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Uma Terra sem humanos

Já vou avisando que o texto é longo, mas importante para reflexão. Então quem só gosta de ler gibi, não é para você.

por Mike Gorton

Scientific American Brasil de agosto de 2007Uma nova forma de avaliar o impacto da humanidade sobre o ambiente é pensar como o mundo se sairia se todas as pessoas desaparecessem

 

 

por Alan Weisman

Entrevista com ALAN WEISMAN

INTRODUÇÃO

É uma fantasia comum imaginar que você é a última pessoa viva na Terra. Mas e se todos os seres humanos fossem varridos de repente do planeta? Tal premissa é o ponto de partida de The world without us (O mundo sem nós), nova obra do autor de livros científicos Alan Weisman, professor associado de jornalismo da University of Arizona. Nesse longo exercício de pensamento, Weisman não especifica exatamente o que elimina o Homo sapiens, em vez disso ele simplesmente assume o desaparecimento repentino de nossa espécie e projeta a seqüência de eventos que provavelmente ocorreria nos anos, décadas e séculos a seguir.

Segundo Weisman, uma grande parte de nossa infra-estrutura física começaria a ruir quase que imediatamente. Sem equipes para a manutenção das ruas, nossos grandes bulevares e rodovias começariam a rachar e a ficar abaulados em questão de meses. Nas décadas seguintes, muitas casas e edifícios comerciais ruiriam, mas alguns itens comuns resistiriam à degradação por um tempo extraordinariamente longo. Panelas de aço inoxidável, por exemplo, poderiam durar milênios, especialmente se ficassem enterradas nos sítios pré-históricos cobertos por ervas daninhas em que nossas cozinhas se transformariam. E certos plásticos comuns permaneceriam intactos por centenas de milhares de anos, não se decompondo até que micróbios evoluíssem para adquirir a capacidade de consumi-los.

O editor da SCIENTIFIC AMERICAN Steve Mirsky entrevistou Weisman recentemente para descobrir por que ele escreveu o livro e que lições podem ser tiradas de sua pesquisa. Veja trechos da entrevista nas páginas seguintes.

DE VOLTA À NATUREZA: Se todos os seres humanos desaparecessem, Manhattan voltaria a ser uma ilha florestada. Muitos arranha-céus cairiam em questão de décadas, minados por fundações alagadas; prédios de pedra como a catedral de Saint Patrick (na representação do artista) sobreviveriam por mais tempo. Ervas daninhas e árvores se enraizariam no asfalto rachado, enquanto aves de rapina se aninhariam nas ruínas e raposas perambulariam pelas ruas.

Se os seres humanos desaparecessem amanhã, o magnífico horizonte de Manhattan não sobreviveria por muito mais tempo. Weisman descreve como a floresta de concreto de Nova York voltaria a ser uma floresta real.

“O que aconteceria a todas as nossas coisas se não estivéssemos mais aqui? Será que a natureza conseguiria eliminar todos os nossos vestígios? Há alguma coisa que fizemos que seja indestrutível ou indelével? Será que, por exemplo, a natureza transformaria a cidade de Nova York na floresta que a ocupava quando Henry Hudson a viu pela primeira vez, em 1609?

Tive uma conversa fascinante com engenheiros e profissionais de manutenção em Nova York sobre o que seria necessário para conter a natureza. Descobri que nossa infra-estrutura imensa, imponente e opressiva, que parece tão indestrutível, é na verdade bastante frágil e continua existindo e funcionando graças aos poucos seres humanos dos quais todos nós realmente dependemos. O nome Manhattan vem de um termo indígena que se refere a colinas. Ela era uma ilha cheia de morros. A região acabou aplanada para receber a grade de ruas. Ao redor das colinas costumavam fluir cerca de 40 ribeirões diferentes e havia várias nascentes por toda a ilha. O que aconteceu a toda aquela água? A quantidade de chuvas ainda é praticamente a mesma, mas hoje a água está dominada. No subterrâneo. Parte da água escorre pelo sistema de drenagem, mas ele nunca é tão eficiente quanto a natureza. Assim, há muita água correndo no subsolo, tentando sair. Mesmo em um dia claro e ensolarado, as pessoas responsáveis pela manutenção do metrô em Manhattan precisam bombear 49 milhões de litros de água para fora, ou os túneis inundariam.

