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A inovação pelos pares veio para ficar

Ganham força os processos descentralizados, conduzidos por razões não necessariamente econômicas e com base em governança distante da que rege empresas e governos

As empresas e os governos são cada vez menos as principais fontes da inovação tecnológica contemporânea. Essa constatação é feita por uma das maiores autoridades na pesquisa do tema, Eric von Hippel, professor do MIT, num paper em coautoria com seu colega de Harvard, Carliss Baldwin. Por maior que seja a importância dos investimentos das empresas e dos governos, esses dois protagonistas não dominam mais sozinhos a cena. A inovação pelos pares, descentralizada, levada adiante por razões não necessariamente econômicas e com base em mecanismos de governança distantes dos que regem as empresas e os governos, ganha força crescente.

Trata-se de uma conclusão contraintuitiva. À primeira vista, quem inova são produtores cujo trabalho científico e tecnológico tem que ser protegido rigorosamente por patentes, na ausência das quais seus lucros (e portanto sua motivação para inovar) estariam irremediavelmente comprometidos. Aí reside, por exemplo, a essência da noção schumpeteriana de empresário inovador.

Mas, segundo Baldwin e Von Hippel, novas tecnologias (que reduzem os custos de comunicação e que permitem design digitalizado e modularizado juntamente com acesso barato a computadores operando em rede) competem vantajosamente com a figura individualizada do produtor inovador em muitos setores da economia. Para Baldwin e Von Hippel, o que está em jogo é o paradigma com base no qual o progresso científico e tecnológico vem sendo pensado desde meados do século XIX.

E, para quem ainda acha que direitos de propriedade bem estabelecidos são a quintessência da inovação, é importante ler o artigo de Michele Boldrin e David Levine, na prestigiosa Journal of Economic Perspectives, em que se mostram evidências empíricas de que “sistemas fortes de patentes retardam a inovação e têm muitos efeitos colaterais negativos”.

Claro que o papel dos investimentos privados e públicos na pesquisa é e será decisivo. Mas a inovação pelos pares veio para ficar. Na verdade, tais formas descentralizadas de inovação sempre existiram e os usuários das ferramentas, das máquinas, das sementes e dos tratores souberam com frequência adaptar e aprimorar seu uso. Mas, só agora, na era digital, é que essas inovações tornam-se verdadeiramente abertas, o que influi na própria estratégia das empresas. A decisão da Tesla de abrir suas patentes em armazenagem de energia, por exemplo, reflete o princípio de que as chances de alcançar melhor desempenho na área aumentam com a ampliação descentralizada da pesquisa. Por mais que a Tesla tenha interesse no assunto por causa de seus carros elétricos, o avanço tecnológico em armazenagem será um dos elementos decisivos para ampliar o uso de energia solar e eólica em todo o mundo.

Projetos de inovação aberta e colaborativa, segundo Baldwin e Von Hippel, envolvem pessoas que partilham o trabalho de gerar um design e também de revelar os produtos de seu esforço individual e coletivo a quem quer que seja. É claro que existem regras e mecanismos jurídicos para esse compartilhamento. Nesse sentido, é fértil a aproximação entre os trabalhos de Elinor Ostrom sobre a gestão de recursos naturais de uso comum (que lhe valeu, há cinco anos, o Prêmio Nobel de Economia) e a pesquisa em torno do conhecimento como patrimônio comum da espécie humana e não como objeto de apropriação privada e patenteada.

É sobre a base dessa aproximação que foram reunidos em livro recente vários estudos de caso sobre a produção compartilhada de conhecimentos em áreas que vão do projeto genoma às doenças raras, passando pela astronomia, a aeronáutica e a própria informação jornalística. Um dos trabalhos mais interessantes do livro estuda uma plataforma de “inteligência coletiva em ciência cidadã” (zooniverse.org), que possuía 30 projetos em janeiro de 2014 e mobilizava 250 mil usuários, dos quais 40% participavam tanto na classificação de dados empíricos como em sua discussão.

A geração compartilhada de conhecimento nas sociedades contemporâneas não se limita aos exemplos conhecidos dos softwares livres e da Wikipédia. Para que o Brasil possa alcançar a fronteira da inovação científica e tecnológica será necessário muito investimento privado e governamental. Mas é importante que as universidades, as agências públicas e o setor privado não ignorem esse fascinante movimento social em torno da inovação pelos pares.

Ricardo Abramovay, Professor Titular do Departamento de Economia da FEA/USP, autor de Muito Além da Economia Verde (Planeta Sustentável/Abril)

Fonte – Página 22 de abril de 2015

A mudança está ocorrendo. Resta saber se teremos tempo suficiente ou se nos extinguiremos antes.

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