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Nomeado por Temer, presidente da Anvisa se alinha à indústria de alimentos

William Dib assume o cargo em meio às eleições ameaçando atropelar a área técnica no debate sobre alertas nos rótulos

A postura de Dib contraria as evidências científicas e a decisão tomada anteriormente pelos diretores da agência

Contrariando a promessa de evitar movimentos bruscos, o novo diretor-presidente da Anvisa, William Dib, ameaça atropelar a área técnica. Mais especificamente a gerência-geral de Alimentos, que há anos estuda a adoção de um modelo de rotulagem frontal capaz de reduzir o consumo de ultraprocessados, passo fundamental na tentativa de frear os índices alarmantes de obesidade.

Anunciado logo em seguida à segunda reunião em poucas semanas com Michel Temer no Palácio do Planalto, o cardiologista Dib, diretor desde 2016, disse ao jornal O Estado de S. Paulo que o semáforo defendido pela indústria é o que melhor funciona para que as pessoas tenham uma informação “coerente e comparável”. Esse sistema mostra as cores verde, amarelo e vermelho para os nutrientes em excesso (sal, açúcar, gorduras saturadas). O novo presidente afirmou ainda que a posição é consensual dentro da agência, o que, sabe-se, não corresponde à realidade.

A declaração de Dib, ex-prefeito de São Bernardo do Campo e ex-deputado federal pelo PSDB, vai contra os estudos analisados pela gerência-geral de Alimentos. As melhores evidências científicas têm mostrado que o melhor sistema são alertas sobre o excesso de sal, açúcar e gorduras saturadas. Esse sistema foi adotado pela primeira vez no Chile, em 2016. Nesse caso, são octógonos de fundo preto com a inscrição “Alto em” para cada um dos nutrientes em excesso. Os semáforos já eram dados como carta fora do baralho.

No Brasil, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) propôs triângulos de fundo preto com a mesma filosofia do modelo chileno. Em maio, a diretoria colegiada da Anvisa aprovou relatório preliminar no qual se colocava a favor dos alertas, embora sem definir um formato e uma cor. Na época, Dib não demonstrou qualquer oposição às advertências.

O texto foi submetido a uma primeira fase de consulta pública. A declaração de Dib veio no momento em que a gerência-geral de Alimentos preparava um novo relatório, que deveria passar por nova consulta pública ainda este ano.

Em nota, Ana Paula Bortoletto, do Idec e do comitê gestor da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, se mostrou contrária à postura de Dib. Ela diz que a declaração do diretor-presidente sobre a existência de consenso em torno do semáforo contraria a análise técnica da agência e a opinião manifestada pelos demais diretores em reuniões com representantes da sociedade civil.

“Nós estranhamos uma afirmação dessas que venha da presidência da Anvisa, já que o relatório técnico que se tornou público, baseado nas evidências científicas, concluiu até agora que os modelos semi-interpretativos de alertas possuem melhor desempenho em relação ao semáforo nutricional na compreensão pelos consumidores sobre alto conteúdo de nutrientes negativos, na redução de enganos e na possibilidade de comparação.”

Diretor alinhado

A manifestação de Dib veio pouco tempo depois de a Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (Abia) pedir abertamente a Temer a indicação de um diretor alinhado a seus interesses.

Poucos dias antes da inesperada nomeação do ex-deputado, o presidente da República indicou para diretor Rodrigo Dias, ligado ao PP e presidente da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Dias é acusado de violência contra a esposa, o que rendeu protestos de servidoras da Anvisa.

Ato contínuo, Temer convocou Dib, então diretor de Controle e Monitoramento Sanitários, e o nomeou. Questionado pelo site Jota se a indicação atende à relação pessoal com o presidente da República, o cardiologista desconversou: “Não sei responder. O desafio que ele me passou, eu aceitei. Essa coisa de cota, processo político…”

Nos últimos meses, Dib teve pelo menos dois encontros com partes interessadas em evitar que a Anvisa adote as advertências. Em 7 de junho, recebeu diretores da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Em 25 de julho, o diretor de Relações Governamentais da Coca-Cola, Victor Bicca.

Podem ter ocorrido outros encontros: Dib tem o costume de tornar pública a agenda quando dá na telha. O espaço no site da agência reservado à divulgação das agendas dos dirigentes é deixado em branco vários dias.

Na quinta-feira passada, quando Dib esteve no Planalto, os diretores de Coordenação e Articulação do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, Fernando Mendes, e de Autorização e Registro Sanitários, Alessandra Basto Soares, tiveram reunião com diretores da Abia para discutir a rotulagem de alimentos.

Em 24 de agosto, apresentamos pedido via Lei de Acesso à Informação para ter acesso às atas dos vários encontros de diretores da agência com representantes do setor privado para tratar sobre rotulagem de alimentos. O prazo de atendimento expirou em 17 de setembro, sem que obtivéssemos resposta. Entramos com recurso para tentar obter essa informação básica. E seguimos esperando.

Portas abertas

De melhor sorte contam os empresários. Recentemente, a Abia teve direito a dois encontros seguidos com Temer na tentativa de frear a adoção dos alertas. Chegaram até a contar com apoio público do emedebista na luta contra a área técnica da agência.

Organizações da sociedade reunidas na Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável não receberam de Temer o mesmo tratamento, e esperam até agora pelo pedido de audiência protocolado no Planalto.

A nomeação de Dib em meio ao processo eleitoral chama atenção. A presidência da Anvisa estava vaga desde julho, com o fim do mandato de Jarbas Barbosa, num vazio que jogava incerteza sobre o processo regulatório da rotulagem de alimentos.

Se Jarbas havia se posicionado de maneira clara em prol dos alertas, seu sucessor adotou outra linha na entrevista ao Estadão. “Esse é um assunto muito importante para a economia e para o consumidor, é preciso manter o diálogo”, afirmou o novo diretor-presidente à repórter Lígia Formenti.

A Lei 9.782, de 1999, que definiu a criação do órgão de vigilância sanitária, demonstra visão diferente: “A agência terá por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária”. Não há menções, na legislação, à necessidade de pactuar lucro e saúde pública.

Alguns dos maiores estudiosos em alimentação e nutrição do mundo declararam apoio às advertências. Um dos criadores do semáforo encampado pela indústria, Mike Rayner, declara que esse modelo não funciona a contento.

Fonte – João Peres, O Joio e o Trigo de 26 de setembro de 2018

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