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Na China, “a problemática da ecologia, vista como um luxo, choca-se com a do emprego, que é vital”

Você conhece Yann Moulier-Boutang por suas análises sobre o capitalismo cognitivo ou ainda sobre a economia da polinização. Mas você sabia que ele também é um especialista em China? Nós encontramos o economista nas suas peregrinações por Xangai para ouvir sua análise dos desafios ecológicos com os quais o país se confronta. Porque, se a estratégia do governo chinês tende massivamente para uma resolução da crise ambiental nos próximos 20 anos, sua colocação em prática é menos certa.

A China enfrenta hoje os mesmos desafios que os países do Ocidente, mas em proporções muito maiores, tanto do lado dos problemas como das soluções. Se a imprensa ocidental publica regularmente imagens chocantes sobre a poluição do ar, este problema não é o mais importante e está na quinta posição, de sete “chagas” ecológicas identificadas pelo economista. A partir da constatação de que o desemprego aparece como o principal freio para a transição ecológica, ele desenvolve a ideia da renda universal como uma solução a se considerar seriamente no contexto chinês.

Em que pé está a China em matéria de ecologia e especialmente de poluição do ar?

Se os meios de comunicação evocam exaustivamente a poluição do ar, esse, no entanto, não é o maior problema com que se preocupar, mesmo se este é um problema sério. Ela se deve, em primeiro lugar, à calefação e à indústria, que extraem sua energia do carvão. Pequim é particularmente afetada e não se ouve muito falar sobre isso, mas ela está melhorando, uma vez que está entrando em um processo acentuado de desindustrialização. Ela anunciou em abril a demissão de 1,8 milhão de empregados nas minas de carvão e da siderurgia.

Na realidade, a geografia da poluição do ar muda. Xangai, que se encontra situada entre Wuhan, Nanjing e Hangzhou, cidades industriais altamente poluentes, tem um futuro sombrio e poderá ultrapassar as taxas de poluição de Pequim. A Manchúria também é particularmente afetada. Lá, assim como na costa, é onde as indústrias modernas instalaram suas usinas suplementares de carvão para evitar apagões. Resultado: a produção de carvão na China é de 1,4 bilhão de toneladas por ano, sem contar a importação de 200 milhões a 400 milhões de toneladas da Austrália.

Uma outra causa de poluição é endógena às cidades; ela diz respeito à motorização. Em dois anos, a taxa de motorização passou de 19% para 21% e deverá chegar aos 50% em 2025/2030. A equação é simples: embora tecnicamente estejamos fazendo progressos na redução das emissões dos veículos, o aumento da motorização é tamanha que a poluição vai continuar a aumentar.

Quais são, então, os outros problemas ecológicos que a China deve enfrentar?

A China explora seus solos há 7 mil anos e alguns dos problemas encontrados, como a escassez de água, não são deste século. É preciso lembrar também que falamos de uma zona territorial que corresponde a três vezes a Europa, se consideramos o Tibet ou ainda a Manchúria, territórios conquistados durante a dinastia Han. A ecologia, na China, é um tema vasto.

Para mim, quatro desafios ecológicos são ainda mais preocupantes que a poluição do ar na China, a começar pelo desaparecimento de terras aráveis. A China dispõe não mais que 7% de terras agricultáveis, contra 43% da França. Por boas razões, a China artificializa 27 mil quilômetros quadrados de terras aráveis a cada ano, ou seja, o equivalente à superfície da Grã-Bretanha a cada 10 anos. É por isso que a China compra terras na Argentina, na Etiópia e na África do Sul.

Em seguida, vem o desmatamento. Ele é tão violento que o interior da Mongólia está virando deserto. As imagens futuristas de Pequim sob areia não são, portanto, tão fantasiosas.

Em terceiro lugar eu colocaria a escassez de água. Há milênios que a China vem enfrentando esse problema, especialmente no Norte do país. Entre o primeiro milênio antes e o primeiro milênio depois de Cristo, um canal de mais de dois mil quilômetros foi construído para levar água para as capitais do Norte. Isso continua até hoje. A China vai inclusive transpor o curso do rio Yangtzé. A falta de água é tão séria que para os Jogos Olímpicos de Pequim, uma escolha teve que ser feita entre utilizar a água para regar os 17 milhões de árvores que foram plantadas na província ou utilizar a água para os Jogos. Resultado: as árvores estão mortas.

