Um dos principais argumentos de quem não consegue melhorar a rotina alimentar é o alto custo dos alimentos naturais. Muitas vezes eles realmente custam mais do que os processados e ultraprocessados e um dos motivos para essa diferença de preços é a carga tributária, que parece privilegiar aqueles cujo consumo frequente causa diversos malefícios ao organismo.

A Aliança para Alimentação Adequada e Saudável é uma organização civil que busca desenvolver ações que contribuam com a promoção de uma alimentação mais saudável, por meio do avanço de políticas públicas. Recentemente, enviou uma carta à Presidência da República para tratar da taxação de bebidas açucaradas e da necessidade de tributar produtos não saudáveis. De acordo com texto publicado pelo órgão: “Há diversos incentivos tributários federais para produtos não saudáveis que o governo poderia reexaminar com mais atenção, antes de praticar cortes que atingem setores mais vulneráveis da população”.

O boletim periódico da Aliança apresentou alguns exemplos de países que alteraram a tributação de alguns alimentos em prol da prevenção de doenças e já tiveram resultados positivos. Em 2011 a Hungria adotou um aumento de 4 centavos no preço de comidas e bebidas com altas quantidades de açúcar e sódio. Após a mudança, a venda dos produtos atingidos caiu até 16%. Além disso, 40% dos produtos ultraprocessados locais tiveram suas fórmulas adaptadas para se tornarem mais saudáveis e se livrarem dos impostos extras. Dois anos depois, no México, entrou em vigor um imposto de 8% sobre produtos como salgadinhos e doces, pesquisas feitas no país revelaram que as vendas dos ítens taxados caíram 7% após o aumento nos preços. O Chile também aumentou a tributação de bebidas açucaradas como mais uma ferramenta para diminuir os índices de obesidade no país.

Conversei sobre a tributação de alimentos em vigor no Brasil e no Estado de São Paulo com o nutricionista Alexander Marcellus, mestre em Nutrição pela USP e Integrante da Aliança para Alimentação Adequada e Saudável.

-Você fez uma pesquisa de preços recentemente e notou uma grande diferença entre a tributação de alimentos saudáveis e não-saudáveis. Pode me dar alguns exemplos?

A.M – A diferença entre alimentos saudáveis e ultraprocessados (com alto teor de gordura, açúcar, sal e aditivos químicos) são gritantes. Alimentos in natura como cação, merluza, manjuba e salmão congelados pagam 22,29% de impostos estaduais e federais (“i.e.f”); brócolis cru ou congelado e outros legumes congelados pagam 22,20%; kiwi, laranja importada, laranja pêra e banana, 22,20%; tomate, abobrinha, cebola, pepino e berinjela, 22,20% e o milho de pipoca, 20,45%. Sou nutricionista e sempre ouvi a frase em consultório: “Como posso comer alimentos saudáveis se são caros?”. Por meio desta investigação que fiz em uma rede de Supermercado percebi o quanto os políticos punem as pessoas que desejam consumir alimentos saudáveis e depois aparecem na TV dizendo que vão melhorar a saúde.  Em contrapartida eles privilegiam os empresários que fornecem alimentos “não-saudáveis”, vou dar alguns exemplos da tributação de alimentos processados e ultraprocessados: hambúrguer bovino congelado 8,20%; sanduíche congelado pronto, 8,70%; leite condensado, 4,20%; açúcar refinado, 11,20%; massa de pastel, 11,20%; salgadinhos de batata ou nachos, 16,20%; mistura para bolo, 16,20%; presunto cozido, 16,20% e pizza de calabresa 16,70%.

-A que você atribui essa discrepância?

