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Estudo mostra como fragmentos da Mata Atlântica, isolados por pastos e plantações, estão à beira do colapso

Seculares sapucaias, jacarandás e outros gigantes da Mata Atlântica que já viviam quando os primeiros portugueses pisaram no que hoje é o Brasil se tornaram fósseis de uma floresta à beira do colapso.

Essas e outras espécies não estão se renovando nos fragmentos do bioma que restaram no Sul da Bahia, uma das regiões de maior biodiversidade do mundo.

O alerta é de um detalhado estudo sobre os efeitos do desmatamento e da fragmentação sobre o que restou da Floresta Atlântica na área.

O desmatamento se alastra como uma doença e impacta diretamente a saúde dos remanescentes.

Ele corta as conexões entre populações de plantas e animais, que definham em matas cercadas por plantações e cidades.

Os fragmentos de floresta são literalmente comidos pelas beiradas.

Estamos assistindo ao colapso dos remanescentes. Muitos estão próximos de um ponto sem retorno. São florestas desfiguradas, amputadas, que perderam riqueza de espécies — afirma um dos autores da pesquisa, José Carlos Morante-Filho, professor do Laboratório de Ecologia Aplicada à Conservação da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), em Ilhéus, Bahia.

O estudo “The breakdown of ecosystem functionality driven by deforestation in a global biodiversity hotspot” (“O colapso da funcionalidade do ecossistema impulsionado pelo desmatamento num centro de diversidade global”, em tradução livre) foi publicado recentemente na revista científica Biological Conservation.

Iniciado em 2011, o trabalho analisou dados de 40 fragmentos da Mata Atlântica do Sul da Bahia, a maioria nos municípios de Ilhéus, Una e Belmonte.

Jequitibá-Rosa em remanescente da Mata Atlântica no Sul da Bahia. — Foto: José Carlos Morante Filho

O que se vê nas ilhotas de matas em meio a áreas alteradas pelo ser humano — ou antropizadas — é o resultado de um efeito dominó de destruição.

Muitas das matas do Sul da Bahia foram derrubadas na década de 1960.

A região é uma colcha de retalhos, florestas cercadas, sobretudo, por plantações e pastagens.

Desconectadas e pequenas (a maioria não chega a cem hectares), mesmo áreas que não foram desmatadas passaram a ter uma vegetação mais pobre, semelhante à das chamadas matas secundárias, aquelas que se desenvolvem após a derrubada da floresta original.

As florestas remanescentes têm árvores mais baixas e de troncos mais finos, e as copas se tornaram cada vez mais abertas.

Com isso, mais luz entra, a floresta se torna mais quente e seca, retém menos umidade.

As pequenas ilhas de mata num mar de pastagens e plantações perdem quantidade e qualidade.

Árvores de frutos silvestres dos quais a fauna se alimenta deixam de existir em número suficiente para sustentar o ecossistema.

Os animais, além disso, sofrem com caça que continua a aprisionar e matar a fauna silvestre na região.

As espécies especializadas à vida na mata original se vão e, com elas, o papel que desempenhava.

O estudo publicado destaca que, além disso, os fragmentos florestais emersos em áreas desmatadas sofrem alterações nos ciclos de nutrientes e nos estoques de carbono.

José Carlos Morante-Filho explica que o Sul da Bahia perdeu os seus grandes animais, os mamíferos são uma sombra do que havia.

Na verdade, quase já não existem mais animais silvestres de espécies que pesam mais de um quilo, frisa o cientista.

Saíra-Militar. Espécie ameaçada que só existe na Mata Atlântica. — Foto: José Carlos Morante Filho

Ainda há razoável riqueza de árvores e aves, mas até isso será extinto se as matas não forem restauradas, reconectadas e refaunadas, porque muitas das interações entre plantas e aves estão sendo, ano após ano, perdidas.

As florestas ainda abrigam aves raras ou de beleza e canto excepcionais.

Exemplo de espécie que só existe na região, mas precisa de proteção urgente, é o entufado-baiano.

É uma espécie de passarinho solitário, com uma plumagem de característicos tufos que lhe dão nome e da qual se estima não haver mais de dez indivíduos.

O Sul baiano deve sua riqueza de fauna e flora ao fato de ser uma zona de convergência entre a Amazônia e a Mata Atlântica.

É o limite sul para algumas espécies da primeira e norte para a segunda.

Ao longo de milhares de anos, a vida se reinventou em numerosas formas, muitas das quais só existem ali.

É uma região superdiversa e superfrágil, dependente de um equilíbrio que foi rompido. Por isso, o desafio de reconectar e preservar é urgente. As aves precisam das árvores, dos insetos, dos anfíbios, dos mamíferos, tudo está ligado — afirma Morante.

Os macacos, por exemplo, praticamente se foram, e eles são os maiores dispersores de sementes de árvores nativas da Floresta Atlântica.
Os macacos, sublinha Morante, estão entre as maiores vítimas da caça.
Os bugios, ele diz, foram massacrados.
Existem grandes árvores, como as sapucaias, que não têm mais dispersores. Algumas delas ainda existem, mas não haverá mais dispersão e renovação — salienta Morante.

 

De acordo com o pesquisador, cerca de 80% das espécies de árvores de grande porte da Mata Atlântica precisam de animais para dispersarem suas sementes.

Algumas árvores do Sul baiano chegam a ter 800 anos de idade, fósseis vivos, para os quais o destino até agora não sorri.

Nos pequenos remanescentes, quando os frutos de uma planta-mãe caem no chão da floresta, não há quem os espalhe.

Muitos apodrecem, e patógenos destroem as sementes.

Outros são comidos por animais de espécies que não fazem dispersão. As poucas sementes que sobram têm como berço uma serrapilheira (cobertura de folhas do chão da floresta) mais seca e nem sempre conseguem germinar.

E assim se perdem sapucaias, paus-brasil, jequitibás, jacarandás-da-bahia, maçarandubas, entre tantas outras — lamenta o cientista autor do estudo.

É preciso refaunar, e isso não é simples. Não se trata de liberar animais em seu novo habitat.

É preciso que existam o habitat e a proteção para que as tentativas de refaunação deem certo.

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