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Lagos sagrados são ameaçados por projeto expansionista da capital chinesa

Estátua da deusa da misericórdia no lago principal de Baiyangdian, dentro da área de Xiongan, na ChinaEstátua da deusa da misericórdia no lago principal de Baiyangdian, dentro da área de Xiongan, na China. Sim Chi Yin/The New York Times

 

A poucas horas de carro ao sul de Pequim se encontra uma delicada série de lagos e lagoas, famosa ao longo dos séculos por sua pesca, caça e brisas frescas de verão.

Mas ao longo das próximas décadas, essas frágeis terras alagadiças se transformarão em uma enorme cidade satélite da superpovoada capital chinesa. Hospitais, universidades, mercados atacadistas, sedes de empresas, quase tudo que não cabe no papel de Pequim como centro político da China, será mudado para perto de Baiyangdian, no que as autoridades chamam de “projeto do milênio”.

A ideia é transformar Pequim em algo como Washington, uma cidade construída em torno do governo nacional, com ruas e monumentos imponentes que manifestem poder.

“O governo está redefinindo como Pequim deve ser”, disse Zhang Yue, um pequinês que agora é professor associado da Universidade de Illinois, em Chicago, e autor de um livro comparando Pequim a outras cidades globais. “Ele não quer uma cidade com bairros antigos, uma cidade de cultura e história, mas uma cidade política que atenda às necessidades do governo central.”

Os planejadores começaram a transferir muitos dos serviços municipais da capital para outra cidade satélite, Tongzhou, e há planos para demolição das ruas de bairros e mercados caóticos, porém agitados.

As ambições expansionistas do governo são mais claras aqui, naquela que será conhecia como Nova Área de Xiongan. Três vezes maior do que Nova York, ela será construída da estaca zero na delicada área de lagoas e terrenos pantanosos de Baiyangdian, no condado de Xiongan.

A região é pontilhada por um grande número de vilarejos à beira dos lagos e barragens, uma área cujo acesso só era possível por barco até meia dúzia de anos atrás. A construção de estradas trouxe turismo e uma prosperidade modesta. As casas foram ampliadas, tornando a construção um setor importante.

Mãe empurra filho por viela estreita no vilarejo histórico de Quantou. Sim Chi Yin/The New York Times

Os moradores locais sabem que grandes mudanças estão em curso, mas não sabem o que essas mudanças significarão para a vida nas terras alagadiças.

“É claro que é uma grande honra o governo central dar atenção a nós aqui em Baiyangdian”, disse Chen Dazheng, um barqueiro que pesca e transporta pessoas pelos canais da região. “Apenas não sabemos o que esperar, exceto que teremos que nos mudar.”

Isso ficou aparente assim que os planos foram revelados em abril. Os preços dos imóveis na área começaram a disparar e as autoridades impuseram imediatamente uma proibição rígida a qualquer tipo de nova construção.

Na China, a indenização por imóveis desapropriados é baseada em sua metragem. No passado, isso levou os moradores a ampliarem suas casas ou negócios para que pudessem reivindicar mais dinheiro.

Agora, tudo está parado. Em quase toda esquina e ao lado de muitas casas existem pilhas de 3 metros de tijolos aguardando operários. Mas não podem ser tocadas. Isso vale até mesmo quando um filho se casa e um novo cômodo é necessário para o novo casal, tradicionalmente a necessidade mais urgente de novo espaço.

Em um dos vilarejos mais pitorescos da região, Quantou, um quebra-cabeça de ruas estreitas e muros altos, os moradores aguardam ansiosamente para descobrir se suas casas serão demolidas. No ano passado, o vilarejo foi listado no registro do patrimônio histórico, não apenas por sua arquitetura, mas também pela cultura estreitamente ligada à sua geografia.

Quantou é lar de um estilo de canto complexo derivado das escrituras budistas. A música é cantada por um coral de moradores locais que todo ano cruzam de barco o lago Damaidian próximo até um templo em homenagem ao deus da medicina.

Anxin, sede do condado chinês com 55 mil pessoas na província de Hebei

“Esperamos continuar fazendo isso mesmo após o vilarejo ser demolido, mas depende de onde morarmos”, disse Xia Manjun, 36 anos, um integrante do coral de Quantou. “Moraremos nas proximidades ou seremos dispersos? Será que teremos acesso aos lagos caso sejam todos margeados por escritórios?”

