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Um pouco de história sobre o relatório que alerta para o risco das mudanças climáticas

O ano era 1988 e o mundo ainda estava dividido entre o capitalismo e o socialismo. O Muro de Berlim, construído em 1961, com mais de 60 quilômetros de grade metálica, partia ao meio a Alemanha, separando também amigos, famílias. Neste contexto conturbado, em reuniões especializadas e longe dos debates políticos, cientistas se debruçavam sobre um assunto que já preocupava especialistas desde meados do século XIX: a Terra estava aquecendo mais do que a situação polarizada que se estava enfrentando. E a culpa deste fenômeno era do homem.

James Hansen, então diretor da Nasa, levou o assunto para o Congresso dos Estados Unidos, e foi ouvido por políticos que suavam camisas num junho especialmente quente em Washington. Só depois deste discurso é que o aquecimento global começou a ser tema também entre as cabeças que tomavam decisões sobre políticas públicas na nação mais rica. E, é claro, quando Estados Unidos passaram a atentar para os eventos que poderiam vir como resultado de oceanos mais quentes, terras mais secas, tempestades e furacões, o mundo todo passou a olhar para isso também.

Em novembro de 1988, ainda sob a Guerra Fria, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em inglês) das Nações Unidas lançava seu primeiro relatório. Era o primeiro órgão científico estruturado para aconselhar governos nesta questão. As previsões deste primeiro estudo não eram muito consistentes para o Hemisfério Sul e trópicos. Mas as centenas de cientistas de 25 países, que voluntariamente se debruçaram sobre dados antigos que demonstravam o movimento da natureza desde que a atmosfera começou a ser torpedeada com toneladas de gases poluentes, foram firmes em detalhar os efeitos disso. O principal deles, à época, era o aumento de temperatura no Sul da Europa e na América do Norte:

“As temperaturas terão um aumento maior do que a média global, e serão acompanhadas por precipitações de verão e solo úmido”, escreveram os cientistas.

Os dados do estudo ainda continham uma informação bastante alarmante para quem mora em regiões costeiras e para os países-ilha do Pacífico: “um aumento do nível do mar de cerca de seis centímetros a cada década, ao longo do próximo século, devido à expansão térmica dos oceanos e ao derretimento de gelo terrestre, que vai ter como resultado 20 cm a mais no nível médio do mar até o fim do próximo século”.

Três décadas se passaram, e hoje o IPCC lançou, na cidade de Incheon, na Coreia do Sul, mais um relatório. A mídia internacional, como sempre, cobre o evento com pompa e circunstância, como deve ser, divulgando os estudos feitos agora por centenas de cientistas de 190 países. Escrevo este texto na noite de domingo (7), enquanto na outra tela do meu computador eu sigo os resultados das nossas eleições. Não têm sido tempos fáceis para ninguém, mas seja qual for o eleito, e sejam quais forem os detalhes do relatório do IPCC, certo é que será preciso rever hábitos de produção e de consumo. E que isto não vai depender só de nós.

O estudo atual perturbou bastante a Arábia Saudita, país que acabou de se comprometer a aumentar a produção de petróleo do país, após receber um pedido do presidente Donald Trump, dos Estados Unidos. É bom lembrar que Trump se autointitula um cético do clima. Segundo apurou a agência France Presse, a Arábia Saudita tentou bloquear o relatório, os representantes do país que ajudam a montar o estudo não responderam as últimas mensagens eletrônicas. O que o país do petróleo quer é que a parte do texto referente à produção do combustível fóssil seja reformulada.

Um participante das reuniões resumiu bem a questão para a agência de notícias que o entrevistou:

“Isso se tornou uma batalha entre a Arábia Saudita, um rico produtor de petróleo, e pequenos Estados insulares ameaçados de extinção”, disse, preferindo ficar no anonimato.

De acordo com as regras de consenso do IPCC, todos os países devem assinar o texto de um resumo de 20 páginas para formuladores de políticas, criado para fornecer aos líderes informações objetivas e baseadas na ciência. A passagem que desagradou à Arábia Saudita é a que afirma que compromissos nacionais voluntários para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, anexados ao tratado climático de Paris de 2015, não conseguirão limitar o aquecimento a 1,5ºC. Tais promessas, segundo os cientistas, na melhor das hipóteses, produziriam um aquecimento de 3 graus no fim do século, muito acima do limite de 2 graus estabelecido no Acordo de Paris ratificado pelos países.

Se houver impasse, os presidentes de uma reunião do IPCC podem anular o comentário de um ou de alguns países, registrando a objeção em uma nota de rodapé. É raro um país querer ter seu nome num asterisco de rodapé, mas parece que a Arábia Saudita não está se importando muito com isso.

Acordei cedo para acompanhar a divulgação do relatório minuto a minuto feita pelo “The Guardian”, e as diretrizes que os cientistas sugerem seguir não estão longe das expectativas. Vai ser necessário, na visão de Jo House, pesquisador de Ciência e Política Ambiental no Instituto Cabot da Universidade de Bristol, um dos cientistas que ajudou no relatório, “substituir rapidamente as emissões de combustíveis fósseis por tecnologias de energia renovável de baixo custo que já estão amplamente disponíveis”.

E o imbróglio é tão difícil que será necessário, ao mesmo tempo, proteger as florestas, já que elas serão fonte direta da bioenergia. Por isso, o IPCC já está preparando – e lançará no ano que vem – um Relatório Especial sobre Mudança Climática e Terra.

As ameaças são grandes demais e não podem ser enfrentadas sem que haja uma coalizão entre os líderes empresariais e de governo. Como escreveu George Monbiot, colunista de meio ambiente do “The Guardian”, o consumo consciente, a redução das sacolas plásticas, ou qualquer outra ação voluntária dos cidadãos são importantes, mas o meio eficaz, verdadeiro, de promover uma mudança, será a ação política.

O assunto clima precisa entrar na agenda, mesmo tendo um opositor forte, como o presidente Donald Trump, que já anda arregimentando outros personagens de alto escalão da política mundial. Hoje o primeiro-ministro da Austrália, Scott Morrison, também se colocou nesta categoria de “cético”, classificando de “bobagens” as conferências internacionais sobre o clima.

Enquanto isso, no Brasil, estamos vivendo uma oportunidade de espremer de cada um dos dois candidatos que se enfrentam para ocupar a cadeira presidencial por quatro anos, algum compromisso em relação ao relatório do IPCC. É preciso fazer valer os esforços mundiais para conter a degradação que virá, e não está longe de chegar. O estudo diz que se o mundo continuar a aquecer nos níveis atuais, as temperaturas globais devem chegar a 1,5º C entre 2030 (ou seja, daqui a doze anos) e 2052.

Vou continuar acompanhando e, como sempre, trarei novas informações para vocês sobre o tema.

Fonte – Amélia Gonzalez, G1 de 08 de 08 de outubro de 2018

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