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ONU destaca poluição por uso excessivo de plásticos

Cyril Villemain/ONU Meio AmbienteErik Solheim, diretor-executivo da ONU Ambiente, discursa na abertura da 3ª Assembleia Ambiental das Nações Unidas, em Nairóbi, capital do Quênia

O formulário de inscrição para participar da 3ª Assembleia Ambiental das Nações Unidas (Unea, sigla em inglês) perguntava aos 2.000 diplomatas, cientistas e empresários se trariam para os três dias de evento sua própria garrafa de água. A pergunta era obrigatória – sem resposta, sem cadastramento. “Há plásticos em todos os lugares, nos parques nacionais, nas praias, nos peixes. Poluição é um problema gigante que temos que combater”, resume o norueguês Erik Solheim, diretor-executivo da ONU Ambiente, formalmente conhecido como Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).

Em sua cruzada contra o uso excessivo de plástico ele questiona: “Porque precisamos de canudinhos? Porque não podemos tomar um suco direto no copo?

” Solheim, um dos arquitetos do Fundo Amazônia (que ajuda na proteção da floresta com recursos noruegueses), empenhouse em uma luta de combate à poluição do ar, água e solos, a pauta mais forte da Unea. Também promoveu um fórum que reuniu 650 pessoas no fim de semana, em um esforço de promover o diálogo entre negócios, ciência e governo. “No longo prazo, crescimento econômico e proteção ambiental no Brasil dependerão de ter bons cientistas”, exemplificou.

Sua estratégia é criar conexões cada vez mais forte entre meio ambiente e interesses coletivos concretos. “Para que a proteção ambiental tenha sucesso é preciso relacioná-la com o que faz sentido para a sociedade, como criação de empregos, desenvolvimento econômico, sair da pobreza”. Ele se diz otimista com os movimentos que observa em várias partes do mundo e cita exemplos que vão de aviões híbridos (movidos a eletricidade na decolagem e aterrissagem e a combustível convencional quando estão no ar) e em voos domésticos em 10 anos na Noruega, ao metrô chinês a hidrogênio.

Para ele, o Brasil não perdeu a liderança ambiental, mesmo com o País atravessando um período de turbulência econômica e política. Na entrevista que concedeu ao Valor em seu escritório em Nairóbi, ele sugere um caminho: “Os dois gigantes do mundo emergente, China e Índia, estão crescendo e lidando com questões ambientais, e são de enorme inspiração.” A seguir, trechos da entrevista:

Valor: O sr. promoveu um fórum inédito conectando ciência, governo e negócios. Por quê?

Erik Solheim: É a combinação das forças de governo, ciência e negócios que vão fazer com que consigamos avançar. Antes da Revolução Industrial vivíamos vidas curtas, a expectativa de vida era de menos de 40 anos, era um mundo completamente diferente. Ciência e negócios deram outra perspectiva. Se quisermos combater problemas ambientais no futuro teremos que ser guiados pela ciência.

“Para que a proteção ambiental tenha sucesso é preciso relacioná-la com o que faz sentido para a sociedade”

Valor: O diretor de uma universidade em Xangai disse no fórum que na China as universidades são os “think tanks” do governo e por isso o país é bem-sucedido. O Brasil vai na direção contrária, com cortes no orçamento da ciência. Institutos como o Inpe, pioneiro no monitoramento da floresta, ou o Emilio Goeldi, referência na pesquisa da Amazônia, estão ameaçados. O que o sr. acha?

Solheim: Como sabemos, há uma grande crise econômica e política no Brasil, o que é um cenário muito difícil para qualquer governo. Tenho total confiança de que o país sairá disso, mas, no meio tempo, proteger a ciência e o ambiente é algo útil para o futuro. Porque, no longo prazo, crescimento econômico e proteção ambiental no Brasil dependerão de ter bons cientistas.

Valor: Este ano, o tema da UNEA é poluição. Por quê?