Há lugares em Manhattan onde eles lutam o tempo todo contra o afloramento de rios subterrâneos que corroem os trilhos. Nas salas de bombeamento você vê uma quantidade enorme de água jorrando. E lá embaixo, em uma pequena caixa, estão as bombas que levam a água embora. Mas se os seres humanos desaparecessem amanhã, uma das primeiras coisas a ocorrer seria o desligamento da eletricidade. Nossa energia elétrica vem em grande parte de usinas nucleares ou movidas a carvão, que têm chaves de segurança automáticas para garantir que não saiam do controle no caso de ninguém estar monitorando o sistema. Assim que a energia elétrica fosse cortada, as bombas deixariam de funcionar, e os túneis do metrô começariam a se encher de água. Em 48 horas haveria muitas inundações em Nova York, algumas delas visíveis na superfície. Poderia acontecer transbordamento das bocas-de-lobo. Elas ficariam rapidamente entupidas com detritos – para começar, com os inúmeros sacos plásticos que o vento sopraria pela cidade e, mais tarde, como ninguém apararia a vegetação dos parques nem recolheria a vegetação seca, com o acúmulo de folhas e material orgânico.

Mas o que aconteceria no subsolo? Corrosão. Pense nas linhas de metrô abaixo das avenidas. Enquanto espera pelo trem, observe aquelas colunas de aço que sustentam o teto, que na verdade é a rua. Tudo começaria a sofrer corrosão e, ao final, ruiriam. Após algum tempo surgiriam crateras nas ruas – possivelmente em apenas duas décadas. E em pouco tempo algumas ruas voltariam a ser os riachos de superfície que existiam em Manhattan antes.

Muitos dos prédios em Manhattan estão apoiados sobre leito rochoso. Mas mesmo se contarem com vigas de aço na fundação, essas estruturas não foram projetadas para ficar submersas o tempo todo. Assim, também os prédios começariam a ruir. E como a mudança climática deve causar eventos mais extremos, com mais furacões atingindo a costa leste, a queda de um prédio, num desses eventos, derrubaria mais alguns, criando uma clareira. Essas clareiras receberiam sementes de plantas lançadas pelo vento, e estas se estabeleceriam nas fendas do asfalto. As clareiras já estariam cobertas de folhas, mas a cal vinda do concreto moído criaria um ambiente menos ácido para várias espécies. A cidade começaria a desenvolver seu próprio ecossistema. Toda primavera, quando a temperatura estivesse oscilando em torno do ponto de congelamento, novas rachaduras apareceriam. A água entraria nas rachaduras e congelaria. As rachaduras aumentariam e mais sementes seriam levadas pelo vento para dentro delas. Isso aconteceria bem rapidamente.

Como os ecossistemas da Terra mudariam se os seres humanos estivessem fora da jogada? Weisman diz que podemos ter um vislumbre desse mundo hipotético observando bolsões “primitivos” onde as marcas da humanidade sejam mais leves.

Para ver como o mundo seria se os humanos desaparecessem, comecei indo a lugares abandonados, que as pessoas deixaram por diferentes motivos. Um deles é o último fragmento de floresta primitiva na Europa. É como num conto de fadas dos irmãos Grimm: uma floresta escura, fechada, com lobos uivando e toneladas de musgo pendurado nas árvores. E esse lugar existe. Ele fica na fronteira da Polônia com a Bielo-Rússia. Era uma reserva de caça, estabelecida nos anos 1300 por um duque lituano que mais tarde se tornou rei da Polônia. Uma série de reis poloneses e depois czares russos a mantiveram como área de caça particular. Houve pouco impacto humano. Após a Segunda Guerra Mundial, ela se tornou um parque nacional. Você vê carvalhos e freixos de mais de 45 metros de altura e 3 metros de diâmetro, com sulcos tão profundos na casca que pica-paus os enchem de pinhas. Além de lobos e alces, essa floresta abriga o último rebanho selvagem de Bison bonasus, o bisão europeu nativo.

Também visitei a zona desmilitarizada coreana. Nela há um pequeno trecho de terra – com cerca de 240 km de extensão por 4 km de largura – junto do qual dois dos maiores exércitos do mundo ficam posicionados um diante do outro. Entre eles fica uma reserva “involuntária” de vida selvagem. É possível ver espécies que poderiam estar extintas se não fosse por aquele pedacinho de terra. Às vezes você ouve os soldados gritando uns com os outros por alto-falantes ou exibindo sua propaganda política de um lado a outro, e no meio de toda aquela tensão é possível ver bandos de garças azuis que passam o inverno lá.