Esse tipo de urbanização e redesenvolvimento forçados já causaram estragos sérios a culturas tradicionais em locais como Pequim. Lá, a destruição das ruas hutong tradicionais eliminou os grupos tradicionais de música e artes marciais, dispersando os moradores por subúrbios distantes.

Em lugares como Quantou, a situação é ainda mais frágil. Pessoas como Xia estão entre as últimas que ainda conhecem as músicas antigas. Ele vende produtos agrícolas nas cidades durante a semana e retorna a Quantou nos fins de semana, para ensinar a tradição às crianças locais.

Famílias chinesas usam barcos ou lanchas para se locomover pelo lado de Baiyangdian, na área de Xiongan

Em um domingo recente, ele liderou 20 alunos em uma oficina de quatro horas de ensino da música que muitos dos pais delas aprenderam enquanto cresciam naquela que então era uma parte relativamente isolada do país.

Mesmo com estradas, a área ainda é difícil de percorrer. A apenas 24 km de Quantou, mas a uma hora de carro por estadas acidentadas fica Anxin, a sede do condado com 55 mil habitantes. Ela é uma das poucas áreas urbanas na região. Lá, o professor Zhou Runbiao, um historiador do governo local, diz que as preocupações com o futuro desenvolvimento são exageradas.

Como uma das poucas autoridades dispostas a falar publicamente sobre o projeto, Zhou ofereceu uma avaliação levemente otimista. Primeiro, ele apontou que o plano foi anunciado apenas em abril e que os detalhes ainda não foram acertados. Assim, ele diz, a conversa sobre demolições é “prematura”.

Ele disse que a Nova Área provavelmente ajudará a melhorar a qualidade ruim da água na região. Nos anos 50, os lagos e terras alagadiças cobriam quase 777 quilômetros quadrados e eram alimentados por nove rios que fluíam das Montanhas Taihang. A área era famosa por sua aquicultura e águas claras.

Então teve início o programa de construção de barragens que transformou grande parte da China, contendo as enchentes crônicas que atormentaram o país por séculos e proporcionando energia hidrelétrica limpa. Mas o efeito sobre as áreas alagadiças foi catastrófico. Os pântanos e lagos da região encolheram pela metade, indústrias se instalaram e a água agora não é mais potável.

“O motivo é que os governos locais faziam como bem entendiam”, disse Zhou. “Agora, sob o controle do governo central, as fábricas serão fechadas e a haverá limpeza da água.”

Casas antigas abandonadas convivem com novos apartamentos em Anxin, na supercidade de Xiongan

Especialistas independentes disseram acreditar que de fato pode ser o caso. Ma Jun, diretor do Instituto de Assuntos Públicos e Ambientais, um centro de estudos em Pequim, disse que o projeto pode levar a um afluxo de novos moradores, o que resultaria em um aumento do consumo de água. Mas também muito provavelmente resultaria em novos fundos públicos para restauração do ecossistema.

“Basicamente dependerá de quão grandes forem os esforços, quão firme for a determinação e quão rígido for o mecanismo de monitoramento”, disse Ma. “Se não forem cautelosos o suficiente no início, haverá problemas.”

Perto da casa de Zhou fica o principal lago de Baiyangdian e uma reserva natural de 13 mil hectares, onde fica um incomum museu privado das guerrilhas travadas pelos chineses contra os japoneses nos pântanos e canais durante a Segunda Guerra Mundial. Um dos fundadores do museu, Wang Mutou, 66 anos, disse que espera pouca resistência ao novo plano.

“Nossos sistemas são diferentes”, ele disse. “Vocês são donos de suas terras, mas na China temos apenas direitos de uso. As terras são de propriedade do governo.”

Ele tinha apenas um apelo, compartilhado por muitos de seus vizinhos que pescam, viajam e rezam ao longo dos canais locais.

“Sabemos que teremos que nos mudar”, disse Wang. “Apenas esperamos que quando todos os institutos de pesquisa se mudarem para cá, todas as empresas, que nos permitam algum acesso a nossas águas. Por favor, nos permitam permanecer próximos da água.”

Fontes – Ian Johnson, The New York Times / tradutor George El Khouri Andolfato, UOL de 30 de julho de 2017

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