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2023, ano mais quente da história, teve média 1,48ºC acima dos níveis pré-industriais
Por Giuliana Miranda – Folha – 9 de janeiro de 2024 – Índice encosta no limite de 1,5°C de aquecimento traçada pelo Acordo de Paris, mesmo que não de forma permanente.
O observatório Copernicus, da Agência Espacial Europeia, confirmou aquilo que os dados preliminares já antecipavam: 2023 foi o ano mais quente desde o começo da série histórica, em 1850.
Com temperaturas excepcionalmente altas em diversos pontos do planeta, inclusive nos oceanos, 2023 registrou média global de 14,98°C, superando em 0,17°C o recordista anterior, 2016.
No ano passado, a temperatura média foi 1,48ºC acima dos níveis de pré-industriais (1850-1900), encostando no limite de 1,5°C traçado pelo Acordo de Paris.
O resultado é 0,60ºC superior à média do período entre 1991 e 2020.
Na apresentação do relatório, na manhã desta terça-feira (9), o diretor do Copernicus, Carlo Buontempo, destacou a dimensão dos resultados climáticos divulgados:
“2023 foi, por uma larga margem, o ano mais quente da nossa documentação, que remonta à década de 1940, mas não é apenas isso. Provavelmente, acabamos de passar pelo ano mais quente da nossa história [humanidade]. E, possivelmente, o mais quente ou um dos mais quentes dos últimos 100 mil anos”.
Buontempo explica que o recorde significa que as atividades humanas nunca tiveram de lidar com um clima tão quente.
“Simplesmente não havia cidades, livros, agricultura ou animais domesticados da última vez que as temperaturas foram tão altas. Isso exige uma que repensemos de forma fundamental a maneira como avaliamos nosso risco ambiental”, diz.
O diretor do Copernicus chamou a atenção para a necessidade urgente de limitar as emissões globais.
“A menos que nós consigamos rapidamente estabilizar a concentração de gases-estufa na atmosfera, nós não podemos esperar resultados diferentes daqueles que vimos nos últimos meses. Pelo contrário, seguindo a trajetória atual, em alguns anos, o ano de recordes de 2023 provavelmente será lembrado como um ano fresco”, alertou.
Embora as elevadas concentrações de gases-estufa sejam a principal causa do aquecimento global, o retorno do fenômeno climático El Nino também contribuiu para a subida dos termômetros em 2023.
Nos três anos anteriores, tinha havido a ocorrência de seu oposto, o La Niña, que favorece o esfriamento.
Uma análise de dados feita pela Folha mostrou que, mesmo com o recorde registrado neste ano, a Terra viveu cinco El Niños mais severos do que o atual nos últimos 70 anos.
Ou seja, a temperatura global em 2023 já estava muito alta, mesmo sem levar em conta a intensidade do fenômeno.
“O ano de 2023 já seria excepcional sem o El Niño. Quando olhamos em particular para as temperaturas dos oceanos, as temperaturas ao longo do Atlântico, já excluindo as regiões próximas das águas polares, nós tivemos valores recordes a partir de abril. E isso foi antes do El Niño ser declarado [o que só aconteceu em julho”, disse Samantha Burgess, diretora adjunta do serviço de Mudanças Climáticas Copernicus.
O ano passado foi também o primeiro em que todos os dias superaram em 1°C os níveis pré-industriais (1850-1900).
Esse período, que antecede o início das grandes emissões de gases-estufas trazidos com a Revolução Industrial, é a principal medida de comparação do aquecimento utilizada pelos especialistas.
Em 2023, quase metade dos dias estiveram mais de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Em novembro, pela primeira vez na séria histórica, houve dois dias em que os valores foram superiores em 2ºC.
Em 2015, a comunidade internacional se comprometeu, através do Acordo de Paris, a manter o aumento global de temperaturas bem abaixo dos 2ºC em relação aos valores pré-industriais, preferencialmente limitado a até 1,5°C.
Segundo os especialistas do Copernicus, embora 2023 tenha registrado cifras superiores às acordadas, isso não significa que os limites do pacto foram ultrapassados, uma vez que os limites estabelecidos pelo Acordo de Paris “se referem a períodos de pelo menos 20 anos em que essa anomalia de temperatura média é ultrapassada”.
Os cientistas reconhecem, contudo, que o cenário em 2023 “abre um precedente terrível”.
Planeta em transe
Com sucessivas ondas de calor ao redor do globo, recordes históricos foram quebrados desde a metade do ano passado.
As marcas de dia e mês mais quentes já registrados pertencem a julho, devido ao calor extremo registrado durante o verão do hemisfério Norte.
As temperaturas atípicas favoreceram também a ocorrência de outros fenômenos climáticos extremos.
“O Atlântico tropical quente também contribuiu para a temporada de furacões acima do normal no último ano”, destacou Francesca Guglielmo, diretora científica do serviço de mudanças climáticas do Copernicus.
“A Europa também vivenciou ondas de calor, incêndios florestais e tempestades que levaram inundações severas”, completou.
No continente europeu, 11 dos 12 últimos meses apresentaram temperaturas acima da média.
O ano passado foi o segundo mais quente há registrado na região, ficando 0,17°C abaixo dos valores de 2020, o atual recordista.
As observações dos especialistas europeus indicam ainda que um fator crítico para os valores incomuns apresentados em 2023 foram as altas temperaturas nos oceanos, classificadas como “sem precedentes” pelos cientistas.
As temperaturas médias globais da superfície do mar (TSM, na sigla em inglês) atingiram, de abril a dezembro, valores recordes para o período.
A situação se repetiu na maioria das bacias oceânicas, com destaque para o Atlântico Norte.
As temperaturas recordes nos oceanos estiveram associadas a ondas de calor marinhas em todo o mundo, incluindo em partes do Mediterrâneo, Golfo do México e Caribe, Oceano Índico, Pacífico Norte e grande parte do Atlântico Norte.
O ano passado foi marcado também pela redução do gelo marino na Antártida.
As extensões diária e mensal chegaram a mínimos históricos em fevereiro.
No Ártico, a concentração de gelo no mês de março, considerado o período de pico do ano, esteve entre as quatro mais baixas para a época.
O novo relatório indica ainda que 2023 teve níveis recordes de concentração de gases-estufa.
Os níveis de dióxido de carbono foram 2,4 ppm (partes por milhão) superiores aos de 2022, atingindo, segundo as estimativas, 419 ppm.
A taxa de aumento foi semelhante ao dos anos anteriores.
Já a concentração de metano aumentou 11 ppb (partes por bilhão) em relação ao ano anterior, sendo agora estimada em 1.902 ppb.
Embora a taxa de aumento tenha permanecido elevada, ela foi inferior à dos últimos três anos.
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