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Uma década após lei, maioria das cidades brasileiras ainda usa lixões e produção de resíduos cresce com a pandemia

Por Suzana Correa – Estagiária, sob supervisão de Tiago Dantas – O Globo em 27 de abril de 2021

Descarte inadequado de resíduos aumenta a proliferação de vetores e o risco de doenças como a leptospirose, dengue e, agora, a Covid-19.

Dez anos após a aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, considerada um marco na legislação ambiental brasileira, as melhorias previstas pela lei custam a sair do papel.

Mais da metade dos municípios brasileiros ainda utilizam lixões e aterros irregulares que, pela norma, deveriam ter sido extintos em 2014.

A erradicação desses equipamentos, segundo especialistas, ainda pode levar décadas.

O problema é piorado pelo volume crescente de lixo produzido no país nos últimos anos, acentuado durante a pandemia.

O descarte inadequado de resíduos aumenta a proliferação de vetores e o risco de doenças como a leptospirose, dengue e, agora, a Covid-19.

Lixão - depósito de lixo a céu aberto - Ecologia - InfoEscola

O lixo contaminado com o novo vírus exige tratamento que elimine ou reduza sua carga microbiana, segundo classificação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) — o que nem sempre ocorre.

Em cerca de 3 mil dos 5.570 municípios brasileiros, o lixo urbano ainda é descartado diretamente no solo, em lixões a céu aberto e aterros irregulares, segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe).

Além de riscos à saúde, os lixões também poluem água e solo por meio da liberação de chorume e gases tóxicos.

Metade das cidades brasileiras ainda despejam lixo a céu aberto, aponta  ISLU 2020 – Limpa Brasil

Por isso, a Política Nacional de Resíduos, sancionada em 2010, visava zerá-los até 2014 – mas as metas para que os municípios investissem em aterros sanitários adequados foram continuamente descumpridas e prorrogadas.

As gestões municipais alegam falta de recursos para implementar a mudança.

Especialistas alertam para a pouca prioridade dada nos orçamentos locais à questão e cobram sanções mais severas para cidades que não abandonarem os lixões.

Empresas do setor, por sua vez, reclamam da alta inadimplência do poder público e insegurança jurídica em contratos em sua maioria de curto prazo, sensíveis a mudanças políticas.

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. Foto: Editoria de Arte

Foto: Editoria de Arte

Como resultado, os lixões não apenas não foram eliminados, como passaram a receber mais lixo.

Foram 29 milhões de toneladas por ano em 2019, ante 25 milhões em 2010, quando a Política foi aprovada.

A proporção de lixo destinada a locais inadequados apresentou redução sutil no mesmo período, de 43,2% para 40,5%.

Temos uma lei moderna, mas na prática a mudança é lenta e o Brasil pode levar ainda décadas para cumprir o que propôs.

Área de transbordo dá lugar a novo lixão em União dos Palmares

A geração de lixo continuou crescendo, continuamos com volume considerável descartado em locais inadequados e não vimos avanço na mesma proporção na reciclagem, que segue em torno de 3 a 4% do lixo no país — diz Carlos Silva Filho, presidente da International Solid Waste Association e diretor da Abrelpe.

A aprovação do novo marco regulatório do saneamento, sancionado 2020, compõe a mais recente tentativa de erradicar os lixões e estabeleceu que a transição aconteça em todo o país até 2024.

Além do marco, o país sancionou no último ano lei que regulamenta as diretrizes da Política Nacional para o descarte de eletrônicos.

Falta, ainda, a aprovação do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, previsto pela Política sancionada em 2010 e que se arrasta desde então.

A versão mais recente, elaborada pelo Ministério do Meio Ambiente, passou por consultas e audiências públicas no final de 2020.

A expectativa de empresários do setor de resíduos, que atuam em parceria com o ministério na elaboração de dados sobre a área, é que o novo Plano seja aprovado por decreto por Bolsonaro ainda no primeiro semestre.

“Lixão zero” ou “lixo zero”

A gestão do ministro Ricardo Salles, criticado pela condução de crises como as queimadas na Amazônia em 2019 e 2020, é elogiada por empresários do setor pelo protagonismo conferido ao que chamam de “agenda ambiental urbana”.

Em 2019, a pasta lançou o novo Programa Lixão Zero, em mais uma promessa federal de erradicá-los.

Mas, para especialistas, falta atenção ao volume crescente de lixo produzido no país, verdadeira raiz do problema.

Durante a pandemia, o aumento da produção de lixos descartáveis que embalam encomendas e deliveries e dos lixos hospitalares — observado por pesquisadores e a associações como a Abrelpe, mas ainda não consolidado em pesquisas —  somou-se às taxas crescentes de geração de lixo no país.

Entre 2010 e 2019, segundo a Associação, o país passou de 59 milhões de toneladas de lixo produzidos ao ano para 72,7 milhões – um aumento de 19%.

. Foto: Editoria de Arte

Foto: Editoria de Arte

No Sudeste, a concentração de pessoas, renda e consumo fez da região a responsável por 53% de todo lixo coletado ao ano.

Rio, São Paulo e Minas, estados onde a cobertura da coleta também é maior, foram os campeões na produção de lixo na última década.

A quantidade de lixo produzido pelos moradores do estado de São Paulo, hoje, aproxima-se de 2 quilos diários por pessoa, aponta a engenheira Ana Paula Bortoleto, especialista em resíduos sólidos e professora da Unicamp.

Segundo a engenheira, o Brasil adota medidas paliativas para o destino das imensas quantidades de resíduos produzidos no país, mas não ataca a produção excessiva com medidas de prevenção, como fizeram países da Europa que adotaram campanhas “lixo zero”, de estímulo a redução da geração de lixo.

Enquanto outros países discutem a prevenção e questões avançadas, ainda estamos parados na questão dos lixões.

Não saímos do lugar em que estávamos em 2010. Tratar o lixo é importante, mas temos que reduzir sua produção.

Passa também pela reeducação do consumo. Estamos dispostos a consumir menos e melhor? — questiona Ana Paula.

 

 

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