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Resta 0,8% de floresta com araucárias e 0,1% de campos naturais no Paraná

Araucária no Paraná. Foto: Zig Koch/Divulgação/ SPVS.

Por que essa devastação ocorreu e o que acontece se a degradação continuar?

A floresta com araucária, ou floresta ombrófila mista (FOM), na definição técnica, é identificada pela presença do imponente pinheiro do Paraná – Araucaria angustifolia – e ocorre em uma pequena porção do território brasileiro relacionado ao clima mais frio nos estados do sul do Brasil e em áreas de maior altitude do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais e até Rio de Janeiro.

Embora o pinheiro represente a floresta, é importante lembrar que ela se forma a partir da associação complexa de milhares de outras espécies de animais e plantas que se adaptaram a condições de invernos rigorosos, com a ocorrência de geadas e até neve em algumas regiões.

A composição da floresta com araucárias pode variar conforme o clima e o solo. Em regiões onde o solo é mais fértil e o relevo mais plano, por exemplo, era comum araucárias atingirem até 50 metros de altura e diâmetros superiores a 3 metros.

Associadas a elas, ocorriam espécies não menos importantes como canelas, perobas, angicos, imbuias e centenas de outros exemplares de árvores. Infelizmente, desde a década de 1950, essa tipologia de floresta desapareceu quase por completo. Os espaços onde ela se manifestava com mais intensidade foram os preferidos para o uso agrícola.

Hoje, resta no estado do Paraná – onde ela predomina no Brasil – menos de 0,8% de áreas em bom estado de conservação. Menos porque o último levantamento conduzido pela Fupef (Fundação de Pesquisas Florestais do Paraná), em parceria com o Ministério do Meio Ambiente, data de 2001.

Somente nesses remanescentes é que a estrutura florestal é mais desenvolvida, com árvores de grande porte e, consequentemente, com uma diversidade maior de espécies e formas de vida. A condição também está diretamente relacionada à maior diversidade de interações entre animais e plantas como abelhas nativas, importantes polinizadores, além de aves e pequenos mamíferos que dispersam frutos.

A condição dos campos naturais é ainda mais dramática. Originalmente eles ocupavam 13% de todo o território paranaense, caracterizando as paisagens de maior altitude do planalto estadual. Sobrou parco 0,1% de áreas em bom estado de conservação.

O histórico da degradação

Após passar por diferentes ciclos de desenvolvimento, o Paraná teve a maior parte de sua cobertura florestal retirada. Os remanescentes que restaram estão em áreas com menor aptidão para a agricultura. As porções mais significativas sofreram violentas pressões motivadas pela extração seletiva de madeira, pelo manejo para plantio de erva-mate, criação de gado e outras intervenções. Todas descaracterizaram o que seria a condição natural do espaço.

Hoje, a floresta com araucária e de campos naturais estão bastante prejudicados em sua ampla variabilidade de associações, formando um mosaico florestal com diferentes características, conforme os níveis de intervenção a que já foram submetidas.

Por outro lado, existem locais que sofreram com o corte raso, mas nos quais as florestas lutam para se recuperar naturalmente. Essa é a chamada “sucessão secundária”. Caso não sofra com mais intervenções e tenha seus remanescentes protegidos, gradativamente, o espaço se recupera, mesmo levando centenas de anos para alcançar um status semelhante ao dos espaços primitivos.

Empobrecimento genético

A fragmentação da biodiversidade é outro fator que contribui, e muito, com o empobrecimento genético da floresta com araucária e dos campos naturais. Remanescentes isolados são gradativamente comprometidos pela falta de conexão entre as diferentes espécies. Isso compromete gravemente a variabilidade genética dos exemplares, porque impede que populações de animais e plantas com caraterísticas genéticas distintas se comuniquem.

Quando isso acontece, as espécies começam a praticar a autogamia – que é a prática de cruzar com membros de uma mesma população com características genéticas similares. A tendência dessa situação é que algumas populações tenham dificuldade para se adaptar a modificações ambientais por falta de algum atributo genético, podendo desaparecer de alguns locais.

Conservar é possível

Preservar os fragmentos florestais em melhor estado de conservação não é suficiente, já que, isolados, eles não se perpetuaram por muito tempo. É também urgente recuperar remanescentes que já sofreram com diferentes níveis de degradação. Só assim será possível garantir a conexão entre as florestas. Essa proteção pode ocorrer por meio da instauração de áreas de preservação permanente e de reservas legais. Políticas públicas de planejamento e gestão do território que promovam a conservação dessas florestas em parceria com proprietários de terra também são essenciais.

Outra estratégia é o estabelecimento de Unidades de Conservação (UCs). Em todo o Paraná, existe menos de 1,5% da área de ocorrência da floresta com araucária e campos naturais sendo protegida por Unidades de Conservação de Proteção Integral.

As estratégias poderiam contribuir com o alcance da meta estabelecida para 2020 pela Convenção de Diversidade Biológica, do qual o Brasil é signatário. O compromisso assumido pelo país foi, até lá, conservar 17% de áreas terrestres e de águas continentais de especial importância para a biodiversidade e para os serviços ecossistêmicos. A medida também facilitaria o atingimento das metas assumidas pelo Brasil no acordo de Paris. Juntos, os países signatários se comprometeram a manter abaixo de 2ºC a temperatura média da Terra até o fim deste século.

São também incontáveis os serviços ecossistêmicos fornecidos pelos espaços naturais, mas entre os mais significativos estão a regulação da oferta de água – cuja falta afeta gravemente tanto os produtores rurais quanto quem vive nas cidades – e a regulação do clima – já que são as florestas que mitigam os efeitos prejudiciais causados pela intensificação das mudanças climáticas.

Embora há quase meio século se alerte com frequência para os prejuízos ocasionados pela degradação desses espaços, a sociedade e o poder público ainda não conseguiram reverter a dramaticidade do cenário. Pelo contrário. A situação só piora e, com isso, aumentam nossas chances de viver uma grave crise ambiental, cujas consequências prometem ir dos graves custos sociais aos maiores econômicos.

Para reverter a condição, é preciso o envolvimento de várias instâncias do poder público dispostas a implantar metas necessárias de ser alcançadas em escalas locais e regionais. É necessário o envolvimento de grandes, médios e pequenos proprietários de terra. Eles precisam entender que são beneficiários diretos da preservação e que é possível, sim, conciliar o aproveitamento de áreas produtivas com a manutenção de outras que precisam ser protegidas. Um planejamento bem construído, com metas de curto, médio e longo prazo estabelecidas em bases concretas, pode gerar resultados surpreendentes.

Quanto antes iniciarmos o tratamento desse câncer mais chance teremos de sobreviver. Já passou do tempo de entendermos que integramos e dependemos dessa natureza para sobreviver.

Ricardo Miranda Britez é biólogo, mestre em ciências do solo, doutor em engenharia florestal e consultor da SPVS (Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental).

Fonte – Ricardo Miranda Britez, Blog do Planeta de 30 de setembro de 2016

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