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Ribeirinhos de Montanha e Mangabal

Ribeirinhos de Montanha e MangabalFoto: Lilo Clareto

Comunidade se uniu a indígenas e, juntos, promovem a autodemarcação do seu território, enfrentando madeireiros, garimpeiros, grileiros e palmiteiros

A notícia chegou em garrafas de vidro jogadas no rio de um avião pequeno. A comunidade lembra bem do momento em que se descobriu, pela mensagem que caiu do céu, a grande luta pela frente. “Era uma carta proibitória: proibia caçar, pescar, fazer roça. Não tinha nenhuma atividade da nossa sobrevivência aqui que alguém pudesse fazer”, conta Maria Odileia Silva, 52 anos, todos vividos na mesma comunidade nas margens do rio Tapajós, oeste do Pará.

A carta vinha da Indussolo, empresa madeireira que afirmava ser dona de mais de 1 milhão de hectares, inclusive a terra das famílias ribeirinhas. A Indussolo chegou por ali na mesma época da rodovia Transamazônica, nos anos 1970. Naquela década, pessoas expulsas pela criação do Parque Nacional da Amazônia – uma unidade de conservação que também não permite a caça, a pesca e a roça – se juntaram aos que já moravam em Montanha e Mangabal.

De lá pra cá, os ribeirinhos têm lidado com diversos tipos de invasões, que costumam ser reunidas nas ações de figuras conhecidas na região: grileiros, que se dizem donos da terra; madeireiros, que retiram o jatobá e o ipê;garimpeiros, que se dizem donos de outra área; e palmiteiros, que devastam os açaizais não deixandonada pra quem se alimenta deles.

Mas nem sempre foi assim. “Era comum a gente viver em total harmonia com a natureza e sem problema nenhum com questão territorial”, explica Ageu Lobo, 36,morador de Montanha e Mangabal.

O rio Tapajós é considerado a despensa por essas famílias. É dele que retiram os peixes que são base de toda sua alimentação. Na terra, plantam a mandioca – a farinha não pode faltar –, frutas e leguminosas que alimentam as famílias e os vizinhos. Ninguém fica sem comer.“E lá na rua [na cidade] não, se você não tiver o dinheiro pra comprar, não tem como”, esclarece Maria Odileia.

Foto: Lilo Clareto
Foto: Lilo Clareto
Foto: Lilo Clareto
Foto: Lilo Clareto
Foto: Mauricio Torres
Foto: Mauricio Torres
Foto: Mauricio Torres
Foto: Mauricio Torres
Foto: Mauricio Torres
Foto: Mauricio Torres
Foto: Mauricio Torres
Foto: Mauricio Torres
Foto: Lilo Clareto
Foto: Lilo Clareto
Foto: Lilo Clareto
Foto: Lilo Clareto

Reconhecimento e autodemarcação

Em 2006, a comunidade foi oficialmente reconhecida por decisão da Justiça Federal, fruto de ação movida pelo Ministério Público, e, em 2013, foi criado o Projeto de Assentamento Agroextrativista de Montanha e Mangabal, pelo Incra. A responsabilidade, porém, ficou só no papel. “O Incra, ao deixar de atuar como deveria, está executando na prática uma política favorável a quem é contra o processo de reforma agrária aqui”, conta Edson Nunes, perito federal agrário, na região há 12 anos. “Esse não é um caso específico de Mangabal. Projetos de assentamento mais antigos estão todos entregues à grilagem, a fazendeiros e pecuaristas. É frustrante”.

A comunidade também sofre com a ausência de políticas públicas para educação e saúde. As omissões do Incra e da prefeitura de Itaituba já foram alvo de diversas denúncias da comunidade e ações do Ministério Público Federal. “A Regional do Incra no Oeste do Pará tem limitações orçamentárias e de pessoal, o que impede o atendimento de todas as demandas simultaneamente”, justifica o órgão (confira a resposta na íntegra ).

Atualmente, o superintendente da regional é Mário da Silva Costa, irmão do deputado federal Wladimir Costa (SD-PA), que ganhou os noticiários ao fazer uma tatuagem temporária em homenagem a Michel Temer e que teve seu mandato cassado em dezembro pelo Tribunal Eleitoral do Pará por irregularidades cometidas nas eleições de 2014.

Se, por um lado, o governo federal não atende direitos essenciais da comunidade, por outro tem representado uma ameaça para esses ribeirinhos e outros povos da região. O complexo hidrelétrico planejado para o Tapajós, suspenso atualmente, se alia aos planos de fortalecimento da região Oeste do Pará como rota de escoamento da soja – o chamado Arco Norte.

Com o rio e terras alagados pelas barragens, somem os pedrais e sinuosidades características do curso d’água, considerados os berçários de peixes pelos povos locais. Em contrapartida, fica mais fácil o tráfego de balsas e barcos grandes. A barragem de Jatobá, se construída, afeta todo o ecossistema do qual dependem as famílias.

Frente a esse “inimigo comum”, ribeirinhos e indígenas formaram uma aliança estratégica. Começou quando o povo Munduruku se viu ameaçado pelo mesmo projeto – parte de suas terras seria alagada pela barragem de São Luiz do Tapajós. Em 2014, eles decidiram fazer a autodemarcação do território e receberam o apoio dos ribeirinhos de Montanha e Mangabal, que ajudaram a fazer as picadas na mata.

Foi a inspiração para que, em setembro de 2017, a comunidade pedisse ajuda de organizações, apoiadores autônomos, indígenas Munduruku e Sateré Mauê para começar a autodemarcação de seu território. Foram 6 dias, 18 km de trabalho e 43 pessoas. A atividade foi acompanhada de ameaças de morte e intimidações por parte dos invasores. Com os índios, os beiradeiros também construíram um protocolo de consulta, que deve ser seguido sempre que houver um empreendimento que afete a vida da comunidade.

No meio do furacão, a tensão continua. Em novembro, deu-se início a nova etapa da autodemarcação. Junto dos ribeirinhos de Montanha e Mangabal, estavam indígenas da bacia do rio. Foram Kaxuyana, Tiriyó, Xeréu, WaiWai, Txikyana, Munduruku e Apiaká. Os povos que vivem dos rios da Amazônia seguem na luta pela proteção da floresta da qual também dependem.

Foto: Lilo Clareto“Era comum a gente viver em total harmonia com a natureza e sem problema nenhum com questão territorial”, disse Ageu, morador. Foto: Lilo Clareto
Foto: Mauricio TorresA notícia chegou em garrafas de vidro jogadas de um avião: uma carta, assinada por empresa madeireira, proibia caçar, pescar e fazer roça. Foto: Mauricio Torres
Comunidade beiradeira de montanha e mangabal
  • Onde estão: beira do rio Tapajós, oeste do Pará
  • Atividades: pesca, roçado, caça e coleta de alimentos na mata
  • Por que lutam: pela demarcação de seu território em forma de Projeto de Assentamento Agroextrativista
  • Ameaças: grileiros, garimpeiros, palmiteiros, madeireiros.Complexo hidrelétrico projetado pelo governo federal.Omissão do Incra.
  • Como se organizam: em aliança com povos indígenas da região e apoiadores, realizam a autodemarcação do território
Fonte – Jessica Mota, Reporter Brasil de 27 de janeiro de 2018

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