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O que são a floresta com araucária e os campos naturais?

Floresta com Araucária em estágio avançado de conservação. Foto: Zig Koch.Floresta com Araucária em estágio avançado de conservação_Zig Koch

A Floresta com Araucária – ou Floresta Ombrófila Mista (FOM), na definição científica, – e os Campos Naturais – integram o bioma Mata Atlântica. As duas formações de vegetação nativa se manifestam no Brasil com maior intensidade no sul do país, em regiões do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Em algumas localidades de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e até na Argentina, mesmo que com predominância bem menos significativa, elas também se fazem presentes.

Floresta com Araucária

Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul concentraram originalmente 95% da Floresta com Araucária de todo o Brasil. A formação florestal ocupava o equivalente a 19 milhões de hectares, ou 200 mil quilômetros quadrados. Uma área equivalente a “cinco Suíças”. Os demais estados e a Argentina somavam juntos os outros 5% – ou um milhão de hectares. Ela se manifestava em 40% do território do Paraná, 32% de Santa Catarina e 20% do Rio Grande do Sul.

No Paraná, a cobertura do território estadual representava o equivalente a quase oito milhões de hectares. Entretanto, estudos conduzidos pela Fundação de Pesquisas Florestais do Paraná (FUPEF), em parceria com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), indicam uma porcentagem atual inferior a 0,8% da área original em estágio avançado de conservação em todo estado – ou menos de 70 mil hectares. Inferior, porque a última análise oficial da floresta data de 2001.

A Araucaria angustifolia – conhecida também como pinheiro-brasileiro, ou pinheiro-do-Paraná, símbolo desse estado – é tão antiga quanto os dinossauros, mas hoje sofre com a ameaça de extinção. Estudos indicam que décadas de exploração de áreas naturais reduziram em mais de 50% a variabilidade genética da espécie. Os melhores e mais ricos exemplares da árvore foram eleitos antes para o corte em função da qualidade da madeira.

Além da araucária, milhares de outros animais e vegetais cuja sobrevivência está diretamente associada à conservação da floresta, continuam a sofrer ações de degradação constantes, mesmo diante de um cenário mais que alarmante. Logo abaixo das araucárias, ou no sub-bosque da Floresta com Araucária, ocorre uma grande e complexa variedade de espécies, como a canela sassafrás, a imbuia, a erva-mate, o xaxim, a pitanga e o araçá. Algumas são endêmicas, isto é, quando se manifestam e sobrevivem somente naquele ambiente.

Entre as espécies da fauna que se manifestam na floresta estão a onça-pintada, o bugio-ruivo, o papagaio-de-peito-roxo, o papagaio charão e a gralha azul. A condição da primeira, por sinal, é extremamente problemática. De acordo com um dos mais completos levantamentos já feitos sobre a população de onças-pintadas na Mata Atlântica e divulgado em novembro de 2016 na revista Scientific Reports, restam menos de 300 exemplares da espécie em todo o bioma, espalhados e isolados em pequenas populações pelo Brasil, Argentina e Paraguai.

Onça-pintada. Restam menos de 300 delas em toda Mata Atlântica. A espécie já está ameaçada de extinção. Foto: Zig Koch.Onça-pintada. Restam menos de 300 delas em toda Mata Atlântica. A espécie já está ameaçada de extinção_Zig Koch

Também em 2001, na época do levantamento feito pela FUPEF e pelo MMA, foi indicada a ocorrência de outros 14% de Floresta com Araucária em estágio médio de conservação e de 14% em estágio inicial no Paraná. Somadas, as estatísticas sugerem que, há 16 anos, menos de 29% do ecossistema em diferentes estágios de conservação ainda sobreviviam no estado, mas, em grande parte, com parcelas já bastante alteradas.

De lá para cá, a degradação contínua comprovada nos últimos anos e a falta de políticas públicas efetivas e favoráveis à conservação indicam, com segurança, que um decréscimo ainda maior de remanescentes ocorreu.

