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Oito exemplos de águas de rios que foram limpos mundo afora e como poderíamos chegar lá

Alguma coisa está bastante fora da ordem quando eu vejo nas principais páginas de meio ambiente de sites pelo mundo, a (mesma) foto do corpo destroçado de uma boneca, de cabeça virada para o lado, mergulhado numa água imunda, cheia de lixo. Aquelas são as águas da Baía de Guanabara, informam-me as legendas. Não me espanto, porque conheço bem o problema da poluição nesse lugar. Mas fico me perguntando em que paradoxo, dos muitos da nossa era, se encaixariam esta triste cena e a imagem ufanista do Rio como cidade maravilhosa que conseguiu ganhar, em 2009, as eleições do Comitê Olímpico Internacional (COI) para sediar o evento aqui no ano que vem?

Falei sobre meu desconforto a amigos. Afinal, como só agora, seis anos depois, descobriram que os atletas terão que nadar entre fezes, carcaças de animais mortos e lixo variado e que isso, é claro, vai trazer problemas para a saúde deles? A questão é que havia um compromisso de acabar com o problema, não cumprido, recordam-me alguns. E alguém achava que seria cumprido?, esbravejo, irritada que ando com tanta superficialidade nas promessas de autoridades. Instigam-me a pesquisar mais sobre o assunto para escrever aqui no blog, e me lancei à tarefa. Afinal, jornalista que tenta manter sempre atualizados os assuntos ligados à sustentabilidade não pode deixar essa notícia de lado.

Primeiro, busco boas notícias. Se os atletas olímpicos tivessem que concorrer em territórios diferentes, estariam mais seguros contra o risco de contrair hepatite, giardíase, amebíase, esquistossomose e outras doenças mais? Segundo uma reportagem de 2013 publicada no site EcoDesenvolvimento, atualmente os 500 maiores rios do planeta enfrentam problemas com poluição, dado colhido na Comissão Mundial de Águas. Mas há oito exemplos que foram elencados porque conseguiram livrar desse mal as populações das cidades do entorno. Vamos a eles.

Paris já foi banhada por um rio em estado lastimável, mas isso na década de 20 do século passado. A partir de 1960 os franceses, incomodados com a situação, passaram a exigir de seus governantes estações de tratamento de esgoto, e a meta é que este ano o Sena esteja 100% despoluído. Há um incentivo em dinheiro para os agricultores que vivem às margens não sujarem as águas, mais ou menos como é a proposta do projeto que pretende pagar aos moradores da floresta para deixá-la em pé. Em tempo: consultei, via email, uma amiga que mora em Paris e ela me disse que a meta de o Sena estar totalmente limpo ainda não foi alcançada.

O Rio Tâmisa, em Londres, também não era motivo de orgulho para os londrinos no século XIX , mas este problema parece já estar longe de preocupá-los. Há duas mega estações de tratamento de esgoto e dois barcos percorrem o rio diariamente retirando toneladas de lixo por dia. Em Lisboa, foram investidos 800 milhões de euros para a revitalização do Tejo, o maior rio da Europa Ocidental. Em 2000 foi criada a Reserva Nacional do Estuário do Tejo que, junto a outras iniciativas, contribuem para manter o rio limpo. Hoje tem até golfinhos nadando em suas águas.

Em Seul, na Coreia do Sul, o que salvou o rio de pouco mais de 5 quilômetros que corta a cidade foi a implosão de um grande viaduto, um projeto de nova política de transporte público e a ampliação de parques verdes. Foram apenas quatro anos para revitalizar completamente o Rio Cheonggyecheon. Já outro rio na mesma cidade, o Han, que tem papel fundamental para o desenvolvimento da região, está passando pelo mesmo processo.

