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Tudo que você precisa é menos

Isabel Alves saía sempre exausta do trabalho em um escritório de moda em São Paulo. Para piorar, o trânsito infernal da capital paulista deixava a volta para casa ainda mais desgastante. Mas ela tinha uma solução para compensar todo aquele estresse: sempre comprava um presente para si própria. “A gente trabalha tanto, enfrenta congestionamento. Sentia a necessidade de mostrar para mim que aquilo tudo estava valendo a pena”, recorda.

Comprava roupas, maquiagem, sapatos ou qualquer comida muito gostosa. Mas esse tempo ficou para trás. Não que tenha sido fácil. Desde a adolescência, Alves nunca havia pensado em frear seus gastos: os pais haviam passado por uma crise durante sua infância e, quando o dinheiro deixou de ser problema, eles compensaram aqueles dias difíceis com muitos mimos.

Torrar dinheiro, afinal de contas, é uma delícia: libera uma boa dose de dopamina, a famosa substância química de prazer e bem-estar. Pesquisadores britânicos da Neuroco, uma empresa de neuromarketing, monitoraram os impulsos nervosos de voluntários durante um passeio no shopping. E, sem surpresas, quando essas pessoas compravam algo, o sistema dopaminérgico brilhava muito mais.

A hipótese dos cientistas é que nosso organismo guarda resquícios da memória de uma época de vacas magras, quando o ser humano dependia da caça e da coleta. Sem um supermercado repleto de produtos nas prateleiras, aqueles tempos ensinaram ao nosso corpo que o melhor a fazer é consumir e acumular uma reserva de gordura para os dias difíceis — nunca se sabia quando aqueles recursos estariam à disposição novamente. E essa regra influencia nosso comportamento até hoje.

Só que o tempo de escassez acabou. Ou melhor, acabou para alguns: os 795 milhões de pessoas no planeta que ainda passam fome não sabem o que é viver com abundância de recursos e, claro, não têm a menor chance de acumular nada, nem comida. Enquanto isso, a parcela endinheirada da população continua a reproduzir nosso instinto primitivo e consome quase todas as coisas produzidas no mundo.

De acordo com o Banco Mundial, os mais ricos, 20% da população global, abocanham 76,6% dos produtos. Já a classe média, 60%, consome 20% de tudo o que é produzido. O resto fica na (ínfima) conta dos mais pobres.

Nesse ritmo de acumulação e consumo, caminhamos para um desastre. A cada ano, a humanidade precisa de 1,7 planeta para se recuperar do uso excessivo de seus recursos naturais e da poluição causada por ela mesma, como revelam os cálculos da Global Footprint Network, responsável por avaliar os impactos ambientais gerados por alguns países. Uma conta que, definitivamente, não fecha.

Para Isabel Alves, a percepção desse problema ficou clara em 2015, quando viajou para Hamburgo, na Alemanha, e assistiu a uma palestra sobre moda sustentável. Depois do evento, a jovem decidiu mudar seus hábitos de compra. “Mostraram um vídeo com a quantidade de roupa descartada por ano, com a exploração das pessoas nessa cadeia de produção — quanto recebem por cada peça, quanto tempo trabalham”, lembra.

Ela ficou tão chocada com aquela realidade que colocou uma ideia na cabeça: passar um ano inteiro sem comprar coisas novas. Redescobriu peças pouco ou nunca utilizadas no guarda-roupa, acessórios e itens de maquiagem intocados.

E encontrou, enfim, seu próprio estilo. A designer de moda cortou também o consumo de carne, abriu um brechó virtual, trocou produtos de limpeza por opções naturais e passou a se preocupar mais com o lixo produzido. Foi uma revolução. E, um ano depois, a mudança em sua vida era irreversível.

Alves faz parte de um grupo de pessoas que cortou os excessos. É o que chamam de minimalismo ou simplicidade voluntária. Não se trata apenas de viver em uma casa pequena, com poucos móveis. O que interessa é a mudanças de valores — o desapego às coisas materiais — no ritmo que cabe a cada um.

“Alguns se importam com o meio ambiente, outros com o estresse causado por seus empregos. Outros buscam uma vida mais espiritualizada ou querem mais tempo com a família. Não existe uma motivação padrão”, afirma o psicólogo Tim Kasser, do Knox College, nos Estados Unidos, e autor do livro The High Price of Materialism (em tradução livre, O Alto Preço do Materialismo — editora Bradford Book, 195 páginas, R$ 80, sem edição no Brasil).

“A única certeza que se tem nessa sociedade cheia de opções é que, se há dez produtos e você escolhe apenas um, você perdeu os outros nove. E aí algumas pessoas escolhem as dez coisas. São obesos do desejo”, diz o psicanalista Jorge Forbes, autor de Você Quer o que Deseja? (Editora Best-Seller, 212 páginas, R$ 34,90). “Até que um dia a pessoa descobre que é muito pouco criativo ser consumista e muito covarde diante da subjetividade do desejo humano — quando você compra tudo, abre mão da sua escolha.”

No Brasil, uma das discussões mais recentes sobre essa tendência aconteceu nas redes sociais. Participante da edição 2017 do programa MasterChef, a pequisadora Caroline Martins foi criticada pelos internautas por sempre aparecer com as mesmas peças de roupas.

A resposta dela foi clara: “Eu vivia cheia de dívidas. Me desprender do consumismo excessivo foi uma das minhas melhores decisões. Então, coleguinhas que me perguntam, a resposta é: Sim! Só tenho estas roupas! E sim, só tenho duas botinhas! Com muito orgulho!”.

Não é uma apologia à pobreza, mas sim à sobriedade, como disse o ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica no documentário Humano. Nas palavras dele: “Quando eu compro algo, ou você, não se paga com dinheiro. Pagamos com o tempo de vida que tivemos de gastar para ter aquele dinheiro. Mas tem um detalhe: a única coisa que não se compra é a vida. A vida se gasta. E é lamentável desperdiçar a vida para perder a liberdade”.

Fonte – Reportagem Carol Castro, edição Thiago Tanji, design João Pedro Brito, Galileu de 24 de agosto de 2017

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