Em seguida, vem a poluição dos rios com metais pesados. Isso impacta especialmente a piscicultura, que constitui uma importante fonte de alimentação para os chineses. A água da torneira não é potável em nenhuma cidade da China.

Finalmente, depois do problema da poluição do ar, vem a poluição química dos solos e a degradação da biodiversidade. Os pesticidas, inseticidas e OGM são utilizados sem nenhum limite. E algumas províncias foram tão longe que as abelhas desapareceram, e os homens foram obrigados a polinizar as árvores flor por flor. As abelhas estão sendo reintroduzidas. O mesmo problema vale para as aves, que foram massacradas seguindo o ditado de Mao: “Se um pássaro te rouba três sementes, dá-lhe três golpes de bastão”.

Concretamente, o que o governo chinês está fazendo para responder a esses desafios?

O governo compreendeu que se Mao teve “o mandato do Céu” (1), é porque restaurou a independência da China; da mesma forma, os governos passados acompanharam a industrialização do país e quadruplicaram o nível de vida dos habitantes em algumas décadas. Hoje, isso se jogará na questão da ecologia. Eu dou um prazo de 25 anos para resolver algumas das principais questões ecológicas. Sem isso, a dinastia será questionada.

É por isso que desde a Exposição Universal de 2010, em Xangai, o governo se lançou em projetos faraônicos, como aquele da transposição do rio Yangtzé, evocado mais acima. Para enfrentar a desertificação nos arredores de Pequim, o governo planta milhões de árvores em um corredor verde de 500 metros de largura e 2 mil quilômetros de comprimento. Ele impõe normas drásticas em termos de economia de água e de energia no setor da construção civil. Ele embarcou em um programa nuclear massivo, com muitas centrais ao final. Ele desenvolve programas de desenvolvimento de energia hidrelétrica e fotovoltaica.

As soluções propostas são de ordem da infraestrutura e da tecnologia. O governo tem uma visão tecnocrática e desenvolvimentista da ecologia. Ele capta as tecnologias desenvolvidas em outros lugares e, em seguida, ele mesmo procura produzi-las e distribuí-las segundo seu programa “Made in China 2025”.

A China, por exemplo, assumiu a liderança em matéria de energia fotovoltaica. Esta tecnologia progrediu de 18% para 23% em termos de captação de energia graças ao uso do silício, artigo raro. A EDF, na França, comprou a empresa capaz de aumentar esse rendimento. É bom, mas a China fez ainda melhor. Ela utilizou o silício reciclado pelo desmanche de placas usadas (infelizmente, trabalho feito por crianças), que permite a produção de placas fotovoltaicas com o mesmo nível de desempenho, mas a um custo menor e as tornou obrigatórias nas residências.

Mas se a China desenvolve a pleno vapor painéis fotovoltaicos e turbinas eólicas, sua conexão às redes é muito cara, o que é um problema. Ao ponto que eles não sabem o que fazer com a energia produzida no Nordeste da China.

Quais são as dificuldades que o governo encontra para fazer esta transição ecológica?

Para mim, as dificuldades são de ordem econômica e social. Os números relativos ao crescimento na China são, oficialmente, de 6,6%, e o governo anuncia que esse será o ritmo até 2020. Mais recentemente, o primeiro-ministro Li apresentou um outro cálculo e chegou a um número de 3,5-4%. O economista Patrick Arthus refez os cálculos e chegou ao valor de 2,2%. Sem mencionar que especialistas estimam que a China perde anualmente 6 pontos do PIB por razões ecológicas.

Não se pode negar que por conta da imensidão do país e do regime autoritário o governo dispõe de meios consideráveis. O programa lançado em 2010-2011 sobre as Smart Cities era de 100 bilhões de euros, 10% dos quais foram destinados para Xangai. Mas, o país enfrenta estratégias de sabotagem. A experiência prova, em todas as partes, que os regateios e a corrupção são inerentes aos políticos e aos industriais. Sabe-se também que são as empresas estrangeiras as que são as mais sujeitas às normas.

