em 2011, com ‘O Código Florestal e a Ciência’, e poderemos começar a pensar em um desenvolvimento sustentável para o nosso país.”

Segundo o pesquisador da Esalq, o projeto não opõe quem pensa no meio ambiente e quem pensa no desenvolvimento, conforme proferiu em seu voto o relator Luiz Fux: “Na verdade, todos pensamos em desenvolvimento. Só que a ciência e os ambientalistas apontam para um desenvolvimento sustentável. Um projeto que combine uma agricultura de ponta com tecnologia de ponta, comprometidos com o bem estar e o meio ambiente. Nós já temos grandes exemplos disso no Brasil”.

Rodrigues aponta como um caso de sucesso o projeto “Pecuária Verde”, que combina uma pecuária moderna com preservação da Amazônia. Com orientação de cientistas, criadores de gado estão aumentando a produtividade dos rebanhos, protegendo e até recuperando áreas de floresta.

“O projeto Pecuária Verde lá em Paragominas, no Pará, tem apresentado números interessantíssimos tanto para o meio ambiente, como para os produtores. Então, há muitos agropecuaristas brasileiros que estão sintonizados a esse tipo de iniciativa, mas vão em outra direção por conta de um grande lobby, o lobby do dinheiro da bancada ruralista”.

Caso os ministros não aceitem as ações de inconstitucionalidade nessas questões, o pesquisador da Esalq vê com temor o futuro do País em questões ambientais, científicas e de saúde pública. “Já estamos assistindo a alguns retrocessos e se a decisão da próxima quarta-feira for contrária ao que clamam cientistas e ativistas do meio ambiente, nossa atuação será apenas para remediar”, vaticina o pesquisador.

Fonte – Marcelo Rodrigues, Jornal da Ciência de 23 de fevereiro de 2017

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