Solheim: A poluição é o que mais mata seres humanos. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, quase sete milhões de pessoas morrem todos os anos em função disso e o número é muito maior se se incluir a poluição da água e do solo. Este é um problema de saúde e ambiental também. Há plásticos em todos os lugares, nos parques nacionais, nas praias, nos peixes. Poluição é um problema gigante que temos que combater.

Valor: Qual a estratégia?

Solheim: Para que a proteção ambiental tenha sucesso é preciso relacioná-la com o que faz sentido para a sociedade, como criação de empregos, desenvolvimento econômico, sair da pobreza. Combater a poluição também é central. Deixar o carvão e migrar para energia solar significa mais e melhores empregos. Na China e nos EUA há mais empregos em energias renováveis do que em toda a indústria de combustíveis fósseis. Se o que se quer é criar empregos para o futuro, proteger a saúde das pessoas e enfrentar a mudança do clima, combater a poluição é central.

Valor: Há alguns dias uma proposta do governo que subsidia o setor de petróleo passou na Câmara. O sr. vem de um país que tem muito petróleo também, mas também ajudar a proteger a Amazônia. Como o sr. vê este momento?

Solheim: O Fundo Soberano da Noruega, que é o maior do mundo, pode deixar de investir em petróleo, como divulgado há alguns dias. Porque não faz sentido investir na indústria do petróleo em um momento em que o mundo está se voltando às energias renováveis em uma velocidade que não se imaginava ser possível. É um argumento econômico, não ambiental.

Valor: A decisão foi tomada?

Solheim: Não ainda, mas veja. Havia um motivo ambiental de se migrar para energia eólica e solar, mas agora as razões são econômicas e muito fortes. O México acaba de fazer um leilão de [energia] solar com um preço fantasticamente baixo, a Tesla está testando uma nova bateria na Austrália, a China inaugurou o primeiro metrô movido a hidrogênio. A maior empresa de petróleo norueguesa, a Statoil, decidiu usar a tecnologia que tem na exploração offshore de petróleo para energia eólica offshore. Geração offshore é uma enorme promessa para o futuro. A Noruega também irá ter em 10 anos voos domésticos com aviões híbridos. Há muito sendo desenvolvido. Os dois gigantes do mundo emergente, China e Índia, estão crescendo e lidando com questões ambientais, e são de enorme inspiração.

Valor: O Quênia baniu o uso de sacolas plásticas. Como fizeram? São Paulo não conseguiu.

Solheim: Com liderança política. Decidiram e não mudaram de rumo. Cheguei ontem [domingo] do Massai Mara, que é o principal parque do Quênia, com uma enorme quantidade de vida selvagem, e as pessoas disseram que não tem mais plástico ali. Há muito apoio. Relacionando isso aos negócios, Nestlé e Danone anunciaram que em 2020 suas embalagens serão 100% biodegradáveis. Assim, se for parar na Amazônia, vai se degradar em pouco tempo.

Valor: Plástico é um grande tema na Unea.

Solheim: Sim. Uma vez, na Noruega encontraram uma baleia com 30 sacolas plásticas no estômago. Quando era ministro do Meio Ambiente na Noruega, abrimos o estômago de aves marinhas e a quantidade de plásticos no estômago delas era comparável a um ser humano com meio quilo de plástico na barriga. Outro dia encontraram uma lagosta que parecia ter o logo da Pepsi tatuado na garra. Plástico está matando baleias, pássaros. Temos que mudar. Porque precisamos de canudinhos? Porque não podemos tomar um suco direto no copo? Quando compramos duas laranjas ou duas maçãs no supermercado, porque precisamos de uma bandeja de plástico, mais um plástico embrulhando as frutas e outra sacola de plástico para levar tudo embora? Podemos chegar à lua, inventar inteligência artificial e curar o câncer e não podemos criar plásticos melhores, que degradam?

“Se queremos criar empregos, proteger a saúde e enfrentar a mudança do clima, combater a poluição é central”

Valor: Os grandes centros brasileiros não têm um bom sistema de transporte público e o ar está muito comprometido. Como podemos começar a mudar?