Mas para realmente compreender um mundo sem os seres humanos percebi que é preciso aprender como o mundo era antes da nossa evolução. Então fui para a África, onde os seres humanos surgiram, e o único continente onde ainda há animais selvagens de grande porte. Antigamente havia animais de grande porte em todos os continentes e em muitas das ilhas. Tínhamos criaturas enormes na América do Norte e do Sul – preguiças-gigantes maiores que mamutes; castores do tamanho de ursos. O motivo de sua dizimação é controverso, mas muitos indícios apontam para nós. As extinções em cada massa de terra parecem coincidir com a chegada dos seres humanos. Mas a África é o local onde os seres humanos e os animais evoluíram juntos e os bichos de lá aprenderam estratégias para evitar nossa ação predatória. Sem os seres humanos, a América do Norte provavelmente se tornaria em curto prazo um bom habitat para cervos gigantes. À medida que as florestas se restabelecessem por todo o continente, herbívoros maiores se desenvolveriam, no tempo evolutivo, para tirar proveito de todos os nutrientes presentes nas espécies lenhosas. Predadores maiores também evoluiriam seguindo o mesmo padrão.

Pensar em uma Terra sem humanos pode ter benefícios práticos. Weisman explica que sua abordagem pode trazer uma nova luz aos problemas ambientais.

Não estou sugerindo que temos de nos preocupar com o desaparecimento repentino dos seres humanos amanhã, com algum raio alienígena mortal que nos eliminaria a todos. Pelo contrário, o que descobri é que essa forma de olhar para nosso planeta – fazendo-nos sumir apenas teoricamente – revelou ser tão fascinante que desarma os temores das pessoas ou a terrível onda de depressão que pode nos envolver quando lemos sobre os problemas ambientais que criamos e os possíveis desastres que poderemos enfrentar no futuro. Porque, francamente, sempre que lemos sobre essas coisas, nossa preocupação é: oh, meu Deus, nós vamos morrer? Será este o fim? Meu livro elimina essa preocupação bem no começo ao dizer que o fim já aconteceu. Por qualquer motivo, nós, seres humanos, desaparecemos, então agora vamos relaxar e ver o que acontece em nossa ausência. É uma maneira deliciosa de reduzir todo temor e ansiedade. E olhar para o que aconteceria em nossa ausência é outra forma de enxergar melhor o que acontece em nossa presença.

Por exemplo, pense em quanto tempo levaria para eliminar algumas das coisas que criamos. Algumas das invenções mais formidáveis têm uma longevidade que ainda não podemos prever, como alguns dos poluentes orgânicos persistentes que começaram como pesticidas ou produtos químicos industriais. Ou nossos plásticos, que têm uma presença gigantesca em nossa vida e no ambiente. E quase todas essas coisas só surgiram após a Segunda Guerra Mundial. Você começa a pensar que provavelmente não há como termos resultado positivo, e que estamos testemunhando uma maré esmagadora de proporções geológicas desencadeada pela raça humana na Terra. Eu levanto a possibilidade, quase no final do livro, de os seres humanos poderem continuar fazendo parte do ecossistema de forma muito mais equilibrada com o resto dos ocupantes do planeta.

É algo que abordo ao olhar primeiro não apenas para as coisas horríveis que criamos, e que são tão assustadoras – como a radioatividade e os poluentes, alguns dos quais poderão ainda persistir até o fim do planeta –, mas também para algumas das coisas belas que fizemos. Levanto a questão: não seria uma triste perda a humanidade ser extirpada do planeta? E quanto aos nossos maiores atos de arte e expressão? Nossa mais bela escultura? Nossa melhor arquitetura? Algum sinal que indique que estivemos aqui a certa altura resistirá? Essa é a segunda reação que obtenho junto às pessoas. A princípio elas pensam: esse mundo seria lindo sem nós. Mas então reconsideram: não seria triste não estarmos aqui? E não acho que o desaparecimento de todos nós da face da Terra seja necessário para voltarmos a um estágio mais saudável.

QUEM PODERIA NOS SUBSTITUIR?