Décadas de exploração irresponsável do setor madeireiro – incentivada pelo estímulo a práticas de manejo florestal em áreas dos remanescentes e até por planos de governo que estimularam a plantação de espécies exóticas em áreas de vegetação nativa, como pinus e eucalipto, – afetaram expressivamente a condição de manutenção da biodiversidade da FOM. A agricultura, a ocorrência de incêndios, a mineração, o aumento da urbanização, a instalação de hidrelétricas e a expansão acelerada da pecuária também contribuíram fortemente com a piora do cenário.

A qualidade da madeira, leve e sem falhas, fez com que a araucária figurasse no topo da lista de exportações brasileiras entre as décadas de 1950 e 1960. Calcula-se que só entre 1930 e 1990, pelo menos 100 milhões de exemplares da espécie tenham sido derrubados no país.

Toras de araucárias derrubadas em Prudentópolis (PR).Foto: Zig Koch.Toras de araucárias derrubadas em Prudentópolis (PR)_Zig Koch

O que restou da Floresta com Araucária no Paraná

A porção em azul, quase imperceptível no mapa abaixo, revela o índice de 0,8%. Essas são as áreas de Floresta com Araucária em estágio avançado de conservação que restaram no Paraná. Considerando que o levantamento é de 2001, a situação certamente é ainda mais dramática hoje em dia.

mapa

Campos Naturais

A condição dos Campos Naturais consegue ser ainda mais crítica. Geralmente desconsiderados por agendas de conservação e vítimas do desconhecimento sobre a biodiversidade que acumulam, eles também foram alvo de pressões violentas nas últimas décadas.

Permeados por capões de Floresta com Araucária, nos campos predominam gramíneas nativas que, apesar da aparente simplicidade, abrigam uma riquíssima biodiversidade de plantas. Estudos realizados nesse ambiente chegaram a identificar mais de quatro mil diferentes espécies vegetais. A vegetação é indispensável para a garantia da variabilidade de exemplares da fauna e da flora, que dependem de suas características próprias para sobreviver.

Na região sul do país, a formação se manifesta em ambientes com altitudes que variam de 600 a dois mil metros em regiões montanhosas. Em pontos mais altos, como na Serra da Mantiqueira, por exemplo – que se estende pelos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais – ela chega a ocupar locais em alturas de quase três mil metros.

Entre os exemplos da fauna destacam-se o pica-pau do campo, o veado-campeiro, a seriema,a cobra-cascavel, o guaxinim e o tamanduá-bandeira, por exemplo. São conhecidas 92 espécies de mamíferos que habitam o ecossistema, 158 répteis e 84 anfíbios, sem contar as outras 28 ordens de artrópodes conhecidas, que reúne espécies de percevejos, formigas, abelhas, besouros, aranhas, gafanhotos e borboletas. Entre os exemplares da flora estão orquídeas, cactos e plantas como carqueja, vassoura e amarílis, entre outras. Juntos, esses organismos integram uma teia complexa de relações que asseguram a integridade das paisagens campestres e a oferta de incontáveis serviços ambientais à sociedade.

Pica-pau do campo, natural dos Campos de Altitude. Foto: Zig Koch.Pica-pau do campo, natural dos Campos Naturais_Zig Koch

Em sua distribuição original, os Campos Naturais já ocuparam 13% de todo o território paranaense, caracterizando fortemente as paisagens de maior altitude do planalto estadual. Hoje, entidades conservacionistas sugerem que possam restar nada mais que 0,1% de áreas da vegetação em estágio avançado de conservação em todo estado.

União entre Campos de Altitude e Floresta com Araucária – Foto: Zig Koch.União entre Campos Naturais e Floresta com Araucária_Zig Koch

A expansão intensa da agricultura e de técnicas de manejo em remanescentes florestais também contribuíram com a destruição ampla e irresponsável desse ecossistema, riquíssimo em biodiversidade e intimamente associado à Floresta com Araucária.