A.M – No Brasil não faltam alimentos, o que falta é uma política que privilegie quem busca comer alimentos in natura (carne fresca, frutas, verduras e legumes) em detrimento dos alimentos ultraprocessados (hambúrguer, nuggets, pizza, presunto). Estamos também em um importante período eleitoral, no qual, os políticos deveriam tratar de assuntos que interferem diretamente nas nossas vidas. Precisamos de políticas que favoreçam a redução do preço dos alimentos saudáveis. De maneira geral, um governador isoladamente não tem tanto poder para mudar o ICMS dos alimentos em seu Estado, na “canetada”. Exemplo disto foi quando um dos governadores do Estado de São Paulo falou que iria reduzir o ICMS da farinha de trigo para zero. Ele não conseguiu, pois esta redução precisava passar pelo crivo de todos os Governadores de Estado e do Distrito Federal em um órgão chamado CONFAZ (Conselho Nacional de Política Fazendária).

– O baixo custo dos produtos ultraprocessados em comparação com os alimentos naturais faz com que muitas pessoas optem pelo primeiro grupo. Portanto, a mudança nos tributos poderia colaborar com a diminuição desse consumo?

A.M – As pessoas desejam consumir mais frutas, verduras e legumes. Acredito que a redução dos impostos destes alimentos facilitará esse acesso. Uma pesquisa de 2016 do Ministério da Saúde (VIGITEL) mostrou que apenas 1 em cada 3 pessoas consomem frutas e hortaliças regularmente nas capitais brasileiras, esta pesquisa também mostra que mais da metade da população está acima do peso. A redução no valor dos impostos cobrados em alguns alimentos ultraprocessados e a rotulagem de difícil leitura adotadas no Brasil colaboram para que a população continue consumindo alimentos que prejudicam muito a saúde. A doença que mais mata os brasileiros é a doença cardiovascular e sua presença está fortemente associada a má-alimentação e ao sedentarismo. O Ministério da Saúde, utiliza mais dinheiro para medicamentos, internações e cirurgias do que para incentivo a um estilo de vida saudável. Reduzir impostos dos alimentos saudáveis é uma questão de ordem. Por exemplo: no caso do arroz e do feijão no Estado de São Paulo o imposto é de 4,2%. Que tal se os pré-candidatos ao Governo Federal e Estadual assumirem um compromisso de reduzir o imposto de todos os alimentos in natura para 4,2%. Eu gostaria que fosse zero, mas 4,2% já mudaria muita coisa.

– Você faz parte da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável que enviou uma carta sobre a questão da taxação de bebidas açucaradas aos ministérios da Saúde, Fazenda e Planejamento, e à secretaria da Receita Federal, algum desses órgãos já se manifestou sobre o documento?

A.M – Infelizmente não, os interesses do governo atual parecem estar distantes da alimentação saudável.  Para se ter ideia, foi aprovado dia 30 de maio de 2018 o Decreto 9.394/2018 que reduz o imposto para os produtores de refrigerante. Parece que quando falamos de produtos que colocam açúcar o governo é doce e para quem deseja se alimentar de forma saudável, ele é amargo. Por exemplo, encontrei um iogurte de uma determina empresa que tinha versão com açúcar e sem açúcar, o imposto do produto com açúcar foi de 4,2% e o do sem açúcar, 11,20%.

-O que mais poderia ser feito para equilibrar melhor a tributação de alimentos com base nos seus efeitos à saúde?

A.M – É preciso que haja uma discussão nacional com os candidatos à presidência da república e quem sabe com os governadores do Estado, sobre a tributação de alimentos in natura. Também é fundamental que a lei da transparência (lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011) seja cumprida. Diversos supermercados não colocam os valores de impostos estaduais e federais em suas notas fiscais. Às vezes colocam apenas o valor total de imposto, mas não colocam os impostos por alimentos. O apoio da população sobre este tema, que poderá reduzir o preço dos alimentos na nossa mesa, também é essencial. Por isso, eu como nutricionista e minha equipe criamos uma página no Facebook chamada Menos Impostos, Mais Saúde. Desejamos popularizar o tema e tornar este assunto comum para a população e para os políticos interessados em melhorar a saúde no Brasil. Eu acredito que possamos reduzir impostos de alimentos saudáveis e, consequentemente, reduzir a obesidade e as doenças cardiovasculares.

Página Menos Impostos, Mais Saúde.

Carta da Aliança para Alimentação Adequada e Saudável.

Fonte – Juliana Carreiro, Estadão de 26 de junho de 2018