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Uma calçada pra chamar de sua

Estou convencida de que a qualidade das calçadas deve fazer parte do IDH – Índice de Desenvolvimento Humano. Penso nisso todas as vezes que saio para caminhar pelo bairro onde moro, a Lapa, na zona Oeste de São Paulo. Encontrar alguns metros de calçada onde você pode caminhar sem ter medo de tropeçar, cair no buraco ou ter que se contorcer para ultrapassar os obstáculos é uma raridade.

Em 2012, fiquei esperançosa que essa história mudaria com a entrada em vigor da lei que regulamenta as calçadas paulistanas. Um grande alarde, multas e muita pouca coisa mudou.

Em 2017, a prefeitura de São Paulo lançou um programa chamado Nova Calçada com o objetivo de melhorar esses espaços e torná-los mais acessíveis. Ele começou a ser implementado na periferia em direção ao centro. Ainda não ouvi falar dele por aqui, pelo meu bairro, mas sou uma otimista convicta.

De qualquer forma, enquanto isso não acontece, pratico com Uli (meu marido e parceiro neste blog) a procura por calçadas caminháveis. Há uma bem perto de casa, na rua Ibiraçu, já do lado da Prefeitura Regional de Pinheiros. É um pequeno pedaço de cidadania.

Calçada na Rua Ibiraçu, com boa solução para desnível.

Em muitos países, a qualidade das calçadas é um assunto tratado com relevância pois está conectado à qualidade de vida das pessoas. Elas recebem tanto ou mais atenção do que a pavimentação das ruas. Isso porque quando “estamos” pedestres, somos todos iguais.

Em agosto deste ano, tivemos a felicidade de experimentar um paraíso das calçadas. Foi na pequena cidade de Schermbeck, com cerca de 13 mil habitantes, no Vale do Ruhr, na Alemanha, onde vive Dona Ursula Zens, minha sogra. Aos 87 anos, ela é um exemplo de vitalidade e envelhecimento saudável. Caminha todos os dias, anda de bicicleta, usa o transporte publico e atua como um “fiscal” da qualidade das calçadas da sua cidade.

Posso dizer, sem dúvida, que as calçadas contribuem muito para que Dona Ursula mantenha sua rotina saudável, seja no verão com mais de 30 graus ou no Inverno com menos de 10 graus.

Uli, que é arquiteto paisagista e projetou vários espaços públicos nessa região da Alemanha, conta, nesta minientrevista, porque as calçadas na Alemanha são tão convidativas e integradas à vida da cidade.

Por que as calçadas são tão bem cuidadas na Alemanha?

Lá o poder público cuida das calçadas a partir do limite da propriedade. O proprietário tem que fazer a limpeza e garantir que ela fique livre para a circulação. No inverno, quando acumula neve, o proprietário tem que acordar cedo para liberar pelo menos uma faixa da calçada para que as pessoas possam transitar.

E sobre o calçamento, os materiais usados, parece que eles duram tanto…

Os materiais passam por um controle rigoroso tanto nas questões de durabilidade como para garantir a segurança dos pedestres. Ou seja, garantem que eles não vão escorregar, nem tropeçar, especialmente no inverno. O material é de primeira linha por isso dura e os custos de manutenção são menores.

Outra coisa que impressiona é que não há um desnível muito grande entre a rua e a calçada   

Isso acontece em situações especiais como nos centros das cidades e nas áreas multiuso. O desnível é quase imperceptível, o que permite que um cadeirante, um idoso com bengala ou um carrinho de bebê possam trafegar sem problemas.

Os carros circulam no mesmo espaço e o próprio desenho do projeto faz com que a velocidade seja reduzida. É um espaço muito democrático que pode ser transformar, por exemplo, num lugar para a Oktoberfest daquela cidade, sem grandes modificações. A foto abaixo mostra uma festa de casamento na rua de Schermbeck.

Dentro do urbanismo, a antiga calçada ainda tem papel especial?

Ela deve ter cada vez mais espaço. Tem que ser o lugar onde a pessoa pode exercer o seu direito de caminhar livremente. No conceito do arquiteto Jan Gehl do projeto Cidade para Pessoas, ela é ideal para as atividades de escala humana. Permite a comunicação com o ambiente externo, a convivência, especialmente para crianças, pessoas idosas e portadores de necessidades especiais. Todos nós precisamos desse espaço. E se uma calçada é boa para eles, será boa para todos e isso é um indicador de qualidade de vida, pois ela é inclusiva, adequada e cidadã.

E no Brasil, o que fazer? 

A primeira coisa é desenvolver um apreço pelo espaço público. A calçada é minha, mas é também do outro. E deveríamos querer oferecer o melhor para quem passa na frente da nossa casa.  Percebo que as pessoas desejam isso apesar de não cobrarem tanto. Observo muito e vejo até algumas situações engraçadas em lugares onde os trabalhadores usam a calçada para descansar depois do almoço. Com a febre dos celulares, eles já não olham tanto para quem passam, mas continuam usando as calçadas como uma extensão do espaço privado, onde eles comem, descansam e até dormem.

Na foto acima, a generosidade da calçada do Museu Grimm, em Kassel.

Sempre tive vontade de começar uma campanha por calçadas cidadãs. Sinto que, se esse espaço público for bem resolvido, já será um grande passo para traçarmos melhoras rotas. Alguém se habilita a fazer parte deste grupo?

Acompanhe nossas aventuras pelo canal do Casal Verde no Youtube.

Fonte – Maria Zulmira de Souza, Conexão Planeta de 18 de outubro de 2017

Fotos – arquivo pessoal e Michielverbeek (Wikipedia)

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