Além da corrupção, que o governo enfrenta atualmente, surge uma outra incógnita: o emprego. A China está se preparando para intensos confrontos sociais. A problemática da ecologia, vista como um luxo, choca-se com a do emprego, que é vital. Há um risco nada desprezível de que o governo escolha o emprego em detrimento da ecologia. Especialmente face aos milhões de pessoas desempregadas, as manifestações já estão acontecendo. A realidade é que a China apresenta um programa ecológico para fora e trata, internamente, de dar respostas para o problema do emprego.

Eu sou bastante pessimista em relação a esse tema, tanto mais que as máquinas substituem os empregos de serviço que deveriam servir de relé e os 1,8 milhão de empregos suprimidos na siderurgia nos arredores de Pequim poderiam levar, na realidade, ao fechamento de 6 milhões de empregos em efeito cascata. E não para por aí.

A exceção chinesa terminou. O país deve enfrentar os mesmos problemas que os países ocidentais. O primeiro-ministro Li tenta evitar grandes aumentos dos salários com vistas a diminuir a deslocalização das indústrias, inclusive as chinesas. Ele visa um balanço comercial positivo. Ele elogia o trabalho duro e honesto para melhorar a qualidade dos produtos e limitar a corrupção. Ele limita os salários ao ponto de passar o pagamento das horas extras noturnas de 100% para 50%. Ele propõe aos seus habitantes um salário controlado em troca de um ar mais limpo e água potável. Eu acho esta estratégia política inteligente, mesmo se ela enfrenta muitas resistências. Não devemos, portanto, subestimar a capacidade do governo para ter sucesso.

Para você, que solução poderia ser colocada em prática pelo governo para resolver esta tensão entre as lógicas ecológica, econômica e social?

Eu tenho a profunda convicção de que a renda universal de base é uma porta de saída para a China. Eu procuro disseminar esta ideia junto às pessoas que eu encontro e falei sobre isso recentemente nos colóquios organizados por diversas cidades da China. Eu penso que esse modelo é particularmente adaptado para os países em vias de desenvolvimento para erradicar a pobreza.

Sabendo que o economista Pisani-Ferry demonstrou que a transferência média por habitante é de 800 euros, é absolutamente inútil propor uma renda menor do que essa quantia, como, por exemplo, propõem os liberais sob o risco de diminuir o orçamento social do Estado, mas, sobretudo, a qualidade de vida dos cidadãos. Eu preconizo uma renda universal para todos e em todos os momentos da vida de 1.200 euros para os adultos e de 600 euros por criança (este abatimento de 50% se explica pelas escalas de consumo).

Todos estariam assegurados, porque cada pessoa é polinizadora, ou contribuinte, na sociedade. Mas essa renda de existência seria cumulativa com uma atividade remunerada, seja assalariada ou não, e deve ser acoplada a um novo sistema de proteção do trabalho assalariado em razão das transformações desse último (essencialmente uma intermitência e uma degradação da remuneração quando calculada sobre o ano sem contar as perdas de direitos que são, dessa maneira, provocadas).

Podemos imaginar, com base no modelo da intermitência francesa, uma garantia de salário em troca da flexibilidade. Concretamente, isso equivale a um sistema em que uma hora trabalhada dá direito a uma hora paga.

Outro elemento deste dispositivo: com a renda de existência, os trabalhos socialmente pouco desejados deverão ser melhor remunerados que o atual SMIC [Salário Mínimo Interprofissional de Crescimento] para encontrar compradores.

Para que os empregadores estejam dispostos a contratar, será preciso que, para os salários mais baixos (25%, isto é, aqueles que estão no SMIC atualmente), o sistema de proteção social financie a integralidade dos encargos sociais.

Neste sistema, as empresas devem encontrar fatores de atração suficientemente fortes para que os indivíduos queiram investir nelas. Isso permite uma melhoria das condições de trabalho, mas também do conteúdo da atividade proposta. Esta atividade produz direitos para as aposentadorias complementares (sendo a base constituída pela renda de existência).

Nota

(1) Tiānmìng, em chinês, conceito que remonta à dinastia Zhou – primeiro milênio a.C. –, de acordo o qual os imperadores obtinham legitimidade de poder. Eles podem perder o mandato em caso de má conduta. O conceito é próximo ao da monarquia de direito divino na França.

Fontes – Julie Rieg, tradução André Langer, Chronos / IHU de 25 de setembro de 2016

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