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Em busca do tempo perdido na mudança do clima: resta agora reduzir danos

Na imagem acima, agricultor em região devastada pela seca na Índia. Foto: Ranjith66, sob licença Creative Commons Attribution-Share Alike 4.0 International/Wikimedia Commons

Relatório do IPCC mostra atraso no desafio de diminuir emissões de carbono e aponta ações evitar colapso ambiental

O novo relatório especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC), divulgado no último domingo (9), indica que ainda é possível – pelo menos teoricamente – limitar a elevação das médias globais de temperaturas a 1,5°C para evitar um colapso climático. A tarefa, como mostra o relatório, agora se tornou mais difícil e, de acordo com especialistas ouvidos por Direto da Ciência, exigirá um esforço concentrado de “redução de danos”.

novo relatório, aprovado no fim de semana por cientistas e autoridades de todo o mundo após uma semana de discussões na cidade de Incheon, na Coreia do Sul, foi elaborado para apontar se ainda é possível – e como – limitar a elevação da temperatura média do planeta desde o início da Revolução Industrial a 1,5°C até o fim do século, conforme determina o Acordo de Paris.

Estabelecido em 2015 no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, o Acordo de Paris define para os 195 países signatários a tarefa de se esforçarem para conter o aquecimento global a menos de 2°C até o final do século, com tentativas de atingir uma meta mais ambiciosa de limitar o aquecimento a 1,5°C, em comparação aos níveis pré-industriais.

Segundo o IPCC, alcançar essas metas ainda é factível, mas exigirá uma diminuição das emissões de gases de efeito estufa em um ritmo e escala sem precedentes. O desafio envolve uma difícil combinação de vontade política, coordenação internacional de ações mitigação de emissões e uma rápida mudança para um modelo econômico mais sustentável.

Principais obstáculos

Na semana passada, 40 cientistas do IPCC se anteciparam à divulgação do relatório e divulgaram um comunicado alertando que, para conter a mudança do clima, parar o desmatamento é “tão urgente” quanto eliminar o uso de combustíveis fósseis. Integrante desse grupo e um dos pesquisadores brasileiros com trabalhos mais citados pela comunidade científica, o físico Paulo Artaxo, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), afirmou:

Os cientistas alertam há mais de uma década sobre a absoluta necessidade de reduzir emissões para evitar que o aquecimento global produza um colapso climático global. Todo o atraso na implementação das metas de redução tornou o desafio muito maior, envolvendo a elevação do nível do mar em todas as áreas do planeta, a redução da produção de alimentos por secas e enchentes extremas e prejuízos enormes com a maior frequência de furacões. Muitos dos impactos previstos já são realidade. Agora é preciso agir o mais rápido possível para evitar maiores danos.

O novo relatório, segundo Artaxo, mostra de forma inequívoca que será necessário reduzir 75% das emissões até 2040 e zerar as emissões líquidas até 2050 para que ainda seja possível limitar a elevação média da temperatura global a 2°C. “Para isso, teremos que duplicar ou triplicar as metas do Acordo de Paris já na próxima década, caso contrário condenaremos nossos filhos, netos e bisnetos a sofrerem consequências econômicas e sociais devastadoras. Isso fica muito claro no relatório”, disse Artaxo.

Para o físico, a ciência já cumpriu seu papel e agora o destino do clima global está nas mãos dos tomadores de decisão. “É factível (evitar que a temperatura suba além de 2°C). Mas, se a obrigação da ciência é dizer o que precisa ser feito, é papel dos tomadores de decisão determinar como será feito e quem pagará por isso. O problema é que muitos dos nossos governantes estão cedendo a pressões da indústria dos combustíveis fósseis e de outros setores econômicos.”

Segundo Artaxo, um dos principais obstáculos para a “redução de danos” são os governos de países como os EUA, a Austrália e a Polônia, que priorizam os interesses de empresas que financiam suas campanhas eleitorais e que são ligadas à indústria da energia suja. O físico brasileiro acrescentou:

O relatório deixa evidente que para evitar o colapso climático será preciso mudar o modelo econômico que é desenhado para ter o maior lucro possível no prazo mais curto possível, sem levar em conta as consequências disso para o planeta e para a humanidade. Esse modelo econômico está destruindo o planeta e precisa mudar.

Mudança de hábitos

Coordenador do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Mudanças Climáticas da USP, o climatologista Tercio Ambrizzi destaca que o relatório do IPCC chamou a atenção para a questão urbana, considerando que mais da metade da população mundial vive em cidades. De acordo com o pesquisador,

Já sabemos que atualmente a maior parte das emissões se concentram nas cidades e o relatório deixa muito claro que é preciso olhar para elas de uma forma mais sistemática. A eficiência energética e os sistemas de transportes, especialmente, precisarão melhorar muito rapidamente.