Dizem que a natureza abomina o vácuo. Se os seres humanos desaparecessem, alguma outra espécie poderia evoluir para um animal que fabricasse ferramentas, tivesse plantações, usasse linguagem e fosse capaz de dominar o planeta? Segundo Alan Weisman, os babuínos poderiam ter uma chance razoável. Eles têm o maior cérebro entre os primatas, com exceção do Homo sapiens, e, como nós, se adaptaram a viver nas savanas à medida que os habitats florestais na África encolheram. Weisman escreve em The world without us: “Se os ungulados dominantes nas savanas – o gado – desaparecessem, os gnus se multiplicariam para ocupar seu lugar. Se os humanos desaparecessem, os babuínos ocupariam o nosso? Será que sua capacidade craniana permaneceu suprimida durante o Holoceno porque saímos à frente deles, sendo os primeiros a descer das árvores? Sem os humanos no seu caminho, será que o potencial mental deles aumentaria e os levaria a um avanço evolucionário repentino em todas as fissuras de nosso nicho abandonado?”.

Hollywood, com sua longa série de filmes Planeta dos macacos, parece concordar com Weisman. Um segundo cenário fora da África poderia se desenrolar centenas de milhares de anos após o primeiro. Alguém se perguntaria como os arqueólogos babuínos do futuro interpretariam os extraordinários artefatos humanos – esculturas, cutelaria, sacos plásticos – enterrados sob seus pés. Weisman acha que “o desenvolvimento intelectual de qualquer criatura que os escavasse poderia ser abruptamente elevado para um plano evolucionário mais alto pela descoberta de ferramentas já prontas”. Mesmo como fantasmas, poderíamos continuar moldando o futuro.

OS VENCEDORES…

Nosso fim seria uma boa notícia para muitas espécies. Abaixo, uma pequena amostra dos animais e plantas que se beneficiariam com o desaparecimento dos seres humanos.

AVES: Sem os arranha-céus e linhas de transmissão para atrapalhar o vôo, pelo menos1 bilhão de aves evitariam quebrar o pescoço a cada ano.

ÁRVORES: Em Nova York, carvalhos e bordos, juntamente com a invasora alianto, tomariam a cidade.

MOSQUITOS: Com o fim dos esforços de extermínio e o aumento dos charcos, grandes nuvens de insetos se alimentariam do restante da vida selvagem.

GATOS DOMÉSTICOS SELVAGENS: Eles provavelmente se sairiam bem alimentando-se de pequenos mamíferos e aves no mundo pós-humano.

…E OS PERDEDORES

Não há dúvida: nossos parasitas e animais de criação sentiriam nossa falta. Abaixo, uma lista das espécies que provavelmente sofreriam em conseqüência de nosso desaparecimento.

GADO DOMESTICADO: Eles se tornariam refeição deliciosa para leões-da-montanha, coiotes e outros predadores.

RATOS: Privados de nosso lixo, passariam fome ou seriam devorados pelas aves de rapina aninhadas nas ruínas dos prédios.

BARATAS: Sem os prédios aquecidos para ajudá-las a sobreviver no inverno, desapareceriam das regiões temperadas.

PIOLHOS: Como esses insetos são particularmente adaptados aos seres humanos, nosso desaparecimento levaria à sua extinção.

PARA SABER MAIS

Plastics and the environment. Organizado por Anthony Andrady. John Wiley & Sons, 2003.

Twilight of the mammoths: ice age extinctions and the rewilding of America Paul S. Martin. California Press, 2005.

Extinction: how life on Earth nearly ended 250 million years ago. Douglas H. Erwin. University Press, 2006.

A vingança de gaia. James Lovelock. Intrínseca, 2006.

Alan Weisman é autor de cinco livros, incluindo The world without us (St. Martin’s Press, 2007). Seu trabalho já apareceu na Harpers, New York Times Magazine, Los Angeles Times Magazine, Discover, Atlantic Monthly, Condé Nast Traveler, Orion e Mother Jones. Weisman tem um programa na National Public Radio e na Public Radio International e é produtor sênior da Homelands Productions, organização jornalística que produz séries independentes de documentários para a rádio pública. Ele leciona jornalismo internacional na University of Arizona.

Confira as animações que mostram como ficaria Nova York se todas as pessoas desaparecessem.
www2.uol.com.br/sciam/multimidia/a_terra_sem_humanos.html
www2.uol.com.br/sciam/multimidia/o_longo_desaparecimento_da_humanidade.html

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