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Não estávamos de acordo sobre superar o uso de energia fóssil?

Por Mariana Galvão Lyra – Pesquisadora da Escola de Negócios, LUT University, Finlândia – Pagina22 – 23 de janeiro de 2024 – Apesar da escalada da crise climática, empresas petrolíferas ao redor do mundo investem para melhorar a reputação dos combustíveis fósseis. Foto: Nelson Ricardo /Unsplash.

Reuniões com líderes do mundo todo, empresas reinventando seus modelos de negócio, tecnologias verdes emergindo em várias áreas, principalmente no setor energético, consumidores renovando sua forma de comprar.

Todos esses esforços têm a ver com o comprometimento de líderes e cidadãos com as adaptações necessárias dadas à mudança do clima.

As causas da crise climática estão associadas à emissão de carbono – principalmente combustão de carvão, petróleo e gás.

Portanto, corporações que atuam nesses setores estão investindo pesado em reinventar seu papel num futuro que dependerá cada vez menos de combustíveis fósseis.

Certo?

Não é o que parece.

O jornal Financial Times vem recorrentemente chamando a atenção para o contrário.

A Shell, por exemplo, uma das gigantes da indústria de petróleo, vem se esforçando via campanhas de marketing para fortalecer sua marca (e a reputação de combustíveis fósseis) entre os jovens.

A estratégia tem sido usar influencers e gamers em redes sociais, como TikTok, Instagram, YouTube e Twitch (focada em jogos) para atrair a atenção de jovens sobre a V-Power Nitro+.

É uma nova gasolina premium desenvolvida pela empresa que promete limpar e proteger o motor ao mesmo tempo.

De acordo com a ONG Media Matters for America, o alcance da campanha nas mídias sociais foi de 5,5 milhões de seguidores que têm em comum o interesse pelo jogo Fortnite.

Considerado um fenômeno, o jogo criado em 2017 atraíndo até 100 jogadores simultaneamente em batalhas no royale-style.

A lógica desse estilo é que os jogadores têm que “matar” uns aos outros até que apenas um sobreviva, para isso usando buscas por armas e outros itens.

Para além do jogo em si, jogadores fazem vídeos e streamings enquanto jogam, o que também tem atraído a atenção de milhões de pessoas.

A campanha da Shell encorajava os jogadores a encherem o tanque de automóveis virtuais em postos de gasolina interativos.

Ao mesmo tempo, pedia que os jogadores postassem nas redes sociais uma captura de tela (screenshot) do jogo com a hashtag #Shellroadtrips.

Na mesma linha de pensamento, o multimilionário americano do setor de gás de xisto (ou não-convencional) Harold Hamm vem estimulando a geração Z a trabalhar no setor de petróleo e gás.

Uma das estratégias usada pelo magnata de 78 anos, de acordo com o jornal, é tirar a atenção e criar dúvidas sobre a conotação negativa associada às preocupações com mudança climática.

Isso porque atualmente o setor está vendo uma queda no interesse de jovens na Europa e Estados Unidos em cursos relacionados à engenheria de petróleo.

Hamm doou US$ 50 milhões, a ExxonMobil mais US$ 16,4 milhões, enquanto Chevron, Shell e BP também têm atuado junto a universidades para preparar e atrair trabalhores pro setor de óleo e gás.

Esses movimentos de empresas são geralmente monitorados e disseminados na mídia por ONGs que se caracterizam como watchdogs, grupos que seguem atividades de empresas para assegurar que a conduta corporativa seja ética e legal.

Muitas vezes, esses monitoramentos são seguidos por ondas de protesto e campanhas, chamando a atenção para evidências de que alguma atividade corporativa esteja aquém dos limites éticos e legais. Assim, pela ótica das empresas, as ONGs watchdogs podem representar um risco para sua imagem e reputação.

Portanto, em uma virada histórica, a Shell decidiu no ano passado processar a ONG Greenpeace em US$ 2,1 milhões.

O motivo foi a ONG ter feito uma campanha em um dos navios da empresa, chamando a atenção para o impacto climático e pedindo que a Shell pare de perfurar campos de petróleo.

O argumento da empresa baseia-se nos custos de segurança, seguridade e aspectos legais que foram necessários para garantir que tudo corresse bem, por exemplo, com a segurança dos tripulantes, empregados e ativistas durante a instalação da ONG no navio para protestar.

Mais tarde, a Shell fez uma proposta para o Greenpeace, oferecendo trégua se fechassem um acordo no valor de danos reduzidos em US$ 1,4 milhão.

Em contrapartida, a ONG deveria se comprometer a nunca mais protestar nas infraestruturas da empresa – no mar, porto ou qualquer outra localidade no mundo.

Diante desse cenário, quais seriam os próximos passos na direção da superação do uso de combustíveis fósseis?

No artigo sobre o contínuo desinvestimento em combustíveis fósseis, pesquisadores das universidades britânicas Cardiff e Bath e da Universidade Livre de Berlim discutem estigmas usados por ativistas do clima por meio de analogias com o objetivo de tirar o crédito, aprovação, e apontar falhas nas empresas que atuam nesse setor.

Por exemplo, em algumas imagens fornecidas pelos autores, ativistas associam a poluição advinda do carbono e empresas gigantes do setor de petróleo ao já estigmatizado setor de tabaco.

Fazendo um paralelo com a revolução que aconteceu no setor de tabaco há algumas décadas, proponho que os próximos passos para superarmos a indústria de combustível sejam: limitar as propagandas, promoções e patrocínios de empresas no setor; incluir nos produtos informações sobre os malefícios associados ao uso de combustíveis fósseis; aumentar os preços e impostos associados a esses produtos; realizar campanhas nacionais de conscientização em parceria com os governos; e promover maciçamente o uso de combustíveis alternativos.

Será que estamos prontos para isso?

A ONG britânica Extinction Rebellion vem realizando várias campanhas nesse sentido.

Uma das respostas a esses esforços veio de agências de comunicação.

Vinte agências ambientalmente conscientes decidiram, em 2019, abdicar de briefs (documento preliminar com informações sobre a empresa cliente para execução de um projeto específico de comunicação e marketing) com empresas de combustível em apoio à ONG.

Em 2021, os ativistas fizeram uma convocação para que executivos das quatro maiores empresas de combustíveis fósseis abrissem o jogo e denunciassem (anonimamente) as práticas de greenwashing usadas por seus empregadores.

No âmbito governamental, a França surpreendeu o mundo em 2022 com uma nova lei climática banindo o uso de propaganda por empresas de combustíveis fósseis.

As empresas que descumprirem a nova lei podem pagar entre 20 mil a 100 mil euros, sendo que reincidentes chegariam a pagar até o dobro desses valores.

São passos importantes em uma complexa transição que ainda está longe de chegar ao fim.

Saiba mais:

https://www.thedrum.com/news/2019/07/09/over-20-agencies-abstain-fossil-fuel-briefs-support-extinction-rebellion

https://www.euronews.com/green/2022/08/24/france-becomes-first-european-country-to-ban-fossil-fuel-ads-but-does-the-new-law-go-far-e

 

 

 

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