Além de modificar o modelo econômico, será preciso também estimular mudanças comportamentais, explicou Ambrizzi, acrescentando:

Precisaremos mudar nossos hábitos de uma forma geral e tomar mais cuidado com os recursos naturais – em especial a água. Para cortar emissões, será preciso pensar de uma forma diferente em termos de transportes e ações do cotidiano. O relatório deixa muito claro também como é importante preservar as florestas, que absorvem CO2 e estabilizam temperaturas locais.

O prazo extremamente curto para realizar essas mudanças de grande magnitude é o principal desafio, na opinião de Ambrizzi. Segundo ele, a partir dos resultados do relatório nas próximas conferências das partes da Convenção do Clima (COPs) será preciso discutir de forma mais dura com as lideranças relutantes em assumir compromissos ambiciosos.

“A janela é curta, precisamos de propostas e soluções rápidas. Vamos ter que sair das discussões semânticas e deixar de lado países que não querem contribuir, ou optar por discutir em nível subnacional. Nos EUA, por exemplo, o governo federal resiste, mas mais da metade dos estados perceberam a importância de tomar ações rápidas.”

Mesmo que limitar o aquecimento a 1,5°C pareça improvável, é preciso insistir nessa meta, segundo Ambrizzi. “Precisamos ter uma visão otimista. É preciso fazer todos os esforços para manter o limite de 1,5°C, porque se ele não for atingido, ainda teremos chance de evitar que se passe dos 2°C. A situação é muito crítica e, se desistirmos agora ou nos acomodarmos, é provável que o aquecimento seja muito maior que os 2°C e as consequências serão verdadeiramente catastróficas.”

Meio grau importa

Para Carlos Rittl, secretário executivo do Observatório do Clima – uma rede que reúne 35 organizações não governamentais ligadas à questão das mudanças climáticas –, a principal mensagem do relatório do IPCC pode ser resumida em uma frase: 2°C é muito pior que 1,5°C. Segundo ele,

O relatório deixa claro que a meta precisa ser mesmo de 1,5°C. Globalmente e localmente, o impacto para pessoas vulneráveis à elevação do nível do mar é muito maior com meio grau a mais. O mesmo vale para os impactos na produção de alimentos e na disseminação de doenças. O número de pessoas que não terão acesso à água em quantidade e qualidade necessárias para a sobrevivência também é muito maior. Os impactos de eventos extremos na economia também cresce. Meio grau conta muito.

Atualmente, diz Rittl, o planeta tem 1°C de elevação em suas temperaturas médias, em comparação aos níveis registrados antes da Revolução Industrial e as consequências já são muito graves. Como exemplos, ele mencionou:

Temos extremos cada vez mais violentos e modificações nas tempestades que atingem o Atlântico Norte e o Pacífico, sendo que neste anos cinco delas chegaram à categoria de furacões. No Brasil, os dados do IBGE de 2013 a 2017 mostram que mais de 40% dos municípios sofreram com secas severas e muitos foram devastados por chuvas severas. Tivemos incêndios de grande escala na Califórnia e em Portugal e tufões no Japão. Tivemos ondas de calor e de frio que levaram milhares de pessoas à morte. Tudo isso com apenas 1°C de elevação na temperatura global.

‘Redução de danos’

O relatório do IPCC aponta o caminho para a “redução de danos”, segundo Rittl: uma mudança do modelo econômico em direção ao desenvolvimento sustentável.

“O IPCC mostra que precisamos de uma transformação brutal de como se produz e se consome no planeta. Para limitar o aquecimento em 1,5°C será preciso acabar completamente com o desmatamento de florestas até 2030. Será preciso também utilizar melhor nossos recursos naturais, poluir menos o ambiente e reformular completamente nosso setor de energias”, afirmou.

De acordo com o relatório especial do IPCC, 14% da população mundial sofrerá com ondas de calor extremo a cada 5 anos, caso o aquecimento fique limitado a 1,5°C e 37% com o limite de 2°C. O número de dias sem gelo no verão do Ártico será de um a cada 100 anos com o limite de 1,5°C e de um a cada 10 anos com 2°C.

A elevação do nível do mar até 2100 será de 40 centímetros com 1,5°C e de 46 centímetros com 2°C. A redução do pescado nos oceanos será de 1,5 milhão de toneladas com 1,5°C e de 3 milhões de toneladas com 2°C. Com elevação de 2°C, a perda de espécies de vertebrados e plantas será duas vezes maios do que no limite de 1,5°C.

As decisões a serem tomadas pelos governos a partir do relatório do IPCC em relação ao Acordo de Paris serão discutidas na próxima Conferência das Partes da ONU sobre Mudança do Clima (COP24), que será realizada em dezembro, em Katowice, na Polônia.

Fonte – Fábio de Castro, Direto da Ciência de 10 de outubro de 2018

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