skip to Main Content

Indústria busca opções ao canudo de plástico

Pressão cada vez mais forte dos consumidores leva fabricantes a investir pesado em matérias-primas biodegradáveis para reduzir o impacto desses produtos na natureza

A campanha global contra o uso de canudos de plástico vem ganhando adesões de empresas e do poder público graças a uma onda crescente que tem contado com a ajuda das redes sociais e de milhões de consumidores que condenam o uso do produto por causa dos resíduos descartados no meio ambiente, principalmente nos oceanos.

Algumas cidades americanas já transformaram a guerra ao plástico descartável em lei. É o caso de Seattle, que em julho passou a proibir o uso de utensílios feitos com a resina obtida a partir do petróleo em restaurantes, cafés e lojas de alimentação. Quem descumprir a regra vai pagar multas a partir de US$ 250. Apenas nos Estados Unidos, o consumo diário de canudinhos chega a 500 milhões de unidades por dia. Na natureza, seu tempo de decomposição é de aproximadamente 200 anos.

No Brasil, a cidade do Rio de Janeiro foi a primeira a adotar esse tipo de restrição. Desde o mês passado, bares, restaurantes e quiosques são obrigados a oferecer canudos de papel. A punição para quem não seguir a lei pode chegar a multas de R$ 6 mil. Outras cidades brasileiras, como São Paulo, discutem a possibilidade de adotar o mesmo tipo de regra.

Para quem oferece canudos a seus clientes, o caminho tem sido trocar o plástico por outras matérias-primas. Nas últimas semanas, grandes grupos como Starbucks, McDonald’s, American Airlines, Disney e Marriott anunciaram que já começaram a fazer a transição do plástico para outros materiais e que pretendem abandonar a resina definitivamente nos próximos anos.

Alternativas

Com as empresas se antecipando à legislação para atender à mudança de hábito do consumidor, os fabricantes de canudos de plástico começaram a buscar soluções para adequar a produção a um novo perfil de demanda. Paralelamente, pequenos empreendimentos têm investido no desenvolvimento de materiais alternativos, como os acessórios feitos de vidro, bambu e metal.

Dona da marca de canudos Bicão, a Plastifer, de São Paulo, começou a produzir canudos de plástico biodegradável em julho. Até o fim do mês, a mudança chegará a 100% da produção. Para chegar a essa solução, conta Valney Aparecido, gerente-geral da empresa, foi preciso pesquisar quem poderia fornecer o aditivo responsável por “quebrar” o polipropileno usado nos acessórios. “Estamos buscando soluções desde janeiro”, diz o executivo. “No começo, o valor do aditivo era tão alto que dobraria o preço do canudo.” Agora, segundo o executivo, o produto biodegradável deve ter uma alta de 5%.

A Plazapel, de Orleans, no interior catarinense, atua no segmento de descartáveis com 10 opções de canudos, além de pratos, copos e talheres. Procurada, a empresa informou que ainda não fabrica os canudos de papel, mas tem buscado informações sobre a matéria-prima alternativa para então estudar a possibilidade de incluí-la na linha de produção. A Fulpel, outra grande empresa do segmento de produtos descartáveis, também se prepara para começar a aderir a outra matéria-prima. Neste mês, começam a ser produzidos os modelos feitos com papel. A previsão é que essa linha responda por 20% das vendas dos acessórios até o fim do ano.

Vânia Zuin, professora e pesquisadora da Universidade Federal de São Carlos e da Universidade de York na área química, acredita que a indústria de plástico tenha evoluído pouco nos aspectos ambientais, se concentrando mais em características cosméticas de seus produtos, como efeitos que valorizam a cor e o brilho com o objetivo de estimular o consumo.

Consumo consciente

Ao longo dos anos, o canudinho acabou sendo o “ícone” dessa mudança de comportamento do consumidor e se tornou um item muito usado, mas “sem uma necessidade funcional”, explica a pesquisadora. “Isso, no fundo, só serve para agregar mais matéria-prima sem função. Falta a essa indústria, muito resistente a mudanças, investir em análises mais criteriosas que atendam a várias características sustentáveis, não só econômicas, mas sociais e ambientais. O modelo de produção hoje é insustentável”, avalia.

Ainda segundo Vânia, as alternativas que surgem ao canudinho de plástico são melhores, mas além de leis que proíbam os acessórios de origem petroquímica deve haver um movimento de educação dos consumidores “para que não utilizem tantos produtos desnecessários”. O consumo desses pequenos itens realmente é elevado. Só no caso da rede Starbucks, são 1 bilhão de unidades por ano.

