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O começo do fim da farra da indústria de refrigerantes. Ou não

Em meio a cortes provocados pela greve dos caminhoneiros, governo reduz créditos de Coca e Ambev. Basta saber se resistirá a pressões

No meio de uma extensa lista de cortes de programas sociais, ao menos uma notícia favorável ao interesse público. O governo federal começou a retirar os subsídios dados à indústria de refrigerantes. A redução de 20% para 4% na alíquota de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) dos concentrados produzidos na Zona Franca de Manaus é um dos resultados da greve dos caminhoneiros.

Pode parecer estranho que uma redução da carga tributária resulte em aumento de arrecadação.

Porém, o Decreto 9.393, assinado por Michel Temer e publicado no último dia 30 no Diário Oficial da União, representa uma forte perda para as fabricantes de bebidas adoçadas, em especial para Coca-Cola e Ambev. Isso porque o crédito a que terão direito por comprar o concentrado produzido na Zona Franca será bem menor.

A política de incentivos para empresas que compram da Zona Franca faz com que o setor de refrigerantes chegue a dar prejuízo para o governo, conforme revelamos aqui no Joio. Nosso cálculo (conservador) é de que ao menos R$ 7 bilhões são dados anualmente ao setor, entre impostos federais e estaduais. O subsídio gira em torno de R$ 0,15-0,20 por lata, e chega a R$ 0,50 nas garrafas de dois litros.

A Receita Federal tenta há anos dar fim ao esquema, mantido graças a muitas articulações políticas. O artigo 153 da Constituição prevê direito a um crédito sobre o IPI pago entre uma etapa e outra da industrialização. Isso serve para evitar que o tributo se acumule sobre o preço final. As engarrafadoras que compram concentrados da Zona Franca cobram esse crédito mesmo sem o pagamento de impostos na etapa anterior.

“Vimos que eram incentivos que geravam efetivamente distorção no sistema, eram benefícios que não geravam, vamos chamar assim, impacto para toda a sociedade, mas sim muito específico”, disse o secretário-geral da Receita, Jorge Rachid, durante entrevista coletiva na última semana. No ano passado, durante audiência pública, o órgão havia manifestado clara contrariedade com a manutenção da situação.

A expectativa agora é de arrecadar mais R$ 740 milhões até o fim de 2018, valor condizente com os cálculos apresentados por nós, de R$ 2 bilhões ao longo de um ano. Ainda assim, as empresas continuarão a contar com incentivos de ICMS, PIS-Cofins e Imposto de Renda – esse último também tende a ser afetado com a mudança de tributação, já que a arrecadação geral deve cair.

Como mostramos, quanto maior o valor da nota fiscal emitida, maior o crédito a que se tem direito na etapa seguinte. Isso funciona como um incentivo ao superfaturamento. Notas fiscais que obtivemos expõem essa situação. O concentrado da Coca-Cola, quando vendido ao mercado externo, custa em torno de R$ 70. Quando repassado a empresas no Brasil, chega a valer até R$ 470.

A Associação Brasileira da Indústria de Refrigerantes e de Bebidas Não Alcoólicas (Abir) se disse surpresa com o decreto. “Nos últimos 30 anos o setor se converteu em um dos maiores exportadores da ZFM. Nesse período, a indústria brasileira de refrigerantes e de bebidas não alcoólicas tornou-se responsável por um recolhimento de R$ 10 bilhões em impostos federais, estaduais e municipais, e emprega direta e indiretamente mais de 1,6 milhão de brasileiros.”

Em outras ocasiões, a Abir conseguiu reverter a medida. Documentos que obtivemos mostram como o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), um dos maiores engarrafadores de Coca-Cola do Brasil, interviu junto ao então ministro da Fazenda, Guido Mantega, e conseguiu a edição de um novo decreto em 2008, quando a Receita tentou frear o esquema.

A diferença é que agora a economia não cresce e o orçamento público está cada vez mais apertado. Além disso, a Receita ganhou força na argumentação de que é preciso dar fim ao esquema. E há muito mais evidências de que as bebidas adoçadas causam mal à saúde. Em todo o mundo, quase 40 países ou estados já adotaram tributação especial sobre esses produtos na tentativa de enfrentar os problemas causados pela obesidade.

Desde a década passada, a Associação dos Fabricantes de Refrigerantes do Brasil (Afrebras), que representa algumas empresas menores, trabalha junto ao governo na tentativa de mudar a situação. A entidade alega que os créditos provocam um desequilíbrio, já que as empresas que compram os concentrados em Manaus acabam por ganhar subsídios bilionários. A leitura é de que a falência de pequenos e médios fabricantes está atrelada a esse cenário.

“São absurdos os valores em créditos tributários. Essas empresas compensam esses créditos gerados na fabricação de concentrados para abater tributos de bebidas alcoólicas, por exemplo. Uma atitude simples, que promove justiça ao setor de bebidas brasileiro, e que traz enormes benefícios aos cofres públicos, merece a atenção de Vossa Excelência”, afirmou Fernando Rodrigues de Bairros, presidente da Afrebras.

Fonte – João Peres, O Joio e o Trigo de 04 de junho de 2018

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