Às margens do Rio Reno, que tem 1,3 mil quilômetros e banha seis países europeus, durante muitos anos foram jogados dejetos industriais, o que o levou a ser apelidado, na década de 70, como “a cloaca a céu aberto da Europa”. Depois de um grande vazamento de detritos em 1986 os governos resolveram se mexer e hoje 95% do esgoto das empresas são tratados e já há 63 espécies de peixes vivendo em suas águas. Em Cleveland, nos Estados Unidos, também devido à maciça atividade industrial, aliado ao lançamento de esgoto doméstico, o rio Cuyahoga era bastante poluído. Um Ato de Água Limpa foi assinado nos anos 70, mais de 3,5 bilhões de dólares foram investidos e hoje seus 160km de extensão são lar e fonte de sustento de diversos animais.

Os canais de Copenhague, capital da Dinamarca, encerram essa lista. Já foram muito poluídos, mas quando a cidade decidiu se tornar neutra em carbono até 2025, começou a mudar este cenário. Reconstruíram as galerias pluviais, estabeleceram reservatórios de água em pontos estratégicos da cidade para armazenar água da chuva e o encanamento de esgotos foi melhorado. O lixo passou a ser incinerado. É bom que se diga: Copenhague é uma cidade que hoje vive focada em baixar as emissões e tem feito o dever de casa. Estive lá em 2011 e entrevistei a secretária de meio ambiente, Charlotte Korsgaard (leia aqui) . Naquela época, 37% dos moradores já andavam de bicicleta e a meta é chegar a 2025 com 50%.

Bem, acabam-se aí as boas notícias. O que nos interessa, voltando à trágica foto da bonequinha mergulhada em águas fétidas, é saber o que poderia ser feito para que esta cena servisse para que aqui no Rio a população, os governantes, os empresários, enfim… todo mundo junto decidisse que, mesmo que não fosse para evento algum, a Baía da Guanabara será, finalmente, limpa, porque os cidadãos cariocas merecem. Ter informação é básico para se engajar , dizem estudiosos do movimento social. Em recente lançamento de pesquisa sobre as obras que estão sendo feitas para as Olimpíadas, constatou-se que, justamente, informação é o que mais falta à Prefeitura nesse quesito.

No livro “A cidade no Século XXI” (Ed. Consequencia), o autor Álvaro Ferreira, crítico do fenômeno que ele chama de “cidades vendáveis” e de administradores que se tornaram “empreendedores”, diz que é cada vez mais “necessária a criação de formas de participação, por parte dos cidadãos, nas decisões de produção do espaço da cidade”. Para ele, “participar significa desejo de intervir, significa ter um sentimento de pertencimento a um grupo social, à cidade, e vontade de transformar o estado de coisas atual”.

Os bons exemplos que selecionei estão, não por acaso, em países ricos. Pesquisei como está a situação dos rios das nações dos Brics (termo criado por Jim O’Neill, diretor do Goldman Sachs, para os países emergentes com potencial de expansão), que têm na falta de recursos um grande álibi para o desleixo com suas águas. O resultado da minha pesquisa não deve surpreender ninguém.

Na China, o Yang Tsé tem sido vítima de águas residuais que contém antibióticos, entre outras fontes de poluição (leia aqui). O Rio Ganges, na Índia, recebe mais de dois terços do esgoto gerado em 118 cidades localizadas ao longo de sua bacia, segundo um relatório recente. De acordo com o Greenpeace Rússia, os poluentes nas águas do Rio Moscow têm violado os limites de segurança e, em grande parte, são lançados pelas indústrias locais (veja aqui).

Só para aumentar a quantidade de informações, no site do Comitê Olímpico a notícia é de que para cuidar do planejamento e da operação dos jogos há um orçamento de R$ 7 bilhões. Mas este dinheiro não é para realizar obra alguma.

Penso que a maior reflexão que se pode obter quando se começa a pesquisar a questão é que há um explicável – devido aos apelos do mercado – foco do prefeito em alavancar a cidade para além das fronteiras. Com isso, ganham aqueles que conseguem um emprego – mesmo que transitório – e, em tese, ganharia também a cidade com obras que deixariam a vida dos cariocas mais saudável e confortável. Eu disse, em tese…

Imagem – Matthew Stockman/Getty Images

Fonte – Amelia Gonzalez, G1 de 03 de agosto de 2015

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