A Abiplast, entidade que representa o setor do plástico, tem feito algumas ações para aumentar a conscientização também entre os fabricantes. Em 2016, a associação lançou o selo Senaplas, que identifica as empresas recicladoras que trabalham dentro dos critérios sociais, ambientais e econômicos exigidos por lei. Depois de dois anos, apenas 14 conseguiram a chancela. Há ainda a modalidade do selo que certifica produtos feitos com plástico reciclado para garantir um material com maior qualidade.

Ricardo Hajaj, coordenador da Câmara de Recicladores da Abiplast, concorda que há um consumo excessivo e o descarte inadequado de muitos materiais plásticos – como as sacolinhas. Por isso, o executivo defende que haja políticas governamentais que aumentem a adesão a programas de reciclagem, por meio de incentivos fiscais (como a redução do ICMS), além da conscientização dos consumidores sobre o descarte correto. “Se hoje não se recicla o canudo é porque ele não chega aos recicladores”, afirma. Hajaj defende o setor e diz que a indústria está “consciente sobre a necessidade de dar o destino correto ao plástico e desenvolver produtos mais leves, que levem em consideração o seu ciclo de vida”.

Maior petroquímica do país, a Braskem mantém desde 2012 um programa de incentivo às cooperativas de reciclagem do plástico. Além disso, a empresa faz parte de uma plataforma, a Wecycle, que se propõe a valorizar os resíduos plásticos ao longo de toda a cadeia produtiva, contribuindo com a reciclagem, o pós-consumo e o meio ambiente. Entre os parceiros estão o GPA, que utiliza resina reciclada para produzir embalagens do produto tira-manchas da linha própria Qualitá, e a Condor, fabricante de um kit de pintura que também usa essa matéria-prima.

Por meio de nota, a empresa informou estar “atenta ao movimento envolvendo os canudos plásticos, acreditando que eventuais impactos serão antes equalizados com um olhar para o setor como um todo e para os hábitos da sociedade, desenvolvendo tecnologias que gerem ganhos em todos os aspectos – industriais, sociais e ambientais”.

As empresas que decidiram abandonar o acessório de plástico

American Airlines – A companhia aérea americana vai reduzir o uso do plástico em suas salas de espera e nos aviões. A expectativa é cortar o uso da matéria-prima em cerca de 30 mil quilos ao ano. Em julho, os canudos de plástico começaram a ser trocados por modelos feitos com material biodegradável e palitos de madeira para misturar as bebidas. A partir de novembro, será a vez de substituir o material atual pelo bambu.

Marriott International – A rede americana de hotéis anunciou em julho que deixará de usar canudos e palitos de plástico em suas 6,5 mil unidades, distribuídas por 30 marcas. A meta é concluir o projeto daqui a 12 meses. Com a decisão, o grupo deixará de usar cerca de 1 bilhão de tubinhos de plástico por ano e em torno de 250 milhões de palitos.

McDonald’s – A Arcos Dourados, franqueada da rede de fast-food no Brasil e América Latina, passará a dar canudinhos apenas aos clientes que pedirem. A nova política passa a valer este mês. Em junho, a companhia anunciou que pretende tirar o acessório das lojas do Reino Unido, mas por enquanto essa possibilidade não é tratada aqui. A empresa informou que adotará embalagens de fontes renováveis, recicladas ou certificadas em todos os restaurantes até 2025.

Starbucks – Em julho, a Starbucks comunicou que até 2020 deixará de usar o acessório de plástico em todas as 28 mil lojas no mundo. Cerca de 1 bilhão de canudos deixarão de ser descartados no lixo por ano, segundo a rede de cafés. Para isso, a companhia precisou fazer adaptações nas tampas dos copos de bebidas geladas de café e chá. Por volta de 8 mil lojas nos Estados Unidos e no Canadá já não utilizam mais o modelo de plástico. Quem não abrir mão do canudinho poderá usar a versão de papel ou de plástico biodegradável.

Royal Caribbean – A frota de 50 navios da Royal Caribbean deixará de ter acessórios de plástico até 2019, conforme comunicado feito em junho. Serão oferecidos nas embarcações apenas modelos de papel. Desde 2017, os canudos deixaram de ser ofertados voluntariamente nos cruzeiros. O passageiro tem de solicitar o tubo caso queira.

Disney – A gigante do entretenimento anunciou em meados de julho que pretende abrir mão de canudos e mexedores de bebidas feitos com plástico e não reutilizáveis em todos os seus parques temáticos, resorts e propriedades até meados de 2019. Fica de fora da decisão o Tokyo Disney, que pertence e é operado pela The Oriental Land Co. Deixarão de ser utilizados 175 milhões de canudos e 13 milhões de mexedores por ano.

