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Países exportam lixo eletrônico para outros em vez de reciclar

Circulação desse tipo de material pelo mundo foi banida pela Convenção da Basileia. Legislação brasileira proíbe a importação de lixo eletrônico.

O celular, o computador, qualquer equipamento eletrônico sem uso vira lixo. E tem país exportando, empurrando esse problema para os outros países, em vez de reciclar.

Uma operação delicada: o tubo de imagem de um televisor é desmontado cuidadosamente.

Conhecido como CRT, sigla inglesa de Tubo de Raio Catódico, esse material é dos mais perigosos, no meio do lixo eletrônico. Contém metais pesados, tóxicos.

“O problema do tubo é a formação dele, que seria vidro com chumbo, contendo chumbo e o pó fósforo para a reflexão da luz”, explicou Noryo Muneyuki Furuguen, empresário.

O chumbo, que bloqueava a luz na parte de trás do aparelho, está entranhado no vidro. O corte é feito com um fio incandescente. O fósforo, que refletia a luz, na tela, vira pó na parte da frente.

Jornal Nacional: Quebrar isso de qualquer jeito, qual é o risco?
Noryo Muneyuki Furuguen: É contaminação na certa…então, o problema é, depois que quebrou não tem como mais separar esses materiais. Mistura, contaminou tudo.

O fósforo é sugado e armazenado. Vidro com chumbo vai para um lado, vidro mais limpo para outro. Tudo tem reciclagem.

A empresa chegou a reciclar cem mil desses tubos em 2010. Em 2014, foram só 30 mil. E a tendência, com o fim da fabricação, é que esse número caia cada vez mais. É claro que restam ainda muitas TVs e monitores nas casas, que podem até estar sintonizando essa reportagem, exatamente agora, e que cedo ou tarde partirão para a aposentadoria.

É importante fazer o descarte correto. Mas não é em todo lugar que tem tecnologia para reciclar adequadamente esse material. E sem isso, o CRT não tem valor.

“Isso aqui não serve para nada, aqui tem uma peça de cobre aqui dentro, e o vidro que pesa 70% do peso da televisão”, disse Júlio César de Andrade, gestor da central de resíduos eletrônicos.

Jornal Nacional: E ele não tem uso?
Julio Cesar de Andrade: Não, aterro Classe 1. Para nós, não tem uso.
Jornal Nacional: Vai pra aterro industrial?
Julio Cesar de Andrade: Aterro industrial.

O aterro Classe 1 é para onde são destinados resíduos considerados perigosos, que apresentam riscos à saúde pública e ao meio ambiente. O vidro contaminado de TVs e monitores antigos é um problema do qual muitos países querem se livrar.

Em 2013, a Receita Federal barrou 350 toneladas de vidro de tubos CRT dos Estados Unidos no porto de Navegantes, em Santa Catarina. A empresa responsável tentou esconder que se tratava de vidro contaminado. Análise da Universidade Federal de Santa Catarina mostrou que ele continha 11,47% de chumbo. A importação desse tipo de material é proibida.

“Importar lixo dos outros, resolver o problema dos outros”, disse Zilda Maria Faria Veloso, diretora do Departamento de Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente (DAU/MMA).

Esse é o tema do documentário “A tragédia do lixo eletrônico”, exibido em 2015 no Festival Internacional de Cinema Ambiental, no Rio. Ele mostra cenas chocantes de regiões da África e da Ásia submetidas a uma avalanche de sucata, que até passa por algum tipo de reciclagem, precária, mas representa, sobretudo, um desastre ambiental.

“Temos lugares na África onde você encontra lixo da Europa; lugares na China onde você encontra lixo americano. O lixo eletrônico está em todo lugar, está realmente se tornando um produto global de comércio muito popular, o que é muito triste, e a América do Sul está aumentando na lista. Acham que o Brasil é muito grande e que de certa forma o lixo desaparece”, afirmou Cosima Dannoritzer, cineasta.

A circulação desse tipo de material pelo mundo foi banida pela Convenção da Basileia, em 1989. O tratado foi assinado por 183 países, inclusive o Brasil. Poucos ficaram de fora. Os Estados Unidos assinaram, mas depois não ratificaram o acordo.

E um dos casos que inspirou a Convenção da Basileia teve origem exatamente nos Estados Unidos. Em 1986, o navio Khiam Sea carregou 14 mil toneladas de lixo incinerado na Philadelphia. Elas iam para as Bahamas, mas o governo de lá recusou a carga. Outros países da região, também. Mesmo sem licença, uma parte foi descarregada numa praia do Haiti.

E o navio do lixo seguiu zanzando pelos oceanos. Passou pela África, pela Europa, chegou a trocar de nome duas vezes. Dois anos depois, reapareceu em Cingapura – vazio. Segundo o comandante, mais de dez mil toneladas daquelas cinzas de lixo foram despejadas no mar. A parte que tinha ficado no Haiti, só em 2002 – depois de 16 anos e muitas negociações, ela voltou aos Estados Unidos, onde foi enterrada.

Seguindo a Convenção da Basileia, o Brasil tem hoje uma legislação rigorosa que proíbe a importação de lixo eletrônico.

“Eu costumo dizer o seguinte: tráfico ilegal no Brasil aumentou? Já me perguntaram isso, eu acredito que não. Eu acho que o que melhorou foi a nossa capacidade de identificar o tráfico ilegal hoje, que era muito baixa há 20 anos atrás. Tráfico ilegal é algo que existe, mesmo que você tenha ou não tenha legislação”, disse Zilda Maria Faria Veloso, diretora do Departamento de Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente (DAU/MMA).

A lei brasileira impede, por exemplo, “a importação de resíduos e rejeitos perigosos mesmo que eles venham para cá para tratamento, reforma, reuso, reutilização ou recuperação”. Mas o dono da empresa de reciclagem de Guarulhos conta que já teve propostas para receber CRT do exterior. Ele ganharia US$ 5 – quase R$ 20 – por equipamento. Seis vezes o preço pago no mercado brasileiro.

“Tem empresas que já aceitaram esse tipo de material de fora. Eu não quis receber, mas já sim, já apareceu muito de fora pra reciclar aqui no Brasil. Seria um lixo tóxico, entre aspas, importado. Isso que é o perigo – a gente não sabe o que vem dentro disso também junto com esse material. É lixo, lixo vem de tudo”, afirmou Noryo Muneyuki Furuguen.

Clique aqui para assistir.

Fonte – G1

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