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Os entomólogos amadores alemães que descobriram o “Apocalipse dos Insetos”

Thomas Hörren, a member of the Entomological Society Krefeld, collecting beetles from a soil sample.CreditGordon Welters for The New York Times

Krefeld, Alemanha – Em uma reserva natural no oeste da Alemanha, um senhor idoso se aproximou de uma estrutura que lembrava uma tenda que, na verdade, era uma grande armadilha para insetos voadores. Com seus grossos óculos de grau, o químico aposentado de 75 anos verificou a garrafa de plástico presa no topo, cheia de álcool e insetos.

Depois de admirar o céu limpo do final do outono, Heinz Schwan se recorda de comparar o conteúdo de uma armadilha como esta, de 2013, com amostras colhidas no mesmo local, cerca de 20 anos atrás. A queda foi enorme: 75 por cento, segundo ele, que adora centopeias.

Alarmado, o grupo local de entusiastas de insetos do qual Schwan é um dos presidentes fez testes semelhantes em diferentes locais no ano seguinte. E no seguinte. E no seguinte.

Agora, suas conclusões foram publicadas. Por todo o mundo, a novidade veio em manchetes que falavam do “Apocalipse dos Insetos”. As populações testadas haviam diminuído mais de 75 por cento durante as últimas três décadas, explicando por que, hoje em dia, quem viaja de carro não precisa mais limpar os insetos do para-brisa.

Perdida na questão estava a fonte da notícia: o periódico obscuro e mantido por voluntários da Sociedade Entomológica Krefeld, escondida no oeste da Alemanha, perto da fronteira holandesa.

O fato de um grupo composto não apenas por doutores em Biologia, mas também por químicos, engenheiros elétricos, uma professora de ensino fundamental e um físico, entre outros, ter conduzido uma pesquisa tão inovadora, não surpreendeu Dave Goulson, especialista em abelhas na Universidade de Sussex e coautor de um artigo científico baseado nas pesquisas do grupo, publicado recentemente.

“Neste campo, os amadores são muitas vezes os especialistas. A maioria realmente não presta atenção aos insetos. Com exceção das borboletas, porque elas são bonitas.”

Há tempos que os insetos não são muito apreciados, cientificamente falando. Estima-se que componham mais da metade de todo o reino animal, mas, mesmo assim, provavelmente só cerca de 10 por cento das espécies de insetos foram nomeadas.

Além disso, dados sobre essas criaturas são difíceis de encontrar. “Este tipo de monitoramento não é muito glamuroso, por isso que normalmente não ocorre muito. É aí que entram os amadores de Krefeld”, disse Teja Tscharntke, professor de Agroecologia na Universidade de Goettingen.

O estudo analisa 63 áreas naturais, principalmente em torno de Krefeld, mas os especialistas dizem que provavelmente a situação lá reflete a de insetos em lugares como a América do Norte, onde o uso da monocultura e de pesticidas é difundido.

“As pessoas dizem: ‘Hoje não vejo tantos ‘X’ quanto costumávamos ver’. É bom ter tudo documentado. Os números transformam uma opinião em um fato”, disse Steve Heydon, cientista da Universidade da Califórnia, Museu de Entomologia Bohart de Davis, sobre o estudo de Krefeld.

Tscharntke concordou. “Fiquei um pouco surpreso, mas tudo se encaixa com o que sabemos sobre, digamos, os pássaros comedores de inseto que estão desaparecendo”, disse ele.

Chamando os dados de Krefeld de “um rico tesouro”, Tscharntke advertiu que até mesmo os entomologistas amadores são uma espécie em extinção. “Hoje, as pessoas que passam seu tempo livre observando joaninhas e moscas são tão comuns quanto colecionadores de selo.”

Na Alemanha e em todo o mundo, membros de sociedades entomológicas tendem a ser idosos. E, em um campo que tem visto muito pouco em termos de digitalização e alta tecnologia, seus conhecimentos muitas  vezes morrem com eles.

Em muitos aspectos, o grupo de Krefeld vai contra essas tendências. Basta ver que a sociedade, que tem mais de 100 anos de idade, dedica-se ao manter os dados.

“Em muitos lugares, tudo é jogado fora – trabalhos, coleções de insetos”, disse Martin Sorg, membro de longa data da Sociedade Krefeld cuja especialidade são as vespas.

Na sede do grupo, forrada de livros, Sorg disse que as coisas eram diferentes ali. “Quando um dos nossos membros morre, mantemos tudo, até mesmo suas notas manuscritas.”

Eles também estão de olho no futuro: cerca de um terço dos 59 membros da sociedade é de novatos, e crianças de no mínimo 12 anos podem se juntar aos adultos na organização de bandejas repletas de insetos com asas translúcidas e corpinhos delicados, ou cuidadosamente vasculhar os armários de madeira que contêm mais um milhão de vespas, abelhas, formigas, moscas, besouros, mosquitos, borboletas, mariposas, libélulas, grilos etc., fixados em quadros.

Entomologistas experientes levam os iniciantes em expedições e os treinam na complexa arte da identificação de insetos. “O conhecimento é passado de uma geração para outra. Na minha infância, não havia ninguém para me orientar”, disse Thomas Hoerren, que tem 28 anos e uma grande tatuagem de seu favorito inseto, o besouro, no pescoço.

O mais novo membro oficial do grupo tem 14 anos. “É o cara das formigas”, disse Schwan, ele próprio um amante dos insetos desde a infância. Apenas aos 20 anos descobriu a Sociedade Entomológica de Krefeld e começou a estudar lagartas.

Naquela época, os membros, juntamente com seus insetos, se encontravam a cada duas semanas em bares de Krefeld.

Examinando uma caixa de vidro cheia de formigas, Schwan sorriu e disse que planejava levar o jovem e as formigas para a próxima conferência entomológica em Düsseldorf. Lá, um perito em formigas de Wuppertal prometeu identificar os espécimes do menino.

Harald Ebner, especialista em pesticidas e político do Partido Verde da Alemanha, disse que era “tipicamente alemão” o fato de as pessoas passarem seu tempo livre fazendo trabalho voluntário em clubes.

“Sem os esforços dos pesquisadores de insetos em Krefeld, só poderíamos observar que, hoje em dia, o para-brisa do carro está quase que totalmente livre de insetos. Por outro lado, a falta de interesse por parte do Estado é horrível, especialmente em um país onde quase tudo é tão precisamente testado, supervisionado e contado”, escreveu Ebner, em um e-mail.

Mas Josef Tumbrinck, membro da sociedade que trabalha como lobista ambiental, acha que a situação dos insetos deve interessar um público mais amplo em breve.

“Agora somos ‘aqueles entomologistas malucos’, mas acho que isso vai chamar cada vez mais atenção, e não só dos malucos cabeludos”, disse ele.

Colocando uma caixa de vidro sobre a mesa, Tumbrinck apontou para uma borboleta do tamanho de uma mão que sua esposa criou desde o ovo para a escola onde leciona. Seu filho de 10 anos puxou a manga da camisa do pai. “E eu encontrei esta aqui na lâmpada”, sussurrou ele, apontando para uma pequena mariposa cinza ao lado.

Na sala, onde predomina o cheiro do álcool usado na preservação dos insetos, perguntei se, nesse ritmo, todos os insetos iam acabar desaparecendo.

Sorg, o especialista em vespas respondeu: “Oh, não se preocupe. Todos os vertebrados vão morrer antes disso”.

Fontes – Sally McGrane, The New York Times / Gaúcha ZH de 19 de dezembro de 2017

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