SeaWorld Parks & Entertainment – O operador de 12 parques temáticos, entre eles o SeaWorld e o Busch Gardens, comunicou ao mercado em junho que deixará de usar os canudinhos em todas as suas unidades.

Ikea – A cadeia sueca de móveis, dona de 363 lojas, prometeu abandonar os produtos plásticos de uso único, como canudos, sacolas, copos, pratos e sacos de lixo, em suas lojas e restaurantes até 2020, substituindo a matéria-prima por uma que seja mais amigável em termos ambientais.

Bon Appétit – A maior empresa de serviços de alimentos dos Estados Unidos abandonará os acessórios de plástico usados nas bebidas em suas 1 mil unidades até setembro de 2019.

Hyatt Hotels – A partir de setembro, a rede hoteleira passará a oferecer canudinhos apenas se o cliente solicitar.

 O exemplo que vem de consumidores e comerciantes

Banidos na cidade do Rio de Janeiro, os canudinhos podem estar também com os dias contados no restante do país. Projetos de lei em tramitação na Câmara dos Deputados preveem a proibição de uso, fabricação e comercialização dos tubinhos de plástico em todo o território nacional. Todos estão em discussão na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Com exceção de um deles, o PL 10.345, que dispõe sobre a diminuição gradativa, os outros determinam a proibição do fornecimento, venda, compra e disponibilização de canudos plásticos.

Na Câmara de BH, há duas proposições. O Projeto de Lei 614/2018, do vereador Elvis Côrtes (PHS) está sendo apreciado pela Comissão de Legislação e Justiça. Em fase mais avançada, o PL 557/2018, do parlamentar Jorge Santos (PRB), está pronto para ir a plenário. Ele obriga os estabelecimentos a fornecer canudos de papel biodegradável, reciclável e/ou reutilizável. Aos infratores, prevê como punição advertência escrita, multa que dobra na reincidência e cassação do alvará.

Enquanto as propostas não viram lei em BH, iniciativas individuais e de empresas contribuem para a mudança de comportamento dos consumidores na capital. A empresária Júnia Quick, por exemplo, decidiu que a partir de hoje em seus estabelecimentos de alimentação natural, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, canudos plásticos saem de cena para dar lugar aos biodegradáveis. Por enquanto, o fornecedor é de São Paulo. Mas, ela conta que já percebe um movimento por parte de empresas interessadas em vender o produto ecologicamente correto e, de outro lado, de lojas que querem mudar o que têm oferecido aos clientes. “O preço é bem mais alto, mas se justifica e não impacta no negócio”, relata a dona do Néctar da Serra.

“Já tinha esse desejo, e estamos sempre envolvidos com tudo o que diz respeito a reciclagem, fazendo o que podemos. O foco no canudinho é um início de conscientização contra o uso excessivo de plásticos e embalagens”, afirma. A empresária Renata Malloy Dias, de 42 anos, gostou da novidade. “Às vezes, você toma dois sucos e vêm dois canudos. Devolvo sempre o segundo. Fico satisfeita com a iniciativa, pois é algo que me aflige pessoalmente”, diz.

Mercado

No Mercado Central, um dos pontos de comércio mais tradicionais da capital mineira, os canudinhos de plástico estão por todos os lados. Dono da Lanchonete Palhares, Júlio César Palhares diz que gasta cerca de 500 por semana. Apesar de ser favorável às mudanças, ele considera adotar novos modelos apenas mediante lei municipal ou uma diretiva do mercado. “Tudo o que traz malefício ao meio ambiente tem que acabar. Não é um produto de necessidade para a maioria das pessoas”, afirma. A salgadeira Ana Maria Silva, de 61, lancha no mercado sempre que vai às compras. “A gente pega porque vê, mas os canudos deveriam ser abolidos”, diz.

Algo que já fez a Escola Casa Fundamental, no Bairro Castelo, na Região da Pampulha, onde canudos, simplesmente, não existem. “As crianças mais novinhas, que chegam com dependência de copo com canudo ou bico, se acostumam rapidamente”, relata. “Fazemos escolhas conscientes na escola, desde uma alimentação orgânica até não usar o canudinho. Ensinamos às crianças que as escolhas que fazem têm repercussão no mundo”, diz Maria Carolina Mariano, diretora da escola.

Fonte – Junia Oliveira e  Paula Pacheco, Estado de Minas de 01 de agosto de 2018

Este Post tem 0 Comentários

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Back To Top