Solheim: Penso em algumas coisas acontecendo ao mesmo tempo. É preciso investir em transporte público, que pode ser metrô mas também alternativas mais baratas. O Brasil criou uma revolução com os ônibus e corredores, como vimos há anos em Curitiba. Outro ponto é ter carros elétricos em vez de carros a gasolina – todas as montadoras estão investindo nisso, eles virão logo. É preciso regular o mercado criando espaços atrativos para eles. Além disso, o sistema de compartilhamento de bicicletas também ajuda, assim como um melhor planejamento de cidades.

Valor: Há ainda espaço para o etanol? O Brasil tem colocado muito esforço nisso.

Solheim: Com certeza. Os chineses anunciaram o primeiro voo há pouco, de Beijing a Chicago, com 50% de biomassa no mix energético feito a partir de óleo de cozinha reciclado. Não podemos fazer apenas uma coisa. Temos que pensar em biomassa, hidrogênio, solar, eólica, geotérmica, tudo junto.

Valor: Sobre poluição do solo: a agricultura feita em alta escala pode usar menos agrotóxicos?

Solheim: Estamos vendo grandes bancos globais investindo para permitir que os produtores possam usar menos pesticidas e fertilizantes [o holandês Rabobank iniciou uma parceria neste sentido com o Pnuma]. Estima-se que assim se produzirá mais, sairá mais barato para o produtor e também para o governo, que não terá que subsidiar muito o setor.

Valor: O sr. é um dos criadores do Fundo Amazônia, que é financiado pela Noruega. Como o sr. vê o Brasil de hoje na agenda ambiental? Retrocedemos?

Solheim: Estou muito mais esperançoso do que muitos dos meus amigos no Brasil. O que vejo do exterior é que mesmo nesta grande crise é surpreendentemente positivo como a consciência ambiental está espalhada no Brasil. Vemos que há consenso da esquerda e da direita no Brasil em defender o ambiente. Isso tem que continuar depois da estabilidade que vier com a nova eleição. A perspectiva de longo prazo tornará possível trabalhar em políticas de proteção ambiental.

Valor: O sr. não acha que o Brasil perdeu a liderança?

Solheim: Acho que o Brasil ainda tem bastante liderança. O fato de o desmatamento da Amazônia ter caído no ano passado é positivo. Há iniciativas como aquela proposta de um grande santuário de baleias no Atlântico em direção à Antártica. É uma parte negra da história da Noruega, que caçou muitas baleias ali. Há boas notícias vindo do Brasil, mesmo em uma situação bem difícil.

Valor: O que aconteceu com a agenda ambiental depois de os Estados Unidos anunciarem sua saída do Acordo de Paris?

Solheim: Até agora as implicações têm sido bem menores do que esperávamos. Nenhum país resolveu seguir os EUA. As nações reafirmaram seu apoio ao Acordo de Paris e o setor privado nos EUA está na vanguarda.

Valor: Mas as finanças climáticas estão mais complicadas do que nunca.

Solheim: O fato de o preço da energia solar e eólica ter caído tão dramaticamente é muito importante para o mundo em desenvolvimento. Um mecanismo global de financiamento é fundamental, principalmente aos mais carentes, mas a resposta dos mercados também.

Valor: E a China? Está assumindo a falta de liderança deixada pelos Estados Unidos?

Solheim: A China está se movendo rumo à economia verde em velocidade inimaginável. No Congresso Nacional do Partido Comunista, em outubro, o presidente Xi Jinping falou muitas vezes em meio ambiente, talvez mais do que de economia. Falou em limpar rios, em civilização ecológica, que florestas são a nova meta. Lançou muitos slogans e claro que as políticas neste rumo irão vir.

A jornalista viajou à UNEA a convite da ONU Meio Ambiente

Fonte – Daniela Chiaretti, Valor Econômico de 05 de dezembro de 2017

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