Por ser uma vegetação relictual, ou seja, que se estabeleceu há muito tempo, os remanescentes que sobrevivem hoje em dia enfrentaram alterações extremas resultantes de mudanças climáticas que ocorreram em centenas de anos. Por essa razão, os Campos de Altitude são hoje os únicos locais onde sobrevivem populações de espécies que já foram drasticamente afetadas pelas alterações do clima no passado como, por exemplo, a arnica da serra – endêmica no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina – e o cravo do campo. Quanto mais danificado fica o ecossistema, maior o dano vivido por esses exemplares.

Área de Campo de Altitude desertificada em Araucária (PR). Foto: Zig Koch.Área de Campo Natural desertificada em Araucária (PR)_Zig Koch

Erosão por desmatamento em Piraí do Sul (PR). Foto: Zig Koch.Erosão por desmatamento em Piraí do Sul (PR)_Zig Koch

Entre os locais de maior expressão turística compostos por essa formação vegetal estão o Buraco do Padre, Vila Velha e o Canyon do Guartelá, por exemplo, todos no Paraná.

Canyon do Guartelá, na divisa entre os municípios de Tibaji e Castro, no Paraná. Foto: Zig Koch.Canyon do Guartelá, na divisa entre os municípios de Tibaji e Castro, no Paraná_Zig Koch

Buraco do Padre, no Paraná. Foto: Gilson Burigo.Buraco do Padre, no Paraná_Gilson Burigo (UEPG)

Prejuízos à Mata Atlântica

Tantas ações de degradação contribuem diretamente com a piora da conservação da Mata Atlântica de modo geral. Tanto a Floresta com Araucária quanto os Campos Naturais contribuem com a riqueza e a diversidade do bioma.

Dados da ONG SOS Mata Atlântica indicam que, em todo o Brasil, restam 12,5% de fragmentos de Mata Atlântica com mais de três hectares. Acima de 100 hectares conservados, sobraram apenas 8,5%. No Paraná, o cenário é ainda mais grave: restam 3% de remanescentes em bom estado de conservação, localizados, principalmente, na Serra do Mar e no Parque Nacional do Iguaçu.

Mesmo diante dos alarmantes índices, a permanência de práticas abusivas contra a conservação continuou e, recentemente, fez do Paraná campeão em desmatamento de áreas naturais. Entre 2013 e 2014, por exemplo, o estado degradou 116% a mais. No período, de 921 hectares de áreas desmatadas, o estado elevou a média de degradação para 1.988 hectares.

A fragmentação e falta de conexão entre os remanescentes das vegetações contribuiu para outro problema: a perda da variabilidade genética das populações. A tendência dessa situação é que algumas populações, desprovidas de certos atributos genéticos, enfrentem sérias dificuldades para se adaptar mesmo em seus ambientes naturais, podendo até ser extintas.

É hora de estacar a degradação

A falta de transparência e publicidade de dados públicos que permitam conhecer a condição atual da Floresta com Araucária e dos Campos Naturais no Brasil é bastante problemática. Cria um cenário favorável a todo tipo de procedimento ilegal e processos de corrupção, o que prejudica diretamente toda a sociedade.

Muitos dos abusos cometidos contra a Floresta com Araucária e os Campos Naturais não chegam ao domínio público com a frequência e os esclarecimentos necessários, mesmo sendo a participação pública e democrática nas decisões de caráter ambiental um direito previsto em recomendações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), na Carta Mundial da Natureza e na Convenção sobre a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais. A Constituição Federal, em seu artigo 37, também trata do princípio da publicidade e transparência na administração pública. Destaca que os atos administrativos devem ser de livre acesso ao público em geral e não podem ficar restritos a um grupo seleto, salvo raras exceções.

A hora de estancar a devastação e exigir mais transparência do poder público é agora.

Já não há mais tempo para esperar, nem possibilidade de comprometer ainda mais a saúde de ambientes naturais que, com algum incentivo, podem recuperar a condição de conservação original.

Fonte – Justiça e Conservação

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