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Hortas comunitárias beneficiam 848 famílias em Curitiba

Espaço cultivado por famílias na CIC: ocupação de áreas ajuda na cultura urbana (foto: Franklin de Freitas)

Projeto criado em 1986 possui 23 espaços cultivados, com área equivalente a 59 campos de futebol padrão Fifa

Em meio à selva de pedra, rodeadas pelo asfalto e linhas de alta tensão, plantações de aloface, couve-flor, brocólis e abobrinhas. Pode parecer uma miragem vegetariana, mas o cenário descrito ganha cada vez mais espaço em Curitiba. É que os projetos de agricultura urbana, mantidos pela Prefeitura desde 1986, hoje ocupam uma área de 418.000 metros quadrados, o equivalente a 59 campos de futebol padrão Fifa — 105 metros por 68 metros.

De acordo com a Secretaria Municipal de Abastecimento (Smab), a Capital possui atualmente 23 hortas (ou áreas cultivadas) que beneficiam cerca de 848 famílias, que chegam a manter até cinco canteiros. Nesses locais são plantadas mais de 33 variedades de verduras e legumes, destinada tanto para consumo das famílias, como para comercialização do excedente.

Rodolfo Brasil Queiroz, engenheiro agrônomo e chefe da unidade de Agricultura Urbana da Smab, explica que o projeto consiste na utilização de espaços ociosos públicos ou privados. As hortas estão localizadas no bairro Sítio Cercado, na Regional Bairro Novo; nos bairros Tatuquara e Campo do Santana, na Regional Pinheirinho; e nos bairros Vitória Régia I e II, na Regional CIC.

A maioria dos espaços agricultáveis se encontram embaixo das linhas de alta tensão da Eletrosul, que cedeu o terreno e fornece verba para a compra de insumos, enquanto a Prefeitura entra com assistência técnica e apoia organização da comunidade. Aos interessados, uma informação importante: a renda não é um critério para se ter uma horta comunitária, ou seja, qualquer morador da cidade pode ter direito ao cultivo.

“Basta procurar a associação de moradores ou o coordenador da horta comunitária, que vai ter uma lista de espera e vai chamar o interessado quando houver vagas disponíveis. Pedimos que seja moradaora da região, porque exige cuidado diário, tem de zelar pela horta”, explica Queiroz.

Quando de sua criação, relata ainda o engenheiro agrônomo, o objetivo principal do projeto era a produção de alimentos. Ao longo dos anos, contudo, outras facetas da iniciativa acabaram ganhando destaque.

“Se formos conversar com os beneficiários, eles vão dizer que é a atividade terapêutica, o convívio social. Contudo, é claro que há uma melhora na alimentação, renda extra com a venda de excedentes, a economia na compra desses produtos e até alguns outros benefícios, como educação ambiental, educação alimentar, proteção ambiental e impermeabilização do solo”, destaca.

Culturas começam a invadir o espaço urbano

Em paralelo aos projetos de agricultura urbana mantidos pela Prefeitura de Curitiba, presentes principalmente na região sul da cidade, novas hortas começam a conquistar e modificar o cenário urbano e em bairros mais centrais da Capital. São espaços menores, mas igualmente significativos, representantes de algo que poderia se chamar de ‘revolução cidadã’.

Uma das pioneiras é a horta comunitária na rua Roberto Cichon, no bairro Cristo Rei. Criado em novembro do ano passado na calçada em frente a um terreno baldio, antes dominado pela grama e pelo lixo, o espaço não só embelezou a rua, como ainda trouxe vida nova à comunidade, fazendo desabrochar o espírito comunitário.

“São pessoas que nem se conheciam, ficavam confinados em seus apartamentos, suas casas, mas agora se relacionam no espaço público. E tem ainda a vinculação anônima, pessoas que vem aqui e plantam, colhem, e nem sabemos quem foi. Criança vem, põe a mão na terra e já começamos a ensinar, então tem uma função pedagógica também”, conta o antropólogo e sociólogo Ricardo Leinig, de 39 anos, um dos idealizadores da horta.

No local, além das plantas convencionais, como alface, há uma série de plantas alimentícias não convencionais, como a ora pro nobis, conhecida como “carne de pobre” por ter 25% de proteína, uma planta muito utilizada na época do Império. “O pessoal respeita a horta e todo mundo ajuda, é corresponsável pelo espaço”, relata Mariana Steil, 25 anos, professora de inglês.

No começo, cerca de 20 pessoas ajudavam a cuidar da horta. Hoje, porém, são mais de 100, sem contar o grande apoio que o grupo recebe nas redes sociais, onde a página do espaço conta com mais de 1,2 mil curtidas. Além disso, já teve início o movimento de expansão da ideia para outros espaços de Curitiba.

“Muita gente de fora de Curitiba nos procura, pessoal vem perguntar como faz. Está uma demanda bem grande de fora do bairro, pessoal querendo replicar a ideia onde moram. Já até distribuímos algumas mudas para quem pediu e a ideia está se espalhando”, finaliza Mariana.

“Minha alegria é plantar e comer”

Entre os beneficiários da horta comunitária do bairro Vitória Régia II estão a diarista Maria Benedita Sobrinho e o cunhado Aguilar da Silva, engenheiro mecânico, que aproveitam as manhãs de folga para cuidar do espaço que conseguiram anos atrás. “Minha alegria é plantar e comer. No domingo, a família inteira vem comigo e todos consomem o que plantamos. Estou aqui há nove anos, é uma terapia”, afirma a diarista, de 55 anos.

Maria Benedita conta que a família é formada por cerca de 20 pessoas que moram próximas. “Não compramos verdura, só o que não tem aqui”, resume o engenheiro.

O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) define a agricultura urbana e periurbana como aquela que visa estimular a produção orgânica de alimentos nas grandes cidades, com o aproveitamento de áreas ociosas nas regiões metropolitanas. Nesse tipo de cultivo é promovido o plantio de hortaliças, ervas medicinais e aromáticas, plantas ornamentais, criação de pequenos animais e instalação de mini agroindústrias. Em Curitiba estimula-se principalmente o cultivo de hortaliças para o consumo familiar.

Impasse entre Prefeitura e moradores

Apesar do sucesso da iniciativa, a horta comunitária do Cristo Rei está ameaçada. É que há cerca de dois meses a Prefeitura de Curitiba notificou o dono do terreno que emprestou o espaço para a criação da horta de que ele deveria retirar as plantações do local, já que há um decreto municipal que só é permite o plantio de grama no local.

“Em maio, uma fiscal da Prefeitura veio fazer foto por aqui. Achei curioso e fui conversar. Ela disse que receberam denúncia via 156 de que tinha mato. Tentei contato com a Prefeitura, mandei e-mail para várias pastas e liguei para o 156. Dei várias razões técnicas para que apoiassem a manutenção do espaço, mas um mês depois o proprietário do terreno foi notificado para que tirasse a horta”, afirma Ricardo Leinig, contando ainda que espera pela regularização da horta.

“Estamos esperando que a Prefeitura legitime esse espaço. Legitimando, viraremos um local de referência para expandir para outros lugares da cidade. Vamos estimular para que se dissemine e sabemos de gente que está preparando seus canteiros. Muitos já nos procuraram no Facebook para perguntar como saber, pedir dicas…”, complementa o antropólogo.
Procurada, a Prefeitura de Curitiba não respondeu aos questionamentos do Bem Paraná até o fechamento da reportagem.

Fonte – Rodolfo Luis Kowalski, Bem Paraná de 04 